Movimento agroecológico passou a contar com o apoio de 64 deputados federais e uma senadora

Foto: Jade Azevedo

O movimento agroecológico passou a contar com o apoio de 64 deputados federais e uma senadora, que se comprometeram com a carta-compromisso da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) (leia aqui) e foram eleitos no início deste mês. Apesar do crescimento da bancada ruralista, que é a mais influente no Congresso Nacional e até este ano totaliza 241 deputados alinhados à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), lideranças históricas do campo progressista ganham força na política nacional.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) reelegeu três deputados federais:  Valmir Assunção (PT-BA), Dionilso Marcon (PT-RS) e João Daniel (PT-SE). A bancada indígena na Câmara dos Deputados, por sua vez, sobe para cinco com a chegada histórica de duas lideranças mulheres, a Sônia Guajajara (Psol-SP), atual coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e a professora Célia Xakriabá (Psol-MG). Ainda entre as renovações políticas com votações expressivas no campo progressista estão uma mulher negra e trans, a deputada Érica Hilton (Psol-SP), e um pastor negro, Henrique Vieira (Psol-RJ), dentre outros recém-eleitos.

O desafio agora será o enfrentamento na Câmara Federal, que já tem quase a metade dos seus 513 deputados ligados à bancada ruralista. Com uma taxa de reeleição de cerca de 65%, segundo a Folha de São Paulo, personalidades como Sérgio Souza (MDB-PR), presidente da bancada, e Alceu Moreira (MDB-RS) continuam na Casa em defesa do agronegócio. Esses parlamentares  são responsáveis por indicar membros para assumir comissões permanentes no Congresso. O segmento faz parte da base do presidente Jair Bolsonaro (PL), que viu serem eleitos alguns de seus  ex-ministros, como Ricardo Salles (Pl-SP), ex-ministro do meio ambiente, que em reunião vazada pela mídia defendeu “passar a boiada”, ao se referir à flexibilização das normas ambientais.  

De acordo com Alceu Castilho, jornalista e coordenador do portal De Olho nos Ruralistas, é importante observar que a bancada ruralista se renova de modo independente dos nomes e continuará a representar pelo menos metade do Congresso. Isso ocorre porque, na sua visão, independentemente de o parlamentar ter terras ou empresas agropecuárias, ele se alia à bancada conservadora por meio da Frente Parlamentar da Agropecuária. De acordo com dados levantados em relatórios dos  projetos desenvolvidos por Castilho, esses parlamentares representam um lobby com interesses no capital internacional e na renda da terra: estão a serviço do expansionismo das commodities, agrícolas e da mineração, que gera o desmatamento e a violência no campo.

“A eleição de Ricardo Salles é emblemática nesse sentido: ele não é um proprietário de terras, ele é um articulador desse poder econômico, esteja ou não esse poder no campo da legalidade. A única boa notícia é que teremos três contrapontos de peso internacional: Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, do PSOL de SP e MG, [respectivamente], muito atuantes no movimento indígena, e a ex-ministra do meio ambiente Marina Silva [Rede-SP]. Numericamente, a vitória dos grandes proprietários de terra e dos representantes do capital no campo foi, mais uma vez, avassaladora. Mas essas três deputadas, deputados camponeses, ambientalistas e defensores da alimentação saudável ajudarão muito na visibilidade dos conflitos no campo e da destruição ambiental”, afirmou o jornalista.

Após disputar, em 2018, a  eleição para a presidência da República  e, em 2020, a vaga para prefeito da cidade de São Paulo, pleitos para os quais não foi eleito, , agora Guilherme Boulos (Psol-SP) foi o deputado federal mais votado pelo estado de São Paulo, com mais de um milhão de votos. Ele também assinou a carta-compromisso do movimento agroecológico e conectou suas lutas junto ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) com a agroecologia para o programa do seu mandato. Durante a pandemia, o MTST conseguiu, segundo ele, por meio da iniciativa  Cozinhas Solidárias, servir cerca de 1 milhão de refeições em todo o país. Na sua opinião, a agroecologia é fundamental para o desenvolvimento econômico sustentável e um elo importante para a diversificação da produção agrícola voltada ao mercado interno por meio da valorização dos pequenos agricultores e agricultoras. 

“Podemos diminuir o preço dos alimentos e melhorar a qualidade da alimentação dos brasileiros. Nossas prioridades no Congresso serão o combate à fome e a implementação de uma grande política nacional de moradia, para que todo brasileiro tenha comida no prato e um teto para dormir. Apresentaremos um plano emergencial, já que 33 milhões de pessoas passam fome hoje no Brasil. Imagina se o governo federal cria uma política pública de combate à fome que inclua a expansão das Cozinhas Solidárias e a compra em massa de alimentos provenientes da agroecologia e da agricultura orgânica familiar? Esse é um plano que por um lado combate a fome com a urgência necessária e, de outro, fortalece a mudança de modelo de produção de alimentos em prol do meio ambiente, gerando, ainda, emprego e renda”,   

Eleita com mais de 100 mil votos, Célia Xakriabá (PSOL-MG), de 32 anos, é a primeira deputada federal indígena por Minas Gerais. Ela é doutora em antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e milita nos movimentos educacionais há alguns anos. Seu mandato vem, principalmente, com a proposta de demarcação dos territórios indígenas e a titulação dos quilombos. Segundo ela, que reafirmou seu compromisso com a carta da ANA, trata-se de uma luta ancestral e as práticas agroecológicas estão na essência desses povos  

“É importante destacar que quando priorizamos a demarcação dos nossos territórios, a preservação da nossa cultura e o combate ao agronegócio, estamos falando também de segurança alimentar e de agroecologia e essa será uma prioridade para nós. Queremos aliar a bancada do cocar à luta pela terra e nos articularmos com as bancadas que farão esse enfrentamento. É preciso retomar a ancestralidade para garantir o futuro na terra. É esperançar e aldear para o bem viver!”, afirmou a deputada recém-eleita.

Primeira senadora eleita na história do estado de Pernambuco, Teresa Leitão (PT) foi a candidata mais votada, conquistando mais de 2 milhões de eleitores. Aos 70 anos, ela é deputada estadual desde 2003 e professora aposentada, formada em pedagogia pela Universidade Católica de Pernambuco. Sempre participou das entidades de classe da categoria, chegando à presidência do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe). Segundo ela, a agroecologia é uma solução viável social, econômica e ambientalmente. 

“Não é admissível que um dos países com a maior produção de grãos do mundo, tenha mais de 33 milhões de pessoas passando fome sem ter o que comer. A carta-compromisso, que assinei com muita honra, tem cinco tópicos muito justos e plenamente defensáveis: o direito à terra, o enfrentamento à fome, o investimento na educação pública e no conhecimento,  a participação popular nas decisões e elaborações de políticas públicas e a promoção da igualdade. São questões que respeito e que combinam com a minha proposta, apresentada na campanha, de aproximar o Senado das pessoas e das questões do cotidiano da população”, afirmou a senadora.