Entre as críticas estão a extinção do ministério e a saída do Brasil do Acordo de Paris. O artigo é assinado por ministros nos governos Collor, Itamar Franco, FHC, Lula e Dilma.

Reprodução de imagem de 2011. Foto: Antônio Cruz / ABr

Em artigo intitulado “Não podemos desembarcar do mundo”, 8 ex-ministros do Meio Ambiente alertam para uma série de políticas necessárias para implementação do desenvolvimento sustentável no Brasil. Eles comandaram o ministério nos anos de 1992 a 2016, portanto nos governos de Fernando Collor a Dilma Rousseff, além de atuarem na construção de políticas e instituições ambientais nos últimos 30 anos.

Entre as principais necessidades, o artigo menciona a manutenção do Ministério do Meio Ambiente, de instituições ambientais como o Ibama e o ICMBio, e da “permanência do Brasil no Acordo de Paris para a liderança brasileira na agenda nacional e global do desenvolvimento sustentável”. Todos estas políticas estão em risco em uma gestão de Jair Bolsonaro, conforme as próprias declarações do candidato do PSL.

Uma das medidas mais criticadas entre ambientalistas é a fusão dos ministérios do Meio Ambiente e Agricultura, já prometida na campanha de Bolsonaro. O candidato também já declarou acabar com o “ativismo ambiental”, fazendo críticas ao Ibama e ICMBio, citados pelos ex-ministros.

Além disso, Bolsonaro também já afirmou que é desfavorável ao Acordo de Paris pois “fere a soberania do país”, em discurso semelhante ao do presidente Donald Trump, dos EUA, que retirou os EUA do pacto global do clima.

Leia abaixo o artigo na íntegra, publicado originalmente em coluna na Folha de São Paulo:

Não podemos desembarcar do mundo

Um dos grandes desafios do século 21 está na implementação do desenvolvimento sustentável, conforme decidido, em 2015, com a aprovação da Agenda 2030, na Assembleia-Geral da ONU, com o apoio de 195 países. Esta decisão é resultado de um longo processo que se iniciou em Estocolmo, em 1972, e que, de lá para cá, teve o Brasil como um dos protagonistas, tornando-nos, reconhecidamente, um dos grandes atores dessa matéria na agenda internacional.

Ainda na década de 70, o Brasil deu importantes passos na institucionalização da questão ambiental com a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema), em 1973, e com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, ainda no regime militar. No âmbito dos governos estaduais, houve processo similar, com a criação de agências estaduais de meio ambiente, revelando-se, assim, a incorporação da temática ambiental no poder público e a consolidação do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil tornou-se um dos primeiros países a tratar com destaque a questão ambiental em vários dispositivos constitucionais, o que só foi possível pela articulação de uma frente suprapartidária na Assembleia Nacional Constituinte, sob a coordenação do ex-deputado Fabio Feldmann.

Nos direitos dos povos indígenas, a Constituição trouxe um avanço incontestável com o artigo 231, que teve no senador Jarbas Passarinho (1920-2016) um dos seus principais apoiadores.

Expurgando-se o calor inerente às campanhas eleitorais, espera-se que o futuro presidente compreenda a importância estratégica para o país da manutenção e valorização das instituições públicas de meio ambiente essenciais ao cumprimento da Constituição de 1988, em especial o Ibama e o ICMBio. Com isso, continuaremos a garantir um caminho claro na direção do desenvolvimento sustentável que, inexoravelmente, atende às aspirações da sociedade, independentemente das escolhas do eleitorado no próximo dia 28.

É inegável a necessidade de dar continuidade ao aperfeiçoamento da gestão ambiental no Brasil, que vai além dos temas relacionados ao uso da terra.

Especial atenção deve ser dada aos instrumentos de avaliação de impacto ambiental e ao licenciamento ambiental, sem ignorar a sua importância para a tomada de decisão dos processos de desenvolvimento e a envergadura da jurisprudência consolidada em nosso país e na esfera internacional.

O aquecimento global, por sua vez, é reconhecido pela comunidade científica e por toda a comunidade internacional como o maior desafio da humanidade nas próximas décadas.

O Brasil, com liderança inequívoca nesta matéria, quer pela competência da sua diplomacia, quer por determinações da Política Nacional de Mudança do Clima, só tem a ganhar mantendo os esforços a favor de uma economia de baixo carbono, no combate ao desmatamento ilegal, no desenvolvimento da indústria florestal e na consecução dos objetivos do Acordo de Paris.

Já estamos sofrendo os impactos negativos do aquecimento global com o aumento de desastres naturais, seca prolongada no semiárido e alteração dramática do nosso regime hidrológico, com riscos evidentes nas atividades das hidrelétricas e vulnerabilidades na produção agrícola e no abastecimento de água nos centros urbanos.

A megabiodiversidade brasileira representa enorme potencial para o desenvolvimento de novas economias nos campos farmacêutico, químico, cosmético e de alimentos. As Unidades de Conservação, por sua vez, são ativos importantes de desenvolvimento regional, podendo gerar ganhos sociais e econômicos, além de importante instrumento de defesa do território nacional.

Nós, que participamos ativamente da construção das instituições ambientais do Brasil nos últimos 30 anos, entendemos que o próximo presidente da República terá a oportunidade de compreender a importância da manutenção do Ministério do Meio Ambiente e da permanência do Brasil no Acordo de Paris para a liderança brasileira na agenda nacional e global do desenvolvimento sustentável.

Não podemos correr o risco de isolamento político internacional ou do fechamento de mercados consumidores para as nossas exportações. Não podemos desembarcar do mundo em pleno século 21.

Assinam os ex-ministros do Meio Ambiente:
José Goldemberg, ministro em 1992
Rubens Ricupero, ministro de 1993 a 1994
Gustavo Krause, ministro de 1995 a 1998
José Sarney Filho, ministro de 1999 a 2002
José Carlos Carvalho, ministro em 2002
Marina Silva, ministra de 2003 a 2008
Carlos Minc, ministro de 2008 a 2010
Izabella Teixeira, ministra de 2010 a 2016