Eles lembram em carta aberta endereçada a líderes mundiais que afastar-se da agricultura industrial também ajudará a reduzir emissões

Os agricultores familiares produzem até 80% dos alimentos consumidos em regiões como a África Subsaariana, por exemplo (FAO/Luis Tato)

A segurança alimentar e o financiamento climático são algumas das pautas centrais da 27ª Conferência da ONU para o Clima. E esses dois temas são justamente alvo de alerta de mais de 350 milhões de agricultores familiares, que em uma carta aberta aos líderes mundiais alertam sobre a importância da garantia de financiamento para que eles possam enfrentar as mudanças climáticas.

Os agricultores familiares produzem até 80% dos alimentos consumidos em regiões como a Ásia e a África Subsaariana. No entanto, foram contemplados com apenas 1,7% dos fluxos de financiamento climático em 2018 – apenas US$ 10 bilhões em comparação com os estimados US$ 240 bilhões por ano necessários para ajudá-los a se adaptar às mudanças climáticas.

Eles depositam no progresso do financiamento, o sucesso da COP27. Pois afinal, em Glasgow, que sediou a conferência anterior, as nações ricas concordaram em dobrar o financiamento geral para adaptação para US$ 40 bilhões por ano até 2025. Mas os agricultores familiares alertam que é apenas uma fração do que é necessário.

A presidente da Federação de Agricultores da África Oriental, Elizabeth Nsimadala realçou que os  produtores da rede alimentam milhões de pessoas e sustentam centenas de milhares de empregos, mas chegaram a um ponto de ruptura. A federação, que assina a carta também, representa 25 milhões de produtores de alimentos.

“É preciso haver um grande impulso no financiamento climático para garantir que os produtores de pequena escala tenham as informações, os recursos e o treinamento necessários para continuar alimentando o mundo pelas próximas gerações”, diz ela.

Mais de 70 redes e organizações que representam agricultores, pescadores e produtores florestais, entre outros, assinaram a carta, incluindo o Fórum Rural Mundial, que representa 35 milhões de agricultores familiares em cinco continentes; a Alliance for Food Sovereignty in Africa, que representa 200 milhões de pequenos produtores no continente; a Associação de Agricultores Asiáticos para o Desenvolvimento Sustentável, com 13 milhões de membros e a Coordenação de Mulheres Líderes Territoriais da Mesoamérica na América Latina. Organizações nacionais da Jordânia ao Reino Unido e Índia também assinaram.

Insegurança alimentar

A COP27 está ocorrendo em meio a uma crise global de preços de alimentos. Embora ainda não haja uma escassez global de alimentos, secas extremas, inundações e calor prejudicaram as colheitas em todo o mundo e os cientistas alertaram para um risco aumentado de quebras simultâneas de colheitas nos principais celeiros do mundo.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas disse que uma mudança para sistemas alimentares mais diversificados e com poucos insumos é fundamental para manter a segurança alimentar em um clima em mudança.

As organizações, pedem assim que os governos os tornem parte da construção de um sistema alimentar mais forte e sustentável. E justo! A diretora do Fórum Rural Mundial, Laura Lorenzo reclama que a alimentação e a agricultura foram deixadas de lado nas negociações climáticas. E ressalta, assim como as preocupações dos pequenos produtores foram ignoradas.

“Os agricultores familiares de pequena escala precisam de um lugar à mesa e espaço de fala à mesa de decisões para dizer o que nos afeta – desde o acesso seguro à terra e à posse, ao acesso ao financiamento – se quisermos reconstruir nosso sistema alimentar”.

A Cúpula do Clima da ONU (COP27) começa hoje no Egito com 90 chefes de estado reunidos para discutir segurança alimentar e financiamento climático.

Leia a carta na íntegra:

Caros Líderes Mundiais,

O aumento da fome no último ano expôs a fragilidade do sistema alimentar global. É altamente vulnerável a choques – sejam de Covid, conflito ou clima – e mal equipado para um mundo onde calor extremo, seca e inundações são o novo normal, mesmo que limitemos o aquecimento global a 1,5°C. Construir um sistema alimentar que possa alimentar o mundo em um planeta quente deve ser uma prioridade para a COP27.

Qualquer plano de adaptação do nosso sistema alimentar deve começar com pequenos agricultores e produtores familiares. Somos críticos para a segurança alimentar global, produzindo até 80% dos alimentos consumidos em regiões como a Ásia e a África Subsaariana. No entanto, décadas de subinvestimento e um sistema alimentar global injusto administrado por e para agronegócios poderosos significa que muitas vezes não temos infraestrutura, tecnologia, recursos e espaço democrático para lidar com climas cada vez mais extremos e erráticos.

Globalmente, apenas 1,7% do financiamento climático é gasto apoiando os esforços de adaptação dos pequenos produtores. Em um momento de crescente insegurança alimentar, é crucial que os tomadores de decisão da COP27 reconheçam o importante papel que desempenhamos na alimentação do mundo e aumentem significativamente a quantidade de financiamento de adaptação disponível para nós agora e no longo prazo.

A COP27 também deve colocar seu peso em uma mudança para uma produção de alimentos mais sustentável, incluindo práticas agroecológicas. A experiência que acumulamos ao longo de gerações e a conclusão do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas é que a diversidade é fundamental para a segurança alimentar. Cultivar uma variedade maior de culturas locais, misturar culturas, pecuária, silvicultura e pesca, reduzir insumos químicos e construir fortes conexões com os mercados locais cria resiliência.

Além da COP27, os produtores de pequena escala e a mudança para a produção sustentável de alimentos devem ser uma prioridade política. Isso significa nos envolver em decisões que afetam nossos meios de subsistência. Significa reorientar os US$ 611 bilhões gastos anualmente para subsidiar a produção de alimentos, grande parte deles em apoio à agricultura industrial que é prejudicial às pessoas e ao meio ambiente. Significa também abordar as injustiças e desigualdades históricas que assolam nosso sistema alimentar: a concentração da propriedade da terra que está espremendo os agricultores em parcelas cada vez menores de terra ou forçando-os a sair de suas terras completamente, e a discriminação que significa mulheres, que compõem mais de metade de todos os agricultores, possui menos de 20% de todas as terras.

Afastar-se da agricultura industrial também ajudará a reduzir as emissões. O atual sistema alimentar é responsável por 34% dos gases de efeito estufa e está alimentando uma crise que pode tornar quase um terço das terras agrícolas impróprias para a produção de alimentos até o final do século, mas é constantemente ignorado nas negociações climáticas.

Enquanto vocês se reúnem no Egito, nossa mensagem é simples. Aprenda as lições de 2022. Ouça os 350 milhões de pequenos produtores e agricultores familiares em nossas redes. Trabalhe conosco para estabelecer as bases para um sistema alimentar mais forte que alimentará a humanidade por todas as gerações vindouras.