E a previsão é ainda pior para 2023: “Redução dos valores previstos para prevenção e controle é criminosa”, afirma

Especialista em Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo é ex-presidente do Ibama (Guto Martins/Divulgação)

 

Como o Ibama e o ICMBio não revelam quantos brigadistas estão em campo e tampouco quantos foram os contratados para ações de mitigação dos impactos da “temporada do fogo”, já desde os meses de abril e maio, fica difícil traçar um diagnóstico preciso sobre a efetividade das ações desempenhadas para prevenção, fiscalização, controle e combate a incêndios. E se de fato houve planejamento.

Mas em meio a um cenário desolador, de crescentes focos de incêndio e de área queimada na Amazônia, até 5 de setembro o Ibama tinha liquidado, ou seja, utilizado apenas 37% do orçamento que tinha empenhado (reservado) para prevenção e controle de incêndios florestais neste ano. O recurso também é usado para aluguel de carros e aeronaves.

Orçamento também prevê contratação de aeronaves, grande reforço no combate (Vinicius Mendonça/Ibama)

Então, o que se tem, pelo menos, são claros indicativos de inabilidade (ou desdém) do Ministério do Meio Ambiente, na gestão de recursos. Diariamente são divulgados números recordes de queimadas, em período proibitivo. Ao mesmo tempo, a fumaça dos incêndios na Amazônia chegou a cidades do Sudeste, Centro-Oeste e Sul, além de países vizinhos. Não há como esconder a incompetência na execução das políticas públicas para o meio ambiente. Inclui-se aí falta de fiscalização e punição de infratores.

Foi o pior agosto dos últimos 11 anos para a Amazônia. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados 33.116 focos na Amazônia no mês passado, aumento de 18% em relação a agosto de 2021 (28.060). É o maior número para o mês desde 2010. Se considerado o período de janeiro a agosto, a alta é de 16,8%: 46.022 focos, ante 39.424 nos mesmos meses de 2021.Apenas nos cinco primeiros dias de setembro já foram detectados 14.839 focos de queimadas, número próximo do que foi registrado em todo o mês de setembro de 2021 (16.742).

Ainda segundo o Inpe, em relação à área queimada, de janeiro a julho (último dado disponível) houve aumento de 41% em relação ao mesmo período do ano passado: 11.779 km² foram destruídos pelo fogo, contra 8.333 km² nos sete meses de 2021.

Em conversa com a Casa Ninja Amazônia/Mídia Ninja, a especialista em Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, analisou as tabelas de execução orçamentária para este ano. Chamou sua atenção – Suely é ex-presidente do Ibama – que os recursos utilizados estavam muito abaixo do necessário para uma época tão crítica do ano.

“Nessa época, auge do fogo, está me parecendo muito pouco. Parece que há algo errado. Provavelmente deve estar faltando brigadista em campo”.

A reportagem buscou então informações sobre a contratação de brigadistas e aluguel de equipamentos, que deveriam ter sido realizados com estes recursos. Pode ser que as contratações de brigadistas tenham sido abaixo da margem esperada na fase de prevenção e que o governo tenha deixado para fazê-las agora, em cima da hora.

Brigadistas do Ibama são direcionados para terras indígenas e assentamentos do Incra (Vinicius Mendonça/Ibama)

Questionamos o Ibama e ICMBio, via assessoria de comunicação, quanto havia sido destinado para prevenção e combate do fogo, além de quanto havia sido utilizado até o momento. Também questionamos quantos brigadistas haviam sido contratados desde os primeiros meses de preparação para a temporada e quantos estavam em campo.

O ICMBio não respondeu e a assessoria do Ibama informou que “até o dia 6 de setembro, foi empenhado 83% do orçamento total para prevenção e combate aos incêndios florestais no país. Vale destacar que empenho é o compromisso de pagamento utilizado na administração pública e a liquidação somente ocorre conforme os contratos e serviços são executados/finalizados”.

PrevFogo, do Ibama, trabalha com manejo integrado do fogo como forma de prevenção (Vinicius Mendonça/Ibama)

Levando em conta sua experiência à frente do órgão, Suely calcula que deveriam estar em campo uma média de ao menos 1.400 brigadistas. E que ao menos 700 deveriam ter sido contratados nos meses de abril e maio, para prevenção. Ela disse que a maior parte do fogo ocorre agora, mas que em casos como o estado de Roraima, costuma ser perto de dezembro. Mas sem a transparência do Ministério do Meio Ambiente, não há como precisar se o governo está operando a contento.

E quanto ao próximo ano, pelo visto, o próximo presidente vai ter que apelar ao Congresso Nacional para suplementar o valor empenhado (reservado). É que enquanto no ano de 2022 o valor foi de R$ 52,75 milhões, 2023 teve drástica redução. O governo de Jair Bolsonaro empenhou apenas R$ 38 milhões.

“A execução lenta dos valores autorizados neste ano evidencia a falta de atenção com a prevenção. O Ibama deveria ter atuado com força antes da época da seca para evitar o que está ocorrendo na Amazônia. A redução dos valores previstos para prevenção e controle em 2023 é criminosa. O Congresso Nacional tem o dever de ajustar isso no trâmite da proposta orçamentária”, afirma Suely.

Ela explica que há três fases no processo administrativo para reservar o dinheiro. Na primeira, o governo empenha (reserva); Quando chega o orçamento, o financeiro destina o recurso, que no caso, é muito usado para pagar brigadistas. E então, o Ibama custeia o pagamento, prioritariamente, para brigadistas que vão atuar em terras indígenas e assentamentos do Incra. Assim, liquida (executa). É o serviço feito.

Já o ICMBio, destina para proteção das unidades de conservação, áreas federais protegidas. Há casos em que o Ibama também tem que ajudar o ICMBio. Quando se trata de áreas tocadas pelos estados, então são os governos estaduais que ficam responsáveis pela prevenção e controle dos incêndios. E muitas vezes, precisam também de recursos do governo.

Se o governo não utiliza o valor reservado, pode colocar em “restos a pagar” para usar no ano seguinte. E tem até dois anos para usar. “Se estão tentando guardar dinheiro para o próximo ano, isso é muito ruim. Porque esse dinheiro deveria ter sido usado para o ano que foi programado”. Os efeitos da “economia” já estamos vendo.

Manejo integrado do fogo

Suely Araújo destaca que o trabalho de prevenção, dentro da tecnologia de manejo integrado do fogo, é muito importante.

“Tem que ir antes, fazer aceiro, conversar com a comunidade. Não é só chegar e apagar fogo. Com essas ações você consegue reduzir tamanho da área queimada”.

Brigadistas trabalham na primeira fase da prevenção, fazendo os aceiros (Vinicius Mendonça/Ibama)

Pois no caso dos aceiros, quando chega o fogo, ele não passa da linha delimitada. A política de manejo integrado prioriza a prevenção. Por isso, deve haver planejamento. O Projeto de Lei n° 1818, de 2022, que institui a Política Nacional do Manejo Integrado do Fogo, tramita no Senado. No dia 30 de junho chegou à Comissão de Agricultura e Reforma Agrária e aguarda designação da relatoria. Sugerida pelo Prevfogo, do Ibama, sua aprovação institucionalizaria a necessidade da prevenção. “Uma lei importante que deveria ser aprovada logo”, ressalta Suely.

O Brasil tem leis protetivas, mas que não são cumpridas. Piora o cenário a falta de fiscalização e a marginalização dos profissionais do Ibama. Pesa ainda a falta de dinheiro para operações e a falta de pessoal. “A tecnologia eles têm, mas no governo Bolsonaro foram totalmente deslegitimados”, avalia.

“A narrativa do presidente desde a campanha eleitoral de 2018 é um elemento importante de explosão de desmatamento, garimpos irregulares, todos os ilícitos ambientais. Não me sinto liderada por ele, mas ele tem influência em algumas pessoas”, diz Suely.

E ela destaca alguns discursos altamente prejudiciais. “Quando ele faz isso, dá uma espécie de autorização. ‘Pode fazer garimpo irregular, sou a favor’; Pode desmatar, porque ambientalistas se metem onde não deveriam ou que o Ibama é uma indústria de multa. Ele também disse que não gosta do ICMBio. ‘Eu odeio o Instituto Chico Mendes’, disse ele. São manifestações péssimas para a efetivação da política ambiental”.

“Chefe da destruição”

Para ela, o chefe da destruição da política ambiental é o próprio presidente da república. “

É o principal responsável. E não há chance para política ambiental se ele não for trocado. Para funcionar, precisaria ter um orçamento muito maior, precisaria de mais gente. O Ibama já teve mais de 5 mil servidores e hoje tem 2.500. Já foram 1.400 fiscais, hoje não são nem 600”.

Suely destaca a necessidade de se realizar um concurso para analistas ambientais, de nível superior. “Os técnicos podem ajudar, mas não adianta fazer concurso para técnico, se não tem os analistas que vão orientá-los e hoje há uma carência muito grande de analistas de nível superior”. Concursos que preveem contratação na totalidade, de técnicos de nível médio não resolvem a situação. “No primeiro curso com condições melhores, eles mudam. Então, não é o perfil necessário hoje, concurso com muito analista ambiental”.

Na entrevista, afirma que o Brasil tem chances de se recuperar e retomar o protagonismo internacional, revertendo o desmonte da política ambiental. Contanto que Bolsonaro não seja reeleito. A rede que Suely integra, o Observatório do Clima apresentou recentemente um documento assinado pelas 78 organizações não-governamentais que o compõem, para o próximo presidente. O “Brasil 2045 – Construindo uma Política Ambiental” foi organizado por ela. Araújo foi consultora legislativa da Câmara dos Deputados de 1991 a 2020 e presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) de 2016 a 2018, durante o governo Michel Temer (MDB).

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