Imaginar mundos: conheça Aretha Sadick
Da Baixada Fluminense, a entrevistada desta semana para a seção #ArtistaFOdA possui uma trajetória que transita por diversas linguagens artísticas.
Por Marcelo Mucida / @planetafoda*
Da Baixada Fluminense, a entrevistada desta semana para a seção #ArtistaFOdA possui uma trajetória que transita por diversas linguagens artísticas.
Com força e, ao mesmo tempo, leveza, Aretha Sadick consegue compartilhar importantes entendimentos através da concepção dos seus trabalhos, que por muitas vezes se conectam diretamente com as suas experiências de vida.
Para a Mídia NINJA / FOdA, ela falou sobre a sua carreira, desde o momento em que passou a desenhar na infância, e a sua formação em teatro.
Atualmente, a artista desenvolve um trabalho de contação de histórias, que para ela é uma forma de manter a imaginação sempre viva, e possui projetos em outras áreas também.
Confira a seguir a conversa na íntegra para saber mais sobre as suas criações.
Como se deu o seu encontro com a arte e como passou a desenvolver criações artísticas?
O meu encontro com as artes se deu na infância, por meio do desenho. Durante muito tempo da minha infância, eu desenhei. Eu não era uma criança muito sociável, por conta de vários atravessamentos racistas da época e daí, então, eu desenhava muito. Foi o meu primeiro universo criativo construído.
Na adolescência, eu fui para o teatro experimentar. Me indicaram isso, para que eu deixasse de ser uma pessoa tímida. Aparentemente tímida, porque depois eu entendi que eu nunca fui exatamente tímida. Mas o teatro me possibilitou descobrir sobre mim, sobre o meu corpo, descobrir que eu tinha um corpo, que eu tinha uma voz e que eu podia brincar com ela, que eu podia experimentar com o meu corpo posições diferentes, alturas diferentes, que eu tinha um pé e que esse pé tinha sentimentos…
Acho que foi algo que me ajudou muito a ver o mundo e, de alguma forma, a querer descrevê-lo por meio do meu corpo. É meio que uma colagem, eu acho. Do desenho, do mundo que eu via e então transcrevia no papel, e que depois eu vim transcrever no meu corpo.
Qual é o significado que a arte tem na sua vida atualmente?
Hoje e há muitos anos, na verdade, a arte é a minha tábua de salvação, em todos os aspectos. De saúde, de cura – principalmente de cura -, conectada à minha espiritualidade, que eu tenho pesquisado cada vez mais.
A arte para mim nesse momento é tudo, é o que me ajuda a vislumbrar, a criar movimento, a criar atravessamento, tensão. Os meus trabalhos artísticos têm se movido cada vez mais conectados à cura, à abundância e à prosperidade, que são coisas que foram retiradas de nós, pessoas negras e pessoas trans, principalmente. Então, esse é o meu trabalho. A arte para mim, é sobre isso. Tem esse papel.
E que linguagens artísticas você tem explorado neste momento?
Eu sempre fui uma artista da performance, muito por conta do teatro. Ou seja, o meu corpo sempre foi a plataforma principal de trabalho e continua sendo. Eu voltei a pesquisar a contação de histórias, que para mim é algo em que eu me divirto muito, não é um trabalho. Com o resgate da palavra, de outras palavras, de outras histórias, conhecer o mundo de outras perspectivas, de viajar, de imaginar… Então eu tenho pesquisado isso e voltei ao trabalho de produção de fotografia. Nesse momento, eu estou focada nessas vertentes, além do trabalho como atriz, que eu voltei a fazer em 2019 e desde então eu tenho realizado alguns projetos também, nesse sentido.
Vi, através do seu perfil no Instagram, que você tem desenvolvido esse trabalho de contação de histórias e gostaria que você falasse um pouco mais sobre isso.
Para mim, é um lugar de manter sempre viva a imaginação. Eu sempre fui muito imaginativa, muito megalomaníaca nos meus pensamentos e o tempo, o mundo, a vida, o desamor, a falta de coragem, as pisadas na cabeça que a gente leva, vão nos deixando muito duras, e isso vai travando as capacidades de imaginar, e eu não quero perder nunca a capacidade de imaginar.
Tenho imaginado diferente. Antes eu imaginava como uma sonhadora e hoje eu imagino como uma mulher, como ser humano. A minha imaginação é mais pautada na realidade e nas ações que eu preciso fazer, no que depende de mim e de um maior conhecimento de mundo, que eu tenho hoje. Então, as histórias me permitem ir a lugares em que eu não estive, imaginar outras possibilidades de mundo, onde não há regras, onde eu não tenha que ser tão dura, dura comigo mesma, dura na maneira de fazer.
Existem projetos / ações que você gostaria de divulgar na matéria? Podem ser coisas que aconteceram recentemente ou que ainda serão lançadas.
Têm dois trabalhos em especial que estão para sair do forno. Tem um podcast, que é uma parceria entre mim, a Raquel Virgínia (das Baías) e a Pod360, e o lançamento de um trabalho artístico autoral de fotografia e vídeo. Há muito tempo eu não fazia um trabalho completamente autoral e este se chama “Pedra Cantada” e fala sobre um lançar de feitiços decoloniais, para ir contra os processos capitalistas.
Desde 2017, eu não lanço um trabalho completamente autoral, então esse projeto marca a minha volta ao circuito de artes e ele foi feito com esse objetivo. É uma obra de arte carranca, um trabalho de fotografia e vídeo que se propõe a falar sobre morte, cura e renascimento, como um desejo, como vontade. É um projeto que propõe, através dessas imagens, trazer um movimento de cura, um caminho de abundância.
Você nasceu no Rio? Queria que comentasse um pouco sobre a sua trajetória.
Eu nasci em Duque de Caxias, sou da Baixada Fluminense, e a minha trajetória começa num mundo bem imaginativo, bem normativo, onde as possibilidades eram muito poucas, onde a minha mãe sempre foi uma grande referência para mim e eu não sabia disso. Eu levei um tempo até entender o quão importante ela era e é para mim.
Em Duque de Caxias, eu me batizei como testemunha de Jeová, e depois, nesse mesmo lugar, eu fui desassociada.
No Rio, eu conheci o teatro, eu descobri a bebedeira, a noite, a festa, a vida… Eu fiz grandes amigos e iniciei uma trajetória artística, até que eu fui trazida para São Paulo por conta do trabalho que eu desenvolvi como arte-educadora em instituição.
Existem questões / reflexões que você busca trazer com o seu trabalho? Se sim, pode contar um pouco sobre isso?
Existem inúmeras! Essa pergunta é um oceano porque cada vez menos eu tenho me pressionado a entregar resultados, no que diz respeito aos meus trabalhos artísticos autorais. Eu tenho me permitido viver o processo. O processo de cura é longo e se conectar com o processo de prosperidade e abundância, com essas forças e energias, requer tempo também, no nosso caso.
Têm muitas coisas que eu conecto ao meu trabalho, mas as coisas mais importantes para mim hoje em dia são a promoção de abundância e prosperidade, de várias maneiras. Cura, acalanto, calma, pausa… São palavras que permeiam muito as minhas vontades e que se reverberam nas minhas produções. Eu fiquei um pouco mais calma, um pouco mais serena, mais equilibrada, mais centrada, menos oba-oba. Coisas que o tempo, o autoconhecimento e a espiritualidade nos dão. E aí, eu quero falar sobre isso. Eu não quero ser mais obrigada a causar sempre e deixar, principalmente, a branquitude extasiada porque viram algo que é extramundo, porque é isso que eles querem ver de nós.
Então, o meu convite com o meu trabalho hoje em dia é que a gente possa ocupar esse lugar da calma, da pausa, do silêncio.
Para acessar mais informações sobre os trabalhos desenvolvidos por Aretha, siga o seu perfil no Instagram: @arethasadick.
E clique aqui para conferir as outras entrevistas que já foram realizadas para a seção semanal #ArtistaFOdA.
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