John Shipton: “A opressão de Julian é o grande crime do século XXI”
John Shipton, pai de Julian Assange, fala sobre a sua luta pela liberdade de seu filho
Por Denis Rogatyuk*
John Shipton está à frente da defesa de seu filho, Julian Assange, contra as acusações de perseguição política, falsas acusações de assédio e calúnias movidas por figuras políticas, mídias corporativas e pelo governo dos EUA. Julian Assange ainda está preso na prisão de segurança máxima HMP Belmarsh, em Londres, Reino Unido. Apesar da saúde debilitada, a audiência de extradição para os EUA está agendada para 7 de setembro de 2020. Nesta entrevista, John Shipton divide conosco suas reflexões e sentimentos sobre sua luta para levar Assange para casa, de volta para a Austrália.
A luta para trazer Julian para casa tem sido um desafio monumental desde sua injusta condenação. Mas, com certeza, tem sido muito mais difícil desde a sua expulsão da Embaixada do Equador em março de 2019. Quais foram as primeiras ações que você e a campanha realizaram desde então?
Bem, nós lutamos contra o Reino Unido, a Suécia, os Estados Unidos e até parte da Austrália. Eles lançaram mão de todas as forças e violaram todas as leis de direitos humanos e do processo jurídico a fim de mandar Julian para os EUA e destruí-lo. Diante de nossos olhos, temos assistido o assassinato gradual de Julian por meio de tortura psicológica, da interrupção incessante de procedimentos e devido ao processo. É contra isso que temos lutado.
Durante a última audiência, o juiz Barrett pediu a Julian provas de que ele não estava bem por não ter aparecido no vídeo. Novamente, vemos um processo em que testemunhamos repetidas vezes a vítima sendo culpada.
No caso da Austrália, os australianos dizem que eles ofereceram assistência consular. Quando digo “os australianos”, eu me refiro ao DFAT [Departamento de Negócios Estrangeiros e Comércio], ao Primeiro Ministro e a Ministra de Relações Exteriores, Marise Payne. Eles dizem que ofereceram assistência consular várias vezes. A assistência consular consiste em oferecer o jornal da semana passada e ver se você ainda está vivo. Este é o cenário.
O DFAT diz que eles fizeram cem ofertas. Bem, isto é um testemunho de profundo fracasso.
Agora já são onze anos; Julian está arbitrariamente detido por onze anos.
O Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU declarou que Julian foi arbitrariamente detido e deve ser compensado e liberado imediatamente. O último relatório foi em fevereiro de 2018. Já estamos em 2020, e Julian ainda está na prisão de segurança máxima de Belmarsh, trancado 23 horas por dia.
Como você descreve a relação entre a atual campanha pela liberdade de Julian Assange e a organização Wikileaks?
Wikileaks continua seu trabalho e continua mantendo a biblioteca mais extraordinária sobre a diplomacia dos EUA desde 1970. É um artefato extraordinário em que qualquer jornalista ou historiador ou qualquer um de nós pode procurar pelos nomes daqueles que já estiveram envolvidos na diplomacia dos EUA, em seus próprios países ou com os Estados Unidos. É um recurso incrível que continua sendo mantido.
Exatamente na semana retrasada, o Wikileaks liberou outro conjunto de arquivos. Portanto, WikiLeaks continua seu trabalho.
As pessoas que defendem Julian, isso inclui o Wikileaks, mas também milhares de pessoas em todo o mundo que estão trabalhando constantemente pela liberdade de Julian e para acabar com essa opressão em relação à liberdade da imprensa de publicar, das editoras e dos jornalistas. Nós trabalhamos constantemente para acabar com isso.
Existem cerca de 80 sites no mundo que publicam e lutam pela liberdade de Julian. E cerca de 86 páginas no Facebook dedicadas a Julian e muito mais. O número de apoiadores continua a crescer apesar da Covid. A Covid nos atrasou um pouco, mas agora que a Covid-19 está aumentando mais devagar, o crescimento de apoiadores continua.
E vai continuar até que o governo da Austrália e do Reino Unido reconheçam isto é um crime, a opressão de Julian é o grande crime do século XXI.
A última acusação, que se sobrepõe às anteriores, refere-se à suposta conspiração com hackers ainda não identificados,“Anonymous”, que parece ser uma tentativa de acelerar a extradição de Julian. Você acredita que isso é um sintoma de desespero por parte Departamento de Justiça?
Não, eu não acho. As pessoas que trabalham no Departamento de Justiça recebem seus salários independentemente se obterem sucesso ou não; se Julian for extraditado eles recebem o salário, se não for, recebem do mesmo jeito. Eles ainda voltam para casa, tomam uma taça de vinho, levam as crianças ao cinema e, no dia seguinte, vão para o trabalho e pensam em outro instrumento de tortura para Julian. Este é o trabalho deles.
Eu não sei por que, mas eu posso especular ou tentar adivinhar se quiser. O Departamento de Justiça quer adiar a audiência para depois das eleições dos Estados Unidos. Portanto, terão pedidos de advogados nos tribunais que não tiveram tempo para se ajustar e que vão pedir ao juiz para mudar data da audiência. Isso é o que eu imagino.
Porém não acho absolutamente que é um ato de desespero. Foi dado para nós, que estamos defendendo Julian mais coisas com o que nos preocupar, nossa energia não está focada somente em libertá-lo enquanto a conversa estiver sendo direcionada para esta acusação adicional e sobre quem faz parte dela.
Ziggy e Sabu, ambos não são testemunhas confiáveis. Ziggy é um criminoso sexual condenado, um trapaceiro famosos que roubou 50 mil dólares do Wikileaks, dentre outras coisas. Eles não são testemunhas confiáveis. Eu acho que isto é para atrasar a audiência e, ou para afastar a nossa conversa do que é importante.
Agora, eu gostaria de mudar para a segunda parte da entrevista, explorar a vida de Julian. Muita coisa foi pesquisada e publicada sobre a vida de Julian e seu início de carreira, nos anos 90. Eu gostaria de discutir aspectos da vida dele que lhe deram resiliência e força para suportar os desafios que enfrenta agora.
Julian está incrivelmente comprometido em dizer a verdade em suas entrevistas. Ele é muito articulado e muito cuidadoso em se comunicar e na escolha das palavras exatas para descrever as coisas. Isso é algo que sua família lhe ensinou, ou é algo especial sobre Julian?
Esse é um tipo de talento que eu gostaria de ter. Eu não sei de onde veio. Eu acho que você tem que perguntar aos deuses, talvez eles saibam a resposta.
O caminho que ele trilhou é distinto e marcadamente dele. Eu o admiro e tenho orgulho dele pela capacidade em se adaptar e continuar lutando, apesar dos onze anos de tortura psicológica ininterrupta, que não vem sem um custo. Custa-lhe muito.
Porém, acreditamos que vamos vencer. E o Julian poderá voltar para casa, para a Austrália, e talvez viver em Mullumbimby por um tempo ou em Melbourne. Ele morava numa casa bem ali na esquina.
Eu tenho esperança… Na verdade, eu não gosto da palavra, se eu puder refazer a sentença, eu não gosto da palavra esperança. A esperança faz um bom café da manhã e um péssimo jantar. Nós vamos vencer esta luta e é isso o que eu quero dizer.
Julian demonstrou incrível resiliência física e mental nos últimos 11 anos, especialmente nesses quase 8 anos em que passou na embaixada do Equador e, no ano passado, na prisão de Belmarsh. De onde você acha que essa força vem? De suas convicções morais e políticas, ou é algo que ele desenvolveu quando jovem, na Austrália?
Eu acho que é um dom que ele tem. Você sabe que ele continuará lutando pelo que ele acredita e, se houver elementos de verdade pelo que ele está lutando, ele nunca vai se render. É uma coisa do caráter dele.
Eu não me importo em lutar. Mas eu estou revigorado por lutar por Julian e, cada insulto ou ofensa contra Julian aumenta minha determinação em vencer e a determinação dos apoiadores de Julian em vencer. Cada insulto aumenta a nossa força.
E é algo que você pode ver quando saiu o segundo lote de acusações, na semana retrasada, seus apoiadores ao redor do mundo levantaram suas vozes incrédulos, e começaram novamente a aumentar a conscientização sobre a situação de Julian.
Então, isso é realmente interessante. O Departamento de Justiça talvez ache que uma coisa como essa pode nos dividir, mas o que acontece de verdade é que a crescente de apoiadores continua constante.
John, eu gostaria de te fazer uma pergunta pessoal. Como é ser pai de um homem como Julian e ver seu filho passar por todas essas dificuldades e calúnias, e continuar viajando e lutando pela libertação dele em todo o mundo?
É difícil acreditar no que as pessoas dizem sobre ele. Aqueles políticos americanos estão o atacando, e os funcionários da UC Global na Espanha, que supostamente deveriam cuidar da segurança da embaixada do Equador, eram os mesmos que especulavam sobre como envenenar Julian a mando da CIA, Mossad ou Sheldon Adelson, ou qualquer coisa que você queira chamar esse bando de vermes.
Eu fico surpreso, mas os ignoro. Por mim, não dou a mínima atenção. Eu fico surpreso com o fato das pessoas colocarem sua energia em chamar Julian por nomes sem nunca sequer terem se encontrado com ele. Nunca nem o viram na frente. Algumas pessoas encontram tempo e energia para escrever coisas difamatórias.
Eu acho que talvez essas pessoas não tenham com quem sair. Eles não tenham amigos em casa ou algo do tipo, ou as esposas não os suportam, então vão para o quintal com seus notebooks para difamar Julian ou o cachorro do vizinho.
Eu fico realmente surpreso que pessoas coloquem energia nesse tipo de coisa.
Como você se sente mantendo esta campanha pela libertação dele? Porque você tem viajado muito ao redor do mundo; você tem defendido a liberação dele aonde quer que vá. Como tem sido essa jornada para você pessoalmente?
Eu não me importo com os custos nem por um minuto sequer. Eu faço o que eu estou aqui para fazer com você, eu faço o que tem que ser feito antes e a seguir eu vou para a próxima coisa, mas eu nunca, nunca mesmo conto os custos.
E para a última parte da nossa entrevista, eu gostaria de discutir o que você está pensando e suas opiniões sobre questões importantes e proeminentes dos nossos dias.
Desde o início das audiências de extradição, o governo dos Estados Unidos, particularmente Trump, Mike Pence e Mike Pompeo, dobraram seus ataques contra Julian e o Wikileaks. Pompeo chegou a chamar de “um serviço de inteligência hostil, não estatal, frequentemente encorajado por atores estatais como a Rússia”.
O establishment dos EUA parece ser o mais convicto contra ambos [Julian e Wikileaks], e os dois principais partidos estão agindo juntos. Qual estratégia você acha que deveria ser a dos ativistas e jornalistas nos EUA para desafiar isso?
Bem, primeiramente Mike Pompeo é um Secretário de Estado fracassado, é um diretor da CIA fracassado, que declarou guerra ao Wikileaks com o objetivo de conseguir o apoio da CIA para suas futuras ambições de se candidatar à presidência. E agora ele vai deixar de ser Secretário do Estado para tentar concorrer ao senado em Kansas.
Secretário de Estado é uma posição importante, porém Mike Pompeo não me parece uma personalidade histórica significativa.
O establishment dos EUA tem que estar alinhado com o que a CIA quer e pensa. Pompeo naquele discurso do dia 23 de abril de 2017, este que você acabou de citar, quer o apoio de todos os seus funcionários em sua candidatura à presidência.
E também oprimir e intimidar os jornalistas do mundo todo – e as editoras e as publicações. O único objetivo dele é arruinar a capacidade de vocês de levar ao público ideias e informações, e nossa capacidade, como parte do público, de conversarmos entre nós e por meio do diálogo uns com os outros resolver o que devemos fazer e como devemos levar a nossa vida.
Eles querem tudo do jeito deles, declarar guerra a quem quer que seja, assassinar mais de um milhão de pessoas, destruir o Iêmen, destruir a Líbia, destruir o Iraque, destruir o Afeganistão, destruir a Síria, e a lista continua. Milhões de refugiados, inundando o mundo e indo para a Europa; o Magrebe está o caos, o Levante está o caos, palestinos assassinados – este é o objetivo deles.
Nós dependemos de vocês para nos trazer informações verdadeiras, para que possamos ter opiniões justas sobre como o mundo está se movendo ao nosso redor.
O que Pompeu quer é que a sua visão de mundo seja a aceitada. Você ver uma olhada na história dele. Eles dizem que desde 1991 talvez mais de cinco milhões de pessoas morreram como resultado da guerra ilegal no Iraque dos EUA e seus aliados.
Você pode assistir ao Collateral Murder e você verá um homem bom arrastando um outro ferido para seu carro para levá-lo ao hospital, levando seus filhos a caminho da escola, assassinados diante dos seus olhos. Os pilotos do helicóptero implorando por instruções para que pudessem atirar num homem ferido, nas duas crianças e nos dois homens bons.
Eles não querem que vejamos isso. Os pilotos do helicóptero implorando por instruções dos controladores. Eles não querem que vejamos isso. Nós dependemos de vocês, jornalistas, editoras e publicações para mostrar para nós os crimes cometidos pelo governo, para que possamos nos sentir energizados e impedir esses assassinatos. Com toda determinação e energia, nós podemos nos unir para impedir mortes e a destruição de um país inteiro.
Eu queria lembrar que em Melbourne houve uma marcha com milhares de pessoas contra a Guerra do Iraque. E, no mundo todo, eu acho que foi cerca de 10 milhões de pessoas. Nós não queremos guerra. Eles mentem para nós para criar guerras por qualquer satisfação. Não consigo entender quem gosta de ver e ouvir o lamento das viúvas, os choros das crianças, os gemidos dos homens.
Quem quer isso? É monstruoso.
Nós precisamos da informação, para dizer não.
A nova Guerra Fria entre os EUA e a União Europeia, de um lado, e China e Rússia, de outro, ameaça colocar pessoas comuns em outro confronto por causa das elites políticas e econômicas desses países.
A partir da sua experiência em busca de apoio internacional para Julian, quais são os melhores modos de criar solidariedade através das fronteiras, neste novo conflito que supomos estar se desenvolvendo?
Eu acho que a melhor maneira é conversar com seus amigos e discutir coisas. Reunir amigos e discutir, ficar a par do que está acontecendo fora do que os grandes meios de comunicação de massa quer que a gente veja e ouça.
Então, apenas conversas cara a cara e daí conversas usando mídias sociais são suficientes para que você veja que nas últimas duas semanas o Facebook, o YouTube e o Twitter estão removendo – como plataformas de discussão – certos assuntos e determinados canais do YouTube. Eles os removem porque estamos tendo sucesso, não porque ninguém os assiste ou não os acessa. Isso acontece porque estamos tendo sucesso em nos educar sobre o que os governos fazem em nosso nome para trazer paz ou relações justas entre os membros da União Europeia e Austrália e China e Rússia e; as pessoas comuns.
A Copa do Mundo de Sochi foi um grande sucesso, um sucesso fabuloso. Todo mundo que foi até lá voltou cheio de admiração pela Rússia e pela hospitalidade russa. Bem, é isso que é necessário, pessoas comuns se conheçam e discutam assuntos importantes, não dependendo que a CNN ou qualquer outra pessoa diga como você deve se sentir sobre esse ou aquele assunto. Apenas conversem com amigos, conversem com grupos de pessoas, conversem entre si, troquem ideias, troquem de modo a obter boas informações e as coisas vão mudar.
Tenho uma crença eterna na capacidade e bondade da humanidade em geral, e cada vez me é provado que estou certo, porque dez milhões de pessoas marcharam contra a Guerra do Iraque, enquanto algumas centenas manipularam as nações explodindo estações de trem, o que eles chamam de terrorismo. Só algumas centenas manipularam as nações para destruir o Iraque.
As pessoas comuns não querem guerra. Queremos poder conversar com nossos amigos e cuidar de nossas famílias, isso é tudo.
Uma última questão, John: A pandemia da Covid-19 não revelou apenas uma inadequação na ordem econômica neoliberal, mas também sua crescente instabilidade e seu desespero para se manter, e isto vale também para governos de direita.
Os Estados Unidos, o Brasil e a Bolívia buscam silenciar jornalistas e seus relatórios sobre a má administração da pandemia. Estamos vendo jornalistas independentes sob ataque em todo o mundo por meio de censura, intimidação ou assassinato.
Na sua opinião, qual deve ser a melhor maneira de lutar contra eles?
Esses governos não conseguem nem cuidar de seu próprio povo e muito menos comandar o mundo de maneira decente. Suas ambições são comandar o mundo, mas não conseguem nem cuidar das pessoas de Seattle.
Seria cômico, se não fosse trágico. Você leria sobre o assunto só para rir, todas as manhãs.
É claro que eles oprimem jornalistas, claro que oprimem publicações, é claro que as garantias que permitem a transmissão em determinado tipo de conteúdo são removidas, plataformas são removidas, porque continuamos a entender e expor suas falhas.
As falhas são criminais. Eles realmente consideram a frase “imunidade de rebanho” como algo científico. Eles realmente consideram permitir que centenas de milhares de idosos morram. E eles usam frases como “bem, eles tinham comorbidades”. Todo mundo acima de 60 anos tem uma comorbidade. Você não vai envelhecendo e ficando mais saudável. Você envelhece e fica um pouco doente. Um pouco menos forte.
A ideia é de acabar com uma parte da sociedade que a regula. Os idosos acalmam os jovens, os jovens estão cheios de vigor e os velhos cheios de cautela. Este é um equilíbrio justo na sociedade. Permitir que eles morram, por qualquer motivo que não possamos discernir, que nós não podemos discernir… Não custa mais dinheiro cuidar de uma parte da sociedade por causa da Covid. Você não perde nada, na verdade, obtém acesso à experiência e julgamento das camadas mais velhas da sociedade.
É incompreensível. Como o próprio neoliberalismo, ninguém entende muito bem o porque disso, mas está lá.
John, muito obrigado pelo seu tempo e seu esforço. Desejamos o melhor para você.
Denis é jornalista, escritor e pesquisador freelance russo- australiano. Seus artigos, entrevistas e análises têm sido publicados em variadas mídias de diferentes países dentre elas Jacobin, Le Vent Se Léve, Sputnik, Green Left Weekly, The Gray Zone, Links International Journal e Alborada.
Assista a entrevista no youtube da Mídia NINJA