Conheça LUI, um multiartista que fala de amor, afeto, ancestralidade e respeito, e é o #ArtistaFoda desta semana

Foto: Nlá Omi

Por Junior Santtos

Na primeira edição do ano da seção #ArtistaFODA, chegou a hora de conhecer o artista multifacetado LUI. Ator, produtor cultural, compositor e cantor, ele faz da música a linguagem para expressar suas reflexões. Um baiano, da cidade de Alagoinhas, vem expandir seus sentimentos através da arte e imprimir seus desejos e suas angústias como um legítimo artivista. Traz temas dissidentes nas suas letras e canções, como LGBTQIA+fobia, sorofobia e elementos da religião de matriz africana. Com todo esse mix, leva muito amor e afeto.

E o “Amor” segue no seu DNA. Lançou seu primeiro álbum com 09 faixas “Eu sou o amor – 2021” e um novo single em parceria com cantor mineiro Bemti. “Preciso dizer que te amo / Re-Veja – 2022” releitura da canção de Bebel Gilberto e Cazuza, com sua peculiaridade, traz uma linda poesia em que dialoga sobre as questões afetivas de pessoas que vivem com HIV, quebrando paradigmas e afirmando vidas.

“É foda! Não saber o que fazer e a meta bater
É foda! Ver o filho chorar e a comida não ter
É foda! Ver a menina apanhar e atitude não ter
É foda! No país que mais mata travesti viver
É foda! A cada 02 horas uma mulher vai morrer
É foda! Positivar pro HIV e achar que vai morrer
É foda! É invadirem o Ilê e nada acontecer
É foda! Seu filho brincar e a polícia por nada bater
É foda! Apanhar dos fardados e não poder dizer
É foda! Ver o morro descer quando a chuva começa bater
É foda! Ver tanta gente morrer, e “é só uma gripezinha” o presidente dizer
É foda”  – Trecho da música “É FODA”

Foto: Gabriel Cerqueira

Confira abaixo o bate-papo descontraído na integra concedida para o FODA e Mídia NINJA:

Como surgiu a ideia do álbum Eu Sou Amor? E quais suas inspirações?

Ele surge logo após eu ter feito um espetáculo artístico “Paraíso” com o grupo Coletivo Cênico Baiano, onde teve inspiração no livro “Devassos no paraíso” de João Silvério Trevisan. O álbum é uma parceria com a Candyallmusic, era o momento onde eu estava querendo falar sobre as questões da homoafetividade, sorofobia e da ancestralidade, mas não sabia de que forma poderia chegar no público.  Não é à toa que eu escolhi esse nome para o álbum, porque eu preciso afirmar o amor em primeira pessoa, uma vez que corpos como o meu não são ensinados a amar, a gente precisa dizer que a gente é amor.

Sua música atravessa vários preconceitos sociais. Como você se relaciona com esses temas?

Quando eu penso um pouco na trajetória da nossa sociedade consigo perceber que a partir da virada do século XX a gente começa a ter outros debates, não só debates do ponto de vista social, mas também do ponto de vista de afirmar as vidas. Ao olhar pra o nosso país, a gente enxerga o quanto de pessoas que não têm sua história vista, que não têm sua narrativa visibilizada nas mídias. E quando eu olhava a TV, filmes, ouvia música ou até literatura, eu não me reconhecia, eu como gay não me via naquilo, aí começava achar que eu não podia amar, que não podia construir uma família, porque não nos ensinaram isso.

Eu começo a entender quem sou eu, no sentido de afirmar sem medo de dizer que sou um corpo gay, e isso não pode ser um problema. É nesse período que há uma mudança na nossa sociedade, a democracia se estabelece, os debates começam a acontecer, o racismo muito mais em pauta, a homofobia muito mais pungente. Então quando digo que vou fazer música, me pergunto que musica eu vou fazer!? Acho que já tem muita música sendo feita no abstrato, porém nessa nova geração a gente tem pensado música no sentido de convocar a construção do imaginário que nos coloque lá, muita gente da periferia ganhando espaços, mulheres, corpos trans também se colocando na cena, isso não é à toa. E como artista quero expressar o que eu sou, eu quero contribuir pra nova geração atual e a que estar por vir.

Foto: Diney Araújo

Você tem duas músicas “Preciso dizer que te amo / re-veja” e “Comigo ninguém pode” que abordam o tema sorologia e pessoas que vivem com HIV. Como é falar sobre esses estigmas?

Falar sobre soropositividade é querer descortinar os estigmas, os preconceitos. A gente precisa discutir isso em todos os lugares junto a todas as pessoas a todo tempo, porque quanto mais a gente fala, mais a gente desconstrói, enfrentamos o tabu, sei que as vezes é um choque. Quando eu fiz esse o verso “Ser indetectável é igual a intransmissível” na música “Comigo ninguém pode”  quase iríamos cortar da composição. Mas eu falei que não, vamos fazer a música inteira e essas palavras precisam estar, porque às vezes estamos subestimando o nosso público achando que as pessoas não vão entender o que a gente está dizendo. E ao contrário, eu preciso trazer essas palavras até pra que a gente construa um vocabulário que seja de afirmação. Falar da indetectabilidade para os corpos que vivem com HIV precisa ser recorrente, o que é uma realidade é uma conquista, a gente precisa desconstruir da ideia do HIV como algo negativo. Não é. Já existe tratamento, hoje é muito mais uma doença crônica, é o estigma que mata.

O medo e a vergonha levam à morte, nossa doença não é biológica é social. O vírus que nos atinge, seja quando a gente fala sobre racismo, homofobia, sorofobia, misoginia e de todas essas dissidências é a cisheterobrancopatriarcalidade, a gente precisa olhar pra ele e discutir ele porque nos atravessa e nos afasta e nos priva do prazer de existir. Eu gosto de pensar em como trazer essas reflexões pra minha arte e pro meu palco. Quero construir uma narrativa que as pessoas se provoquem.

Você traz muitos símbolos e arquétipos das ancestralidades de matrizes africanas nos seus shows. Como isso te atravessa?

Eu preciso descortinar o meu olhar para fazer as leituras do mundo a partir da ancestralidade que me faz.

Eu sou um homem de candomblé e não tenho como negar isso. Pelo contrário, eu preciso é afirmar mais. Preciso colocar isso mais exposto, mais à vista. Peço licença sim ao entrar no palco para as pessoas que estiverem ali ou quando vou fazer uma fala, porque é isso que nos afirma, simbolicamente é o que constrói nossa narrativa.

Então o nascimento do álbum “Eu sou amor” nasce quando eu nasço para o orixá. Eu não podia não reverenciar ou não trazer nos toques das canções essa saudação. Seja no ritmo ou nos símbolos. E é isso a ancestralidade vai nos conduzindo.

LUI no show PARAÍSO. Foto: Genilson Coutinho

E não podíamos deixar de falar sobre suas referências musicais, quais são?

Sem duvidas uma delas é o Cazuza, por uma série de coisas, uma delas é ser meu ancestral, pra que eu esteja aqui hoje conversando com você ou no palco, ele existiu. A poética que ele traz nas músicas, o modo de se colocar no palco o modo de cantar, ele é minha referência ímpar.

Já pensando dessa nova geração eu tenho uma paixão profunda pela Liniker, ela é incrível. Fico sem palavras, só agradeço muito a própria ancestralidade a possibilidade de a gente existir no mesmo tempo, pela possibilidade de escutá-la e ver um show dela, isso é muito precioso! Por ser um corpo preto, LGBTQIAP+, não posso nunca desconsiderar isso, uma imensa artista, uma poética genial. E ela canta o amor de uma forma peculiar. Além dos clássicos Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia. Mais sempre em busca de novas referências.

Foto: Gabriel Cerqueira

Para ficar antenado no que o artista está produzindo, siga o perfil no Instagram: @lui.oficial

E assista aqui ao filme-clipe que ele criou com muito amor e afeto: “Preciso dizer que te amo / Reveja”