Relato de Hanna Vasconcelos, Cirurgia geral & videolaparoscopia.

Não gosto muito desse tipo de post, mas tem alguns dias que venho sentindo necessidade de falar um pouquinho o que tenho visto e vivido nas últimas semanas. E a última noite de sábado foi decisiva pra que eu viesse aqui falar um pouco.

Há 50 dias atrás a vida de todos nós mudou completamente.. fomos obrigados a deixar de lado um pouquinho nossos planos e projetos, alguns tiveram que se adaptar a uma nova rotina de trabalho em casa, outros de repente se viram sem trabalho e nós, médicos e profissionais de saúde, também tivemos a nossa rotina de trabalho completamente alterada. Eu, cirurgiã geral, tive que deixar de lado minha especialidade que tanto amo exercer e estudar e me dedicar a aprender mais sobre esse vírus e como cuidar e ajudar os pacientes. Mas essa quarentena também me fez ter mais gratidão ainda do quão privilegiada eu sou. Tenho uma casa que me acolhe e me traz conforto, um companheiro de quarentena que é meu amor, comida gostosa na geladeira e mesmo que com uma cara diferente, continuo tendo trabalho e muito! Todos os dias temos noticias de que mais conhecidos – médicos, enfermeiros e técnicos se contaminaram e estão afastados..

E indo pro trabalho ou vendo as redes sociais, me sento extremamente agredida pelo egoísmo e frieza das pessoas.. as praias e a lagoa cheias de gente que não podem abrir mão da sua caminhada/corrida/pedalada/passeio, pessoas desrespeitando o isolamento e fazendo reunião de amigos e família.. e eu de dentro do carro vendo tudo isso e indo pra um hospital em que todos os pacientes estão internados por uma mesma doença.

Ficar 12h tentando dar o melhor por pacientes graves, que não podem sequer ter a família por perto nesse momento e a família só recebe noticias uma vez por dia, pelo telefone! 12h com máscara n95, óculos, face shield, lavando a mão incontáveis vezes.. pra no fim do dia ver o rosto marcado e machucado, as mãos começando a ficar feridas.. Passei a última noite de sábado em um hospital de campanha.. muitos pacientes graves precisando de assistência e que estavam ali porque o sistema de saúde colapsou e tantas outras pessoas aguardam uma vaga para serem cuidados..

E saindo exausta do plantão, depois de uma noite de trabalho intenso em que tive ao meu lado muitos outros profissionais – que eu não sei como é o rosto deles porque os EPIs não permitiram, tentando ajudar e fazer o meu melhor por aquelas pessoas, ao mesmo tempo tomando todos os cuidados e com muito medo de me contaminar, passo pela praia pra ver um pouco o sol, e de dentro do carro vejo aquelas mesmas pessoas egoístas vivendo um dia como qualquer outro. Caminhando, correndo, indo surfar. A gente segue firme daqui fazendo a nossa parte e fazendo tudo que podemos.

E não, NÃO SOMOS SUPER-HEROIS. Somos humanos.

Que se abalam com cada história de cada paciente, que sofrem quando não conseguem salvar um paciente, que tem medo: de se contaminar, de levar o vírus pra casa e contaminar a pessoa que vive com a gente, medo de não vencer essa guerra contra o invisível. Cada vida importa, e muito. Não são só números.. são pessoas que são o amor de alguém, que tinham histórias e sonhos. E você que não respeita o isolamento social, é responsável por nos distanciar mais ainda do fim de tudo isso.

FIQUEM EM CASA !!!!