Novo PL da grilagem de São Paulo, PL 277, deve ser votado hoje (29) em plenária na Alesp; juristas alertam que medida é inconstitucional

Foto: Daniel Beltrá / Greenpeace

Via MST

Após esgotar o tempo de debate sobre a medida na noite de ontem (28), na comissão de  líderes da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), a expectativa é que o Projeto de Lei 277 seja votado ainda hoje (29) a partir das 16h em plenário.

Dessa forma, estamos a poucas horas da possível regularização do “maior repasse de terras públicas desde a lei de terras de 1850.” – denuncia Kelli Mafort, assentada da Reforma Agrária e dirigente nacional do MST em São Paulo.

Com autoria dos deputados Vinicius Camarinha (PSDB), Carla Morando (PSDB), Mauro Bragato (PSDB) e Itamar Borges (PMDB), o Projeto de Lei nº 277/2022 tem como objetivo criar o Programa Estadual de Regularização de Terras, retomando artigos que foram rejeitados na tramitação de outro Projeto de Lei, o PL 410, que ficou conhecido como PL da grilagem.

O texto do PL 277 autoriza o governo estadual, por intermédio da Secretaria da Fazenda do Estado, a implantar a regularização fundiária de terras públicas ocupadas acima de 15 módulos. Na prática, movimentos rurais e a liderança do PT na Alesp denunciam que a medida trata da regularização da grilagem das terras públicas e devolutas do estado de São Paulo.

A oposição contra este Projeto de Lei, protagonizado por líderes do PT na Alesp e movimentos rurais, como o MST, denunciam a inconstitucionalidade da medida, e já preparam um arsenal jurídico em ação, caso o PL 277 seja aprovado.

Regulamentação da grilagem de terras públicas

Kelli Mafort explica que “a primeira lei de terras de 1850 determinava que as terras do Brasil (invadidas pelos europeus) seriam de quem as comprasse. Elitismo total. Quem tinha grana? Nada de reparação ao povo negro em 1888. Nada para indígenas. Nada de reforma agrária.”

“Em 1850 compraram (a preço baixo, diga-se), e vários deles foram só invadindo mesmo e aguardando uma regularização. Para se manterem nas terras, compravam o silêncio do Estado, apresentando documentos falsificados, envelhecidos por excremento de grilo.” – conta a dirigente.

A partir da Lei de Terras de 1850, diversas formas foram desenvolvidas ao longo da história para regulamentar o roubo de terras públicas no Brasil. O próprio termo “grilagem” ficou popularmente conhecido, por meio de uma antiga técnica usada por usurpadores que acumularam terras para sua posse, colocando documentos falsificados em uma caixa com grilos, para que o aspecto envelhecido do documento de posse desse maior credibilidade a sua legalidade.

A dirigente declara que, agora, estamos frente a um novo formato de usurpação de terras públicas, que pode ser regulamentada a partir do aval ao PL 277, que tramita em regime de urgência. “Qual a urgência de repassar 1 milhão de hectares de terras públicas devolutas para fazendeiros enquanto 33,1 milhões passam fome no Brasil, várias delas em SP? É medo de perder o governo do Estado? O PL deve ser aprovado a não ser que haja mais pressão”

PL 277 é inconstitucional

Um parecer jurídico dos Advogados da Liderança do PT também denuncia a inconstitucionalidade da propositura. Desde a alienação dos fins constitucionais da regulamentação de terras para fins da Reforma Agrária, e produção de alimentos, até o vício de competência que tange a proposta, já que a iniciativa legislativa de dispor de bens públicos é privativa do executivo.

“O Art. 188 da Constituição Federal prescreve que a política agrária, as terras públicas e devolutas, deverão ter compatibilizados o seu uso com o Plano Nacional de Reforma Agrária, em outras palavras, as terras públicas devolutas devem ser destinadas prioritariamente para a Reforma Agrária. E a Constituição Estadual, em seu Art. 185, dispõe que a política agrária do estado de São Paulo deverá ser compatibilizada com as diretrizes do Plano Nacional de Reforma Agrária.” – enuncia Nilcio Costa, Advogado Popular do Setor de Direitos Humanos do MST.

Outro ponto que é questionável sobre o PL 277 é do vício de iniciativa, explica Nilcio:

“Há o entendimento de que por se tratar de um Projeto de Lei que trata da alienação das terras públicas e devolutas do estado de São Paulo, a competência para dar o início a um processo legislativo seria do governador, ou seja, do Poder Executivo. E no caso do PL 277 foi proposto por parlamentares, então há esse vício de competência na iniciativa do processo legislativo”.