Desde a suspensão de visitas, familiares de detentos sofrem para conseguir notícias do cenário sombrio de dentro das penitenciárias com a propagação do novo coronavírus, que já somam 16 mortes por diversas cadeias do país. Cartas são uma das poucas opções que restam. Sem notícias, mães suplicam por mais informações de seus filhos e filhas.

No Amazonas, mães se desesperam em frente as penitenciárias. Foto: Agenda Nacional pelo Desencarceramento

Texto por Mauro Utida.

O novo coronavírus (covid-19) chegou ao sistema presidiário brasileiro no dia 8 de abril e até o dia 6 de maio já havia infectado 369 detentos, com 274 casos suspeitos e 16 mortes, conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), subordinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. A velocidade em que o covid-19 tem se alastrado pelos presídios do Brasil é assustadora e com grande risco de se tornar uma “tragédia humanitária sem proporções”, conforme alerta do Conselho Nacional de Justiça.

Uma dos procedimentos implantados pelo Depen foi à suspensão das visitas, desde o dia 23 de março, com o fim de “diminuir a transmissão nos sistemas prisionais”. Porém, contando que um dia antes da interrupção das visitas, o número de casos era de 42 confirmados e 194 em investigação, é fato que denúncias de que não há material de limpeza suficiente para limpar as celas e que a manutenção da saúde das pessoas privadas de liberdade não está sendo cumpridas, conforme recomendação do CNJ, editada em 17 de março. Lembrando que a falta de teste depõe contra esses dado, mostrando que podem estar subnotificados. Estima-se que o número de testes realizados no sistema prisional corresponde a menos de 0,1% dos custodiados.

Diante desse eminente genocídio em massa da terceira maior população carcerária do mundo – o Brasil possui hoje 758 mil pessoas em detenção, perdendo apenas para EUA, com 2,1 milhões, e China, com 1,7 milhões – as famílias dos detentos se encontram angustiadas por notícias. Faltam mais de 312 mil vagas no sistema prisional brasileiro. Nas enfermarias também não cabe mais ninguém. Até os funcionários estão adoecendo e perdendo a vida.

“Meu filho está preso em Monguagá-SP, gostaria muito de saber notícias dele, pois tenho medo de não poder me despedir com um abraço por causa dessa pandemia. Estou com lágrimas caindo, me sentindo inútil de não poder ajudar e com saudades”

Declarou uma das centenas de mães que concordaram em conversar com a reportagem através de uma convocação feita por uma conta no Facebook chamada “Amor atrás das grades”.

Por motivo de segurança e com receio de retaliações, as mães entrevistadas preferem não se identificar. Conforme as denúncias podem acontecer perseguições e retaliações se souberem o nome do preso. Com as visitas suspensas, um dos poucos meios de comunicação é através de cartas. Recentemente, a notícia de que presos estavam enviando cartas de amor e despedida às suas parceiras (os), chamou a atenção pelos relatos de abandono dos detentos em tempos de pandemia. Histórias de presídios com falta de água, ambiente insalubre, ausência de banho de sol, além da conhecida aglomeração de pessoas, foram relatadas nessas centenas de cartas.

Familiares dos presidiários aguardam na porta das penitenciárias que estão com as visitas proibidas

Também há o contratempo de quem está dentro do sistema e não sabe as condições de saúde dos parentes. “Muitas cartas não chegam ou demoram de 15 a 20 dias. Também não sabemos se as unidades penitenciárias estão entregando as nossas cartas. A mesma coisa acontece com os jumbos. Queria notícias do meu filho, saber se estão fornecendo álcool em gel e máscaras, porque quando as visitas eram liberadas meus filhos só tinham produtos de higiene pessoal porque eu levava”, diz a mãe de um preso no Centro de Progressão Penitenciária (CPP) de Pacaembu e outro no Centro de Detenção Provisória (CDP) de São José dos Campos.

Distantes, sem informação e com medo, as famílias dos detentos aguardam ansiosamente qualquer notícia. Os relatos não são animadores. Questionário realizado pela Pastoral Carcerária com 1.213 pessoas, entre elas familiares, trabalhadores e ativistas ligados ao sistema carcerário, mostra que 65,9% afirmam que alimentos e produtos de higiene enviados para detentos não estão entrando nas prisões.

A mãe de um detento de 20 anos, que está na penitenciária de Paraguaçu Paulista, informa que recebeu a carta de seu filho no início de abril com mensagens de carinho do Dia das Mães, porém mesmo ele escrevendo que estava bem e que não havia casos de coronavírus no presídio, a mãe não está convencida e continua agoniada. “A última visita aconteceu há 58 dias, isso não é vida. Ele fala que está bem, mas eu sei que não está porque ele tem bronquite. É uma situação angustiante sem saber de sua situação, isso me adoece, ansiedade”, relata a mãe, que mora em Assis com mais três filhos, um deles é especial.

Outra mãe reclama que o Estado deveria informar às famílias a situação de cada pessoa que está presa, por ser responsável por todos eles.

“Estou desnorteada de tanta preocupação. É muito triste porque as autoridades não nos informam o que está acontecendo lá dentro. É muito angustiante ficar sem notícias dos meus filhos. Não consigo dormir direito e quando durmo sonho com eles me chamando”.

Diz a genitora que tem um filho detido no CDP de Capela do Alto-SP e outro na penitenciaria de Taquarituba-SP.

Edson Ferreira faleceu de covid-19 na penitenciária de Andradina-SP.

A preocupação dos familiares dos detentos aumentou quando ficaram sabendo que a família do detento, Edson Ferreira Lima, 53 anos – que faleceu na penitenciária de Andradina-SP por covid-19 – só ficou sabendo do óbito através da página do Facebook “Amor atrás das grades”. A Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do Estado de São Paulo em nota alegou que a informação é improcedente. “A família do preso foi informada de todos os trâmites, inclusive quando sentenciado estava internado em hospital da região em estado grave a família se deslocou para visitá-lo e após o falecimento, providenciou o translado do corpo para o enterro”.

COMUNICAÇÃO RESTRITA

Outro intermédio de obter informações dos detentos nas penitenciárias é através de advogados, isto é, para quem tem condições de remunerar esse tipo de serviço. Para quem não pode pagar um profissional e precisa de apoio jurídico, a situação é complicada por causa das instituições jurídicas que estão funcionando remotamente devido ao isolamento social, como os Fóruns, Defensorias Públicas, Ministérios Públicos e escritórios de advocacia.

As visitas estão canceladas temporariamente até o dia 30 de maio e neste período o advogado de Ribeirão Preto, Gabriel Rodrigues de Souza, tem colaborado com algumas famílias para receber e enviar recados, dos presídios onde atende. “Não são todas penitenciárias que estão liberando os advogados para entrar. Tem lugar que a comunicação com os clientes é por videoconferência. Nos presídios onde é liberada a entrada existem sérias restrições, como o prévio agendamento, a entrada de um advogado por vez e bem como a utilização de máscaras e luvas, além de poder atender apenas dois presos por vez”, explica.

O advogado relata que os presos estão apavorados dentro dos presídios devido ao coronavírus. Durante o atendimento, seus clientes são higienizados e participam da conversa com máscaras, entretanto dentro das celas a aglomeração continua e o distanciamento é impossível.

Sinto que existe o tremor entre eles de contrair a doença e estão desesperados para sair. No momento tento acalmá-los e estou trabalhando para conseguir liberar meus clientes em regime semiaberto, conforme a recomendação do CNJ”, declara.

Gabriel se refere à recomendação do Conselho Nacional de Justiça, editada em 17 de março, de realizar o desencarceramento dos presos que não tenham cometido crimes violentos ou com grave ameaça e que estejam em grupos de risco. O CNJ reforça a importância de preservar a dignidade da pessoa humana e diz que o Estado brasileiro pode ser responsabilizado perante os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, notadamente a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

“O estado de calamidade decorrente da pandemia Covid-19 não outorga salvo conduto ao Estado brasileiro para desrespeitar direitos das pessoas sob sua custódia, submetendo-as a situação ainda mais vulnerável do que as que já se encontram em um sistema reconhecido como inconstitucional”, informa a nota técnica.