Intervenção artística e de denúncia contra a falta de um restaurante universitário é reprimida e professora travesti notificada

Intervenção na UFSB é reprimida. Foto: Divulgação

Por Mauro Utida

A professora universitária Dodi Leal, a primeira travesti a se efetivar no ensino de arte superior público do mundo, está sendo acusada de “má-conduta” e “depredação do patrimônio” na UFSB (Universidade Federal do Sul da Bahia) após ter participado de uma ação de pixação no Campus Sosígenes Costa para denunciar que estudantes estão passando fome porque a UFSB não conta com restaurante universitário, também conhecido como bandejão.

O Comitê Gestor do Campus, que fica em Porto Seguro, recebeu a denúncia anônima e a universidade está apurando o caso. A professora diz que a atividade de pixação faz parte do Plano de Ensino de Artes da universidade, que também inclui lambe, grafite e outras artes urbanas. Ela informa que outra professora de artes também efetuou a mesma atividade no Campus, porém apenas ela foi denunciada.

“Fiquei triste porque a pixação faz parte do curso como intervenção artística em espaços não convencionais e foi uma atividade contra a fome. Para uma universidade anticolonial é incompatível reprimir a pixação”, declara.

A UFSB foi a última universidade pública criada no governo de Dilma Rousseff (PT) e após o golpe em 2016 que a destituiu da Presidência, a instituição sofre com cortes seguidos no orçamento desde o governo de Michel Temer (MDB) e, principalmente, com Jair Bolsonaro (PL). “Não temos direitos básicos na universidade, como um restaurante universitário. Alunos passam mais de 7h sem comer por causa disso e isso afeta e muito a evasão dos universitários”, denuncia a professora.

Nota de apoio

Dodi Leal é a primeira professora travesti concursada da UFSB. Foto: Divulgação/Thais Gobbo

Desde que a professora travesti recebeu a notificação, no último dia 6, estudantes de diversos cursos da UFSB divulgaram nota de repúdio contra a notificação e pedem que a acusação contra a professora seja retirada e que o processo por má conduta e depredação do patrimônio seja interrompido imediatamente.

Para os discentes da UFSB, a ação de pixação contra paredes brancas do Campus está sendo utilizada para enquadrar e atacar pessoalmente a liberdade pedagógica da professora, “uma tentativa de silenciamento grave”, declaram.

“O ocorrido é uma manifestação legítima de uma problemática urgente, que está sendo ignorada por pessoas em cargos decisivos da universidade, enquanto a professora que se posiciona ativamente na luta pela permanência estudantil está sendo pressionada estruturalmente. Qual o intuito em condenar uma única pessoa e não se posicionar de fato em resposta às graves demandas da universidade?”, questionam os estudantes.

“Nenhuma parede branca considerada patrimônio público vale mais que um estudante bem alimentado/a. Não vamos nos calar! Pelo fim do descaso, violência e fome!”, declara a nota assinada por cerca de 75 discentes.

Para a Coordenação Colegiada do NuCuS (Núcleo de Pesquisa e Extensão em Culturas, Gêneros e Sexualidades) da UFBA (Universidade Federal da Bahia) a denúncia contra Dodi é uma perseguição contra quem efetuou uma ação artística de reivindicação de direitos, nesse caso, o direito à alimentação. Segundo a nota do Núcleo de Pesquisa em Cultura e Sexualidade “não há educação de barriga vazia!”.

“A perseguição política que tem atravessado o ofício da professora possui, evidentemente, um caráter transfóbico, visto que a atuação aguerrida da professora – primeira travesti concursada desta universidade – em pautas de defesa dos direitos humanos constantemente colocam-na como um corpo indesejado na hierarquia normativa da universidade”, informa a Coordenação Colegiada do NuCuS da UFBA.

“O NuCuS é solidário a professora Dodi Leal e aos estudantes engajados na prática libertária de respeito aos direitos humanos”, completa.

A professora de artes, doutora em Psicologia Social, também ganhou o apoio dos discentes de mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), na qual ela é professora colaboradora do Programa.

“Sabemos da integridade de Dodi, de sua potência enquanto professora, pensadora, pesquisadora e artista. Dodi sempre esteve ao lado dos alunos e não se cala perante absurdos institucionais cometidos contra discentes”, informa a nota dos estudantes da UDESC.

Nota da UFSB

Informamos que a Comissão de Ética dos Servidores (CEt) da UFSB se pauta pela natureza educativa e conciliatória na gestão da ética na instituição, como preconiza a Rede de Ética no Serviço Público Federal, à qual ela se vincula. Nesse sentido, cabe à CEt apurar os casos que demandem avaliação da conduta ética de servidores da sua esfera de alçada.

As manifestações recebidas e os atos da estão submetidos à chancela do reservado e seguem os ritos democráticos do contraditório e da ampla defesa.

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