Em sua segunda edição, os Jogos indígenas do Baixo Tapajós (Jibat)  celebram a vida e a união dos povos, de olho no futuro político do país

Foto: Leonardo Milano

Por: Leonardo Milano / Comunicação / CITA

“Para nós, o Jibat é fundamental para mostrarmos nossa existência e nossa resistência aqui no baixo tapajós. Hoje, a nossa expectativa é de que mude esse cenário, de que mude esse governo genocida.” (Auricélia Arapium, coordenadora executiva do Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns / CITA)

Concebido em 2015 , inicialmente como jogos estudantis do ensino Médio, o Jibat se transformou em um instrumento de união e de retomada da cultura dos povos indígenas do Baixo Tapajós, no município de Santarém, Oeste do Pará. É também uma frente de resistência em uma região que tem histórico de negação da identidade indígena, embora a presença indígena na região seja permanente, por meio de traços físicos, ou através de aspectos culturais como a pesca, a caça, a coleta de açaí e o artesanato, entre outros.

Diariamente, dezenas de caminhões carregados de toras de madeira cruzam a TI Maró. Foto: Leonardo Milano

Negação do direito de ser indígena

No final de 2014, o juiz Airton Portela negou a demarcação da Terra Indígena (TI) Maró, alegando que o estudo que baseou a criação da TI foi uma “catequese etnogênica”, afirmando que os indígenas borari e arapium que vivem na região não são indígenas de verdade. O autor do estudo foi o frei e antropólogo indígena Florencio Vaz, professor na Universidade Federal do Oeste do Pará.  No começo de 2016 a sentença do juiz Portela foi anulada após uma ação do Ministério Público Federal.

Ornamento de abertura da segunda etapa do Jibat 2022, na aldeia Arapiuns. Foto: Leonardo Milano / CITA

É nesse contexto que surge o Jibat, que em 2022 chega à sua segunda edição. Previsto para acontecer de dois em dois anos, com três etapas por ano de realização, o Jibat precisou fazer uma pausa maior do que o previsto. Inicialmente, pela falta de estrutura e de recursos, e depois pela chegada da pandemia Covid-19.

Em 2022, com mais apoio e estrutura, a etapa mais recente, realizada entre os dias 08 e 09 de outubro,  foi na aldeia Arapiuns, situada entre os rios Arapiuns e Tapajós. Cerca de 300 indígenas, de 13 etnias diferentes, competiram em diversas modalidades. Os classificados nesta etapa irão disputar a próxima etapa, a ser realizada na Aldeia Alter do Chão – entre os dias 04 e 06 de novembro -, conhecido destino turístico do Pará.

Jovens comunicadores indígenas que integram o departamento de comunicação do Cita estiveram a equipe oficial de cobertura do Jibat. Foto: Leonardo Milano / CITA

A final do Jibat será disputada na cidade de Santarém, estrategicamente escolhida para receber o evento organizado pelo CITA. Os povos do Baixo Tapajós querem mostrar à sociedade santarenha que “os povos originários existem e resistem, e que são essenciais para o futuro da humanidade”. 

“…a  gente quer mostrar para eles, através dos jogos indígenas, que os povos indígenas existem, que estamos vivos, que a gente tem muita cultura, muito conhecimento a oferecer para o mundo” (Auricélia Arapiuns)

De fato, no Baixo Tapajós, os indígenas vêm se organizando fortemente para mostrar ao mundo que é possível viver com qualidade e gerar renda mantendo a floresta em pé, através da agricultura familiar e de iniciativas como da cacica Raquel Tupinambá, doutoranda em biologia. Raquel desenvolve em sua aldeia um importante projeto de geração de produtos sustentáveis, utilizando insumos de seu “quintal”. É essa Amazônia possível que o Jibat quer mostrar para o mundo. 

“No primeiro Jibat a gente teve uma dificuldade muito grande para divulgar os jogos. Isso mudou muito agora na segunda edição. A equipe de comunicação do CITA conta com telefones celulares, por meio dos quais eles conseguem estar presentes nas redes sociais” (Poró Borari, educador indígena).

Poró é da TI Maró. Foto: Leonardo Milano / CITA

Eleições 2022

“No contexto atual, o Jibat é histórico. Nós sobrevivemos a uma pandemia, apesar desse governo genocida, dessa política de morte, desse presidente que incentiva a violência contra nossos corpos e nossos territórios. Sobrevivemos usando nossos conhecimentos ancestrais.”(Auricélia Arapium)

É preciso celebrar a vida, afirma Auricélia. Foram muitos ataques durante este governo que não demarcou terras indígenas, como prometido, e “passou a boiada” sobre a legislação ambiental e sobre os órgãos de fiscalização e controle, como Ibama e Icmbio. Foi também um período de desmantelamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), que passou a ser chamada de “Fundação Anti-indígena”. Como consequência, tivemos um aumento expressivo de assassinatos de indígenas, indigenistas e ambientalistas, e de invasão desses territórios por garimpeiros, madeireiros e pelo crime organizado. Casos emblemáticos são os crescentes casos de violência na TI Yanomami (RR) e os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philip no Amazonas.

Auricélia (à esquerda), em fala de encerramento do Jibat na Aldeia Arapiu. Foto: Leonardo Milano / CITA

As eleições deste ano são um momento crucial para a luta dos povos indígenas, mas ela não se inicia nem acaba em 2022. Um histórico secular de violência e apagamento cultural, que mesmo com os governos Lula e Dilma se mantiveram, porque o racismo em nossa sociedade é estrutural. No entanto, com o atual governo, há deliberado e explícito incentivo do poder público à violência contra indígenas e seus territórios. É sob essa perspectiva, de voltar, ao menos, a ter um governo disposto ao diálogo e que não defenda o extermínio indígena, que o movimento indígena declara apoio à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. Mas não há ilusão. “A gente sabe que a luta continuará sendo muito forte, mesmo que Lula se eleja. E se ele não se eleger, vamos continuar fazendo o que sempre fizemos: lutando!”, diz Poró Borari, coordenador de educação modular indígena do município de Santarém. 

Poró diz que a intenção é que o Jibat entre no calendário municipal, como atividade cultural e esportiva de Santarém. Para isso, é fundamental que Bolsonaro saia do poder, conclui o educador. 

“Com o governo atual, a gente está morrendo. A gente espera que mude o governo para que a gente consiga ao menos respirar” completa Patrese Borari, professor de educação física indígena e um dos idealizadores do Jibat. 

Confira galeria de fotos dos jogos