O mesmo ministro que concedeu prisão domiciliar a Márcia e Queiroz já negou dois pedidos de soltura por riscos de Covid-19. O jovem negro Lucas Trindade, preso por porte de 10g de maconha, teve três recursos negados pelo TJMG e morreu vítima do coronavírus em presídio no interior de Minas Gerais.

Foto: Gláucio Dettmar / CNJ

Por Mauro Utida para Mídia NINJA

Enquanto Fabrício Queiroz e a esposa, Marcia Oliveira de Aguiar, ganharam habeas corpus do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio Noronha, para cumprir a pena em casa, o jovem negro de 28 anos, Lucas Morais da Trindade, preso em flagrante em 2018 por porte de 10 gramas de maconha, teve três recursos negados pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e, no dia 4 de julho, faleceu no presídio de Manhumirim, interior de Minas Gerais, vítima do novo coronavírus.

O caso de Fabrício Queiroz e Lucas Trindade escancara a diferença de tratamento da justiça brasileira para a mesma decisão. O ministro Noronha concedeu o habeas corpus a Queiroz e sua esposa com base na Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) “levando em conta as condições pessoais de saúde de Fabrício Queiroz, que se enquadram naquelas que a Recomendação do CNJ 62/2020 sugere de não recolhimento a presídio em face da situação extraordinária da pandemia”, informa o tribunal em comunicado à imprensa.

Já Lucas Trindade teve os recursos negados e cumpria pena de 5 anos e 4 meses de reclusão no presídio de Manhumirim, onde foram confirmados 159 casos da doença, segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública. O advogado de Lucas, Felipe de Oliveira Peixoto, informou que o recurso do jovem seria julgado pelo TJMG no próximo dia 30. A família estuda processar o Estado pelo ocorrido.

Dois pesos e duas medidas

Conforme recomendação do CNJ, o ministro do STJ, João Otávio Noronha, já negou ao menos dois pedidos de soltura por riscos de Covid-19. Ao conceder prisão domiciliar a Queiroz e sua esposa, Noronha entrou em contradição com suas próprias decisões anteriores. Neste caso, ele utilizou critérios diferentes para julgar casos idênticos, ou seja, houve uma conduta controversa e injusta frente a situações iguais ou parecidas.

A recomendação 62 do CNJ foi editada em 17 de março e renovada, dia 12 de junho, por mais três meses. Nela, há recomendações que magistrados considerem a soltura de presos, substituindo penas, por conta do auto contágio da pandemia. A medida incentiva os juízes a reverem caso a caso a prisão de pessoas inseridas em grupos de risco e em final de pena, que não tenham cometido crimes violentos ou com grave ameaça, como latrocínio, homicídio e estupro.

Queiroz e a esposa, que está foragida há três semanas, estão envolvidos no esquema das rachadinhas no gabinete do filho do presidente, Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), quando ele ainda era deputado. Queiroz é suspeito dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa. 

O ministro que mandou Queiroz para casa e negou o benefício em pelo menos dois casos anteriores, já recebeu elogios do presidente Jair Bolsonaro. “Prezado Noronha, permita-me fazer assim, presidente do STJ. Eu confesso que a primeira vez que o vi foi um amor à primeira vista. Me simpatizei com Vossa Excelência”, disse Bolsonaro em discurso, em abril.  

Sistema penitenciário

Ao longo da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), a Mídia NINJA tem feito uma série de reportagens sobre o sistema carcerário brasileiro. Durante os últimos quatro meses, as reportagens relatam como o novo coronavírus tem atuado como uma bomba relógio dentro dos presídios do país e as dificuldades de aplicar a recomendação do CNJ para evitar aglomerações nas cadeias e respeitar a principal advertência da Organização Mundial da Saúde (OMS), que é o distanciamento social.

A superlotação é o principal problema que preocupa a saúde das pessoas privadas de liberdade e atinge presídios de todos os estados, com a falta de mais de 312 mil vagas no sistema prisional brasileiro.

Até esta sexta-feira, dia 10, foram confirmadas 65 óbitos, com 5.701 casos confirmados e 1.384 suspeitas, conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Com uma população carcerária de um total de 760 mil detentos, o país possui a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos EUA, com 2,1 milhões, e China, com 1,7 milhões. No contexto da subnotificação, o Brasil realizou apenas 22.443 testes (8,3%) nos detentos. 

Conforme levantamento do Conselho Nacional de Justiça, os casos de Covid-19 em presídios saltou de 245 para 2.212 casos, entre maio e junho. Um crescimento de 800% no número de detentos contaminados pelo novo coronavírus nos presídios brasileiros. E entre os servidores que trabalham nos presídios, o crescimento dos casos segue ritmo parecido: subiu de 327 casos para 2.944.