Por Miranda Perozini

Falta de apoio psicológico, negligência médica e desassistência são algumas das reclamações de mulheres que enfrentaram o luto pós-parto. A falta de uma política nacional sobre o tema, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) como na rede privada, tem feito com que mães de natimortos ou que tenham tido óbito fetal vivam momentos ainda mais difíceis após os procedimentos médicos. 

É o que relata a jornalista Joanna Alves, que passou por violência psicológica ao descobrir, aos 22 anos, que perdeu o bebê. “Com nove semanas, na primeira ultrassonografia, a técnica que me disse que o meu bebê estava sem batimentos e, já aí, ela foi super insensível. Quando fui ao Hospital Materno Infantil de Brasília, mesmo antes de fazer o procedimento do AMIU, eu já fiquei na sala de espera comum, onde as mulheres que acabaram de ter filhos estavam com eles, amamentando, e crianças choravam”, disse. 

O AMIU é o processo de Aspiração Manual Intrauterina, feito em casos de perda gestacional. “Após o AMIU, eu tive que ficar horas em repouso junto de mulheres que amamentavam. Apenas mais uma mulher estava na mesma situação que eu. Fiquei todo o tempo de costas, virada para a parede, tentando não escutar o choro das crianças”, conta a jornalista. “Foi extremamente traumático, precisou de muitos anos para que eu conseguisse ressignificar minha relação com a maternidade”, acrescenta.

No Brasil, não há nenhuma diretriz nacional e são poucos os hospitais que têm algum documento sobre o tema, o que instiga o debate das autoridades e colabora para a incidência de violência psicológica. 

A psicóloga Heloísa Salgado, pesquisadora do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, e escritora do livro  “Como lidar: luto perinatal”, propôs um protocolo para as maternidades brasileiras, inspirado nas diretrizes existentes nos sistemas de saúde do Reino Unido e Canadá.

Em entrevista ao Jornal O Globo, ela aponta que a assistência adequada pode tanto empurrar a mulher para o fundo do buraco, como pode trazê-la mais próximo da superfície.

“Quando a gente recebe a notícia da perda de um bebê, a gente entra num buraco, às vezes mais fundo, às vezes menos fundo. E a assistência tanto pode te empurrar mais para o fundo do buraco como pode te trazer mais perto da superfície. Durante a minha pesquisa, as mulheres diziam que não sabiam o que tinha sido mais traumático, se a notícia da perda de um filho ou a assistência que elas tinham recebido. Muitas não tiveram poder de decisão nenhum e ficaram ao lado de mulheres que estavam com bebês vivos, escutando o choro”, afirma.

Questão política

A assistência às mulheres em situação de perda gestacional está em debate, ainda que lentamente, na política brasileira. Um projeto de lei de autoria de Alexandre Padilha que tramita desde 2022 e está parado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, onde a União, os estados e municípios devem criar protocolos para os hospitais, incluindo acompanhamento psicológico à gestante e ao pai e quartos separados para mães de bebês natimortos, por exemplo. O PL tem como base a pesquisa de Heloísa, que foi feita em parceria com hospitais de Ribeirão Preto.

Neste ano, um projeto (PL 7/2024) do senador Nelsinho Trad (PSD-MS) quer garantir a humanização na assistência hospitalar a essas mulheres. Pelo projeto de lei, fica estabelecido que em caso de natimorto ou óbito fetal, as unidades de saúde deverão ofertar acompanhamento psicológico à gestante e ao pai desde o momento da internação hospitalar, bem como no período pós-operatório, além de leitos separados para as mães que perderam o bebê.