Nota pública foi lida no ato ecumênico em memória às vítimas do Massacre no  domingo, dia 22 (Andressa Zumpano/CPT)

 

Por Andressa Zumpano, setor de comunicação da CPT Nacional

Caía a noite do dia 23 de maio de 2017 quando um grupo de 25 trabalhadores sem terra terminavam de montar um acampamento improvisado nas matas da Fazenda Santa Lúcia, em Pau D’Arco(PA), no que seria mais uma tentativa de reocupação deste latifúndio improdutivo para fins de reforma agrária.

Ao amanhecer, no dia seguinte (24), enquanto ainda passavam café, os acampados ouviram barulhos da chegada de carros. ​​”É a polícia”, relatou um deles. Logo, os trabalhadores adentraram a mata, debaixo de forte chuva, em uma tentativa de proteger-se de um possível ataque.

Alguns minutos depois, ergueram uma lona sobre as cabeças e pararam em mata fechada, acreditando que estavam em uma distância segura, quando foram encurralados por policiais.  “Ǫuem correr, morre”. Neste momento, se inicia o episódio que ficou conhecido como Massacre de Pau D’Arco, o segundo maior massacre contra trabalhadores sem terra no estado do Pará.

Policiais civis e militares, em operação conduzida pela Delegacia de Conflitos Agrários – DECA, com apoio do contingente de Redenção, Conceição do Araguaia e Xinguara, foram destacados para cumprir 14 mandados de prisão preventiva e temporária contra os acampados, no entanto, não houve prisões, mas o assassinato de dez pessoas: Oseir Rodrigues, Nelson Souza, Wedson Pereira, Weclebson Pereira, Bruno Henrique, Hércules Santos, Regivaldo Pereira, Ronaldo Pereira, Antônio Pereira, Fernando dos Santos, Rosenildo Pereira e Jane Júlia, a líder da ocupação e única mulher entre as vítimas.

Os relatos do ocorrido, expostos acima, foram contados no último dia 22 (domingo), durante um ato ecumênico em memória às vítimas do Massacre de Pau D’Arco, organizado pela Comissão Pastoral da Terra-Equipe Xinguara/Marabá e agricultores do Acampamento Jane Júlia. A celebração, que marca os cinco anos do Massacre, percorreu o caminho onde os trabalhadores sem terra fugiam da polícia, até o momento das execuções, dentro da Fazenda Santa Lúcia.

(Andressa Zumpano/CPT)

O ato contou com a participação dos acampados da área, movimentos sociais do campo, organizações de direitos humanos do Pará e estudantes da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA).  Tendo como objetivo repercutir o cenário de impunidade que atravessa o caso, promovendo a continuidade da violência contra os trabalhadores sem-terra no Sul do Pará.

Ao final da celebração, foi apresentada uma nota pública assinada por 22 organizações de todo o país, que denuncia “a morosidade da justiça, a falta de respostas e de políticas de segurança pública capazes de garantir proteção às testemunhas, gerando outras perdas inimagináveis aos familiares das vítimas e aos sobreviventes do massacre”.

(Andressa Zumpano/CPT)

A nota também destaca a iminente ameaça de despejo que impacta os agricultores do Acampamento Jane Júlia. “A área está ocupada por 200 famílias de trabalhadores/as rurais que se encontram na mesma situação de outras 132.291 famílias no Brasil, sob o iminente risco de despejo, amparadas unicamente pela decisão do STF na ADPF 828/2021, a qual suspendeu os despejos judiciais em áreas urbanas e rurais até 30 de junho deste ano”.

Segundo dados da CPT Nacional, registraram-se dez massacres no campo nos últimos 5 anos, vitimando 53 pessoas. Em 2017, ano que ocorreu o Massacre de Pau D’Arco, outros quatros episódios de massacres foram registrados. A organização também divulgou, em seu último relatório Conflitos no Campo Brasil 2021, que o número de sem-terras assassinados aumentou 350% de 2020 para 2021.

O 5º Ato em Memória das Vítimas do Massacre de Pau D’arco se encerra hoje, com uma visita aos cemitérios de Redenção e Pau D’Arco, onde estão sepultados os dez trabalhadores rurais vitimados no dia 24 e Fernando dos Santos Araújo, sobrevivente e principal testemunha do massacre, assassinado na noite do dia 26 de janeiro de 2021, dentro de seu lote, na Fazenda Santa Lúcia.

Confira a nota na íntegra:

Massacre de Pau D’arco: 05 anos de impunidade

“Ainda que as pessoas se calem as pedras clamarão por justiça.”

Hoje 24 de maio de 2022, completam-se cinco anos do Massacre de Pau D’arco quando 10 trabalhadores, 09 homens e 01 mulher, sem nenhuma chance de defesa, foram assassinados por policiais civis e militares no interior da Fazenda Santa Lúcia, localizada no município de Pau D’arco, Estado do Pará.  São cinco anos de mais uma mancha de sangue na história deste Estado; cinco anos em que famílias ainda esperam justiça sem nenhuma reposta; cinco anos de lembranças dolorosas para aqueles que sobreviveram aquele dia; cinco anos em que as famílias do Acampamento Jane Júlia convivem com o medo e com a incerteza. São cinco anos de impunidade!

Naquele 24 de maio de 2017, policiais civis e militares se deslocaram até o Acampamento Jane Júlia (que era na época conhecido como Acampamento Nova Vida) para cumprir 14 mandados de prisão preventiva e temporária, porém, não houveram prisões, houveram execuções. Os 9 trabalhadores rurais e a mulher líder da ocupação, foram perseguidos, humilhados, torturados e mortos a sangue frio por agentes de segurança pública do Estado do Pará.

Após as investigações realizadas pela Polícia Federal, o Ministério Público do Estado do Pará ofereceu denúncia contra 17 policiais pela prática dos crimes de homicídio, tortura, associação criminosa e fraude processual. A sentença no processo criminal pronunciou 16 policiais ao Tribunal do Júri, mas o julgamento ainda não tem data para ser realizado, pois aguarda-se análise de uma série de recursos interpostos pelas partes. Os policiais denunciados aguardam julgamento em liberdade, exercendo normalmente suas funções na região. O inquérito que investigava os mandantes do crime foi inconclusivo e arquivado pela Polícia Federal.

A morosidade da justiça, a falta de respostas e de políticas de segurança pública capazes de garantir proteção às testemunhas, geram outras perdas inimagináveis aos familiares das vítimas e aos sobreviventes do massacre.

Fernando dos Santos Araújo, 38 anos, homem gay e camponês, era um desses sobreviventes que por muitas vezes sentiu na pele o quão difícil era lidar com as consequências da violência e com a sensação de impunidade. Vítima de tentativa de assassinato em setembro de 2020, ele foi duas vezes sobrevivente. Poucos meses depois, na noite do dia 26 de janeiro de 2021, Fernando foi morto com um tiro na nuca dentro de sua casa, no Acampamento Jane Júlia. Após 11 meses, as investigações sobre a morte de Fernando foram encerradas, porém, sem todas as respostas esperadas, uma vez que apenas o executor do crime foi identificado. A causa e os mandantes do assassinato não foram identificados pela polícia.

As consequências do massacre também marcaram, e ainda marcam, a história de luta pela terra das famílias que atualmente ocupam a Fazenda Santa Lúcia. A área está ocupada por 200 famílias de trabalhadores/as rurais que se encontram na mesma situação de  outras 132.291 famílias no Brasil, sob o eminente risco de despejo, amparadas unicamente pela decisão do STF na ADPF 828/2021, a qual suspendeu os despejos judiciais em áreas urbanas e rurais até 30 de junho deste ano. A liminar de reintegração de posse sob a área da fazenda Santa Lúcia foi revigorada em junho de 2019, diante da afirmação do INCRA de que não tem recursos para aquisição de áreas para assentamento.

O Massacre de Pau D’arco não foi o único episódio de violência e violação da dignidade humana no Pará. Nas últimas quatro décadas a CPT registrou 29 massacres com 152 vítimas somente neste Estado. Além disso, quando olhamos o cenário nacional os dados revelados pela CPT demonstram que nos últimos 10 anos (2011 a 2021) foram mais de 7 mil conflitos registrados, 100 mil famílias afetadas e 35 assassinatos em conflitos no campo somente no ano de 2021.

Nesta data nos unimos para lembrar que estes dados não são apenas números, e os 10 trabalhadores/as assassinados no dia 24 de maio de 2017 não são as únicas vítimas da violência policial. Nos unimos às vozes dos familiares que ainda sofrem pela perda de seus entes, aos sobreviventes que carregam consigo as dores e lembranças daquele dia sangrento. Nos unimos as 200 famílias da Fazenda Santa Lúcia que através de sua luta diária demonstram que a terra é fonte de vida e não de morte e que lutam pela reforma agrária, e a tantas outras vozes que neste dia clamam pelo fim da impunidade, pelo basta da violência no campo. Nos unimos ao clamor de Fernando e mais uma vez exigimos: Justiça para Pau D’arco!

Jane Júlia de Oliveira, Presente!

 Oseir Rodrigues da Silva, Presente!

Nelson Souza Milhomem, Presente!

Wedson Pereira da Silva, Presente!

Weclebson Pereira Milhomem, Presente!

Bruno Henrique Pereira Gomes, Presente!

Hércules Santos de Oliveira, Presente!

Regivaldo Pereira da Silva, Presente!

Ronaldo Pereira de Souza, Presente!

Antônio Pereira Milhomem, Presente!

Fernando dos Santos Araújo, Presente!

Rosenildo Pereira de Almeida, Presente!

 

Assinam a nota:

  1. Comissão Pastoral da Terra – Regional Pará.
  2. Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA.
  3. Comissão de Direitos Humanos da OAB Subseção Xinguara/PA.
  4. Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH.
  5. Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
  6. Fórum Grita Baixada – Rio de Janeiro.
  7. Justiça Global.
  8. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.
  9. Iniciativa Direito e Memória.
  10. Iniciativa Justiça Racial.
  11. Instituto Direitos Humanos.
  12. Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino.
  13. Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP.
  14. Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Nova Vitória.
  15. Famílias do Acampamento Jane Júlia.
  16. Instituto Zé Cláudio e Maria – IZM.
  17. Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos.
  18. Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH Brasil.
  19. Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares.
  20. Centro dos Direitos Humanos de Nova Iguaçu.
  21. Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
  22. Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
  23. Terra de Direitos.