Imagem: Idec

O Grupo de Trabalho de Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (GTBio da ANA) participa da 15ª Conferência das Partes (COP 15), da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB), que acontece em Montreal desde o dia 7 deste mês. O GT apresentou a “Carta aberta de recomendações e posicionamento da sociedade civil brasileira para a COP15”, que teve mais de 100 signatários, a maioria de organizações que integram o movimento agroecológico no Brasil. O documento traz denúncias sobre políticas e processos que afetam a biodiversidade nacional, além de manifestar o posicionamento político do GT e apresentar recomendações para  um país social e ambientalmente justo.

A Convenção acontece a cada dois anos, mas devido à pandemia foi suspensa. A última edição da COP da CDB aconteceu em  2018, na cidade de Sharm El-Sheikh, no Egito. Trata-se de um acordo internacional assinado por 156 líderes governamentais durante a Rio+20, no ano de 1992, visando garantir a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa dos seus benefícios derivados de recursos genéticos. Além das decisões de temas da biodiversidade que envolvem o texto da convenção, também são debatidos os protocolos complementares, como o de Cartagena [sobre biossegurança] e o de Nagoya [acesso e repartição de benefícios oriundos da utilização  do patrimônio genético e de conhecimentos tradicionais]. 

Uma das participantes desta COP 15, a antropóloga e integrante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Cristiane Pankararu, que compõe também o GTBio da ANA e o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), órgão colegiado  ligado ao Ministério do Meio Ambiente, ressalta a importância de buscar espaços no evento para fazer incidência em defesa dos direitos dos povos originários. O debate crítico sobre a biopirataria, segundo ela, é fundamental para salvaguardar as sementes tradicionais e ancestrais, bem como preservar seus espaços sagrados como um todo. Sua preocupação se deve ao fato de esse tema ser negociado de forma a legalizar a biopirataria, a partir dos instrumentos e acordos dos países colonizadores sobre o conhecimento tradicional. 

“Negligenciam a participação de povos indígenas e comunidades tradicionais discutindo e decidindo questões sobre nós, os nossos ecossistemas e modos de vida, e como isso pode ser trabalhado com a indústria. A ideia de bioeconomia nada mais é que uma forma de legalizar os atravessadores, porque não é um desejo dos povos indígenas se inserir neste mercado. Pelo contrário, queremos valorizar, mas não no sentido do capital, porque existe essência, conexão. Elementos que não são colocados na mesa, onde países colonizadores permanecem tutelando os nossos corpos, saberes, fazeres, territórios e espaços”, criticou.

Entre os principais pontos das negociações, encontram-se a ampliação de áreas protegidas, proteção à terra [proposta oficial de preservação de 30% de áreas biodiversas até 2030], redução do uso de pesticidas, fim dos subsídios a empreendimentos que destroem a natureza e o  combate à poluição por plásticos. Dados do CGen, estimam que 2 mil espécies vegetais estavam ameaçadas de extinção em 2020 no Brasil. Segundo a série Cura pela Mata, do portal UOL, nosso país tem um patrimônio genético de cerca de 200 mil espécies registradas, número que especialistas acham muito subestimado. 

De acordo com Naiara Bittencourt, da organização Terra de Direitos e integrante do GTBio/ANA, será a primeira vez que o Brasil poderá votar nos debates do Protocolo de Nagoya, porque nosso país ratificou este instrumento em 2021. O que é mais importante agora, segundo ela, é o debate sobre o Novo Marco Global da Biodiversidade, já que as Metas de Aichi (2010-2020) – estabelecidas para a preservação da biodiversidade na última década – são, segundo ela, consideradas fracassadas. Na sua opinião, a delegação oficial brasileira ainda responde à gestão de Jair Bolsonaro e estão bloqueando decisões importantes, como a importância da agroecologia e a redução de agrotóxicos  no novo Marco Global da Biodiversidade.

“Esta COP é importante porque há a reavaliação das metas da década da biodiversidade, as chamadas Metas de Aichi, que foram consideradas fracassadas. Por isso, as discussões estão acirradas sobre estipulação de novas ações e como vão ser implementadas pelos países. É fundamental que a sociedade esteja atenta a esta agenda e cobre que o Brasil tenha uma posição de proteção da sociobiodiversidade e dos direitos de povos e comunidades tradicionais. Até agora o Brasil tem se posicionado de forma a atender interesses de grandes empresas e do agronegócio, como é o caso das decisões sobre biologia sintética”, afirmou.

Representantes do movimento agroecológico têm relatado que “a delegação brasileira, ainda sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL), tem assumido posições majoritariamente perversas para a proteção da biodiversidade e dos direitos dos povos e comunidades tradicionais”. Eles também questionaram o fato de a delegação não receber formalmente integrantes da sociedade civil, desconsiderando as eleições e o governo de transição, que tem posições distintas do atual. Há uma preocupação geral em relação à participação brasileira na assinatura deste novo marco global. 

Este encontro internacional é mais uma oportunidade em busca de decisões fortes e necessárias, de forma clara e objetiva, na perspectiva de um modelo de desenvolvimento mais sustentável e com um plano estratégico mais ambicioso. A crise da biodiversidade é tão importante quanto a climática, e não é de hoje que cientistas vêm chamando a atenção para a extinção de várias espécies e para a adoção  de métodos mais eficazes para combater o desmatamento e viabilizar ecossistemas mais equilibrados.