Movimento indígena brasileiro, por exemplo, tem recorrido a instâncias internacionais

Painel debateu a contribuição indígena no combate à crise climática (Mídia Ninja)

 

Paloma Dottori, da cobertura colaborativa NINJA na COP27

Em painel que debateu o poder da contribuição indígena e comunitária no combate à crise climática, o coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá falou sobre a importância da consulta prévia para garantia dos direitos indígenas e sobre a frente de atuação da APIB tanto no amplo jurídico nacional, quanto nas instâncias internacionais.

“A conjuntura brasileira atual, foi se firmando de forma violenta: com terras sendo usurpadas, crianças sendo mortas pelo garimpo, o agronegócio avançando sobre nossas terras diariamente. A partir disso, montamos uma estratégia de conversar com outras esferas”. Ele explica que o movimento indígena se amparou pela Convenção nº 169 da OIT e a declaração dos direitos povos indígenas.

“E dialogamos com a revisão periódica universal e, a partir dai levamos para o conhecimento do mundo o que vem sendo promovido em termos de relação a violação de direitos humanos e em termos de violação dos direitos ambientais. Também ingressamos com uma ação no tribunal penal internacional  denunciando o governo brasileiro por crimes de ecocídio e genocídio, além de crime contra a humanidade. O desmonte da política ambiental favorece os altos índices de desmatamento e já sentimos os impactos diretamente, e que logo irão afetar a humanidade”.

Ao relatar a situação atual do Brasil, explicou que desde que Bolsonaro esteve em campanha em 2018, avisou que não demarcaria terras indígenas. E assim, com sua eleição, houve vários retrocessos de retirada de direito indígena e desmonte da política indigenista e ambiental que estabeleceu um dos maiores cenário de violência já vividos pelos povos indígenas.

Segundo Dinamam, sucessivas tentativas de flexibilização dos direitos ambientais e indígenas, se dão com a colaboração do congresso nacional  – que possui uma grande bancada que tramita projetos de leis e PLs-  principalmente o Pl 191 — proposta que regulamenta mineração em terras indígena e o PL 490 — que visa flexibilizar alterações nas regras de demarcação de terras indígenas.

Além da tese do Marco Temporal — como ficou conhecida a ação do Supremo Tribunal Federal (STF) que pretende discorrer sobre a reivindicação de posse de terras dos povos indígenas. Tal ação estabelece, no que lhe concerne, que apenas teriam direitos sobre as terras aqueles que já as ocupassem no marco do dia 5 de outubro de 1988 – dia da promulgação da nossa mais recente Constituição Federal. Esta ação tenta apagar o cenário violento promovido pela colonização e tirando o histórico de violência promovida pelo próprio governo por esbulho possessório.

No enfrentamento dessas ameaças, está a Apib, que passou a apostar em um processo de acompanhamento de litigância estratégica, inclusive, promovendo ação na Suprema Corte, a qual reconheceu a legitimidade dos povos indígenas e organização social como legítima.

Dinamam Tuxá participou de debate na COP27 (Mídia Ninja)

“Além de ingressar no Tribunal Penal Internacional temos feitos causas cautelares, e isto garante o alcance nos cenários internacionais. Por exemplo, foram feitos denúncias do povo Yanomami, que tiveram ataque nas suas comunidades e duas crianças foram tragadas pelo garimpo. Estamos constantemente denunciando as ocorrências. E, estamos sendo ameaçados por poderes paralelos, poderes que tentam usurpar os direitos indígenas e que estão de forma ilegal no territórios implantando violência”, lamenta.

Ele defende que o governo brasileiro deve ser responsabilizado pelas omissões e pelo desmonte ambiental. Sem atenção do Estado, os povos indígenas vem atuando com o próprio punho. “Nós que estamos fazendo o papel do Estado e sofremos as consequências disso, através da criminalização do nosso povo”.

Ele realçou no debate que os povos indígenas, além de proteger as florestas, tentam proteger o planeta, por consequência. “Então para finalizar: estamos fazendo com que os países não fiquem só sabendo que está acontecendo no Brasil mais que criem mecanismo  de proteção dos territórios ambientais que estão sendo destruídos pelo agronegócios, exportação ilegal de madeira e exportação ilegal de ouro”.

Dessa forma, a plenária teve como um de seus focos, o direito legítimo à terra para os povos tradicionais e povos originários. Além de Dinamam, representando o Brasil, outros palestrantes falaram de suas experiências: Yessie Mosby (Ilhas Torres Strait/ Austrália), Joan Carling (Filipinas) e Saye Thompson (Libéria).

Luta contra a criminalização

Joan Carling luta contra a criminalização indígena nas Filipinas (Unep)

Joan Carling, ativista indígena das Filipinas que também participou do painel, relatou a atuação no combate à violação de direitos e também, contra a criminalização dos povos indígenas. Na plenária, chamou a atenção para o ponto como o não reconhecimento das origens do território dos povos originários, no qual os povos estão sendo criminalizados quando estão protegendo suas terras.

Sem a proteção dos direitos humanos a solução real para as mudanças climáticas não será alcançada, na realidade Joan acredita que os povos originários estão se tornando vítimas das chamadas soluções sustentáveis. E ressalta que as empresas com projetos de energia renovável, como: usinas geotérmicas, hidrelétricas, energias nucleares, moinhos de vento e energias solares são as mais novas envolvidas em conflitos com as comunidades.

Além de destacar que os minerais de transição exigidos para serem gerados para carros elétricos na medida que se expandirem, as empresas vão buscar apropriações fraudulentas de terras se não houver garantia das terras. Esta sustentabilidade é o preço necessário para adquirirem terras para lucrar, aparentemente às custas dos direitos constitucionais de comunidades tradicionais. Ela dá exemplos de projetos de energia renovável que estão sendo impostos nas terras das comunidades sem o consentimento.

E diz “A justiça não é um jogo fácil. Quem controla os recursos, e quem controla a política do país ditam o que é certo.” Mas enfatiza que os povos tradicionais têm a proteção do direito internacional,” E, estamos usando isso como uma forma legítima de luta pelo nosso território. Mesmo que os direitos não sejam reconhecidos no nível do país, podemos ir para cortes internacionais”. Ela dá o exemplo de dois casos de vitória indígenas: Do moinho de vento na Noruega, onde foi planejado no território do povo Sami no sub Milan – e no qual as renas foram afetadas. O povo Sami, arquivaram o caso no Supremo Tribunal de Justiça e o tribunal invocou a convenção sobre direitos econômicos e sociais culturais como base para a decisão, acatando o litígio.

Ela chama a atenção pelo fato de estarem na linha de frente protegendo o território e sentindo as pressões das mudanças climáticas e, que é preciso agir agora,  fornecendo soluções reais. “Precisamos que aqueles que estão no centro  da decisão política decidam qual solução e quais ações são necessárias”.

Luta por reconhecimento dos territórios

Segundo as Nações Unidas existem cerca de 476 milhões de indígenas em todo o mundo espalhados por mais de 90 países. Eles pertencem a mais de 5.000 povos indígenas diferentes e falam mais de 4.000 idiomas. Além de representarem cerca de 6% da população mundial. Os povos indígenas protegem 80% da biodiversidade mundial e administram cerca de 20% da terra e dos recursos naturais, apoiando até 2,5 bilhões de pessoas com alimentos, água, lenha e outros itens essenciais para a vida.

Apesar da implementação de acordos e tratados internacionais –principalmente a Convenção nº 169 da OIT – Povos Indígenas e Tribais, os direitos à terra das comunidades estão sendo prejudicados. Globalmente, as leis reconhecem apenas 10% das terras como pertencentes a comunidades, com outros 8% designados para planejar seu modo de vida, restaurar e proteger a terra, animais e árvores. Menos de 80% legítimos de terra é registrado e titulado às comunidades. Na África, América Latina e Ásia, muitos países não reconhecem terras comunitárias nem protegem adequadamente os sistemas de posse consuetudinária transmitidos por gerações.

Existem tantas evidência— desde o IPPC, IPPS, IPBES e muitas outras fontes, que as comunidades indígenas e tradicionais são os melhores guardiões da terra que administram e ajudam a retardar as Mudanças Climáticas e Acelerar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Entretanto, cada vez mais estratégias por litigância, buscando a suprema corte nacional ou internacional  estão sendo feitas por indígenas.

Um dos desafios mais significativos para os povos indígenas é em relação ao domínio tênue das comunidades por suas terras, territórios e recursos e a tentativa de usurpação de governos, empresas e instituições. Estes, cada vez mais, competem pelas fronteiras agrícolas, à medida que a demanda global por alimentos, combustíveis, minerais e produtos de madeira aumenta.

Apesar de a maioria dos países ter assinado em 2012 o documento das Diretrizes Voluntárias sobre a Governança Responsável da Posse da Terra, Pescas e Florestas  visando contribuir para alcançar meios de subsistência sustentáveis, estabilidade social, segurança habitacional, desenvolvimento rural, proteção ambiental e desenvolvimento social e econômico sustentável. Não enxergamos as ações sendo acometidas pelos Estados nacionais em relação à governança acordada pela grande maioria dos governos. Neste painel temos uma verdadeira aula da necessidade do respeito à consulta livre prévia informada para garantia dos direitos indígenas.