Foto: arquivo pessoal

Greve desta quarta-feira, dia 1º, deve mobilizar milhares de entregadores, entre motoboys e bike delivery, em diversos estados do país, como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Distrito Federal. Na cidade de São Paulo, os entregadores vão ocupar a Avenida Paulista, com concentração no Masp, a partir das 9h

Por Mauro Utida para Mídia NINJA

O mês de julho vai começar com uma paralisação nacional dos entregadores de aplicativos, que reivindicam direitos trabalhistas e de saúde, além de denunciar as condições insalubres pela qual a categoria está exposta com o novo coronavírus (Covid-19). “Ao invés de pedir comida, peça melhores condições para os entregadores”. Com esta frase a categoria também convoca os usuários para ficarem um dia sem utilizar os aplicativos de delivery.

No momento da pandemia – em que os aplicativos se tornaram um serviço essencial para a população – os entregadores estão se dando conta do quanto correm riscos e não são remunerados da maneira adequada. “Todo mundo está em casa se isolando em quarentena, mas nós ficamos nas ruas o dia inteiro, na batalha para garantir as entregas de delivery, colocando a nossa saúde e de nossas famílias em risco. Estamos trabalhando largados à nossa própria sorte e sem nenhuma medida de prevenção e proteção das empresas de aplicativos que fazemos as entregas, como Rappi, iFood, Loggi, Uber Eats, 99Food e James”, informa o motoboy Paulo Lima – o Galo, uma das principais lideranças do movimento – e que criou um abaixo-assinado para que as empresas forneçam medidas de proteção aos entregadores durante a pandemia. Para assinar acesse o link.

A categoria informa que os apps nunca lucraram tanto como agora na pandemia. Um levantamento feito pela Rede, empresa de pagamentos do Itaú, mostra que as compras de delivery pagas no cartão cresceram 59% em abril, comparada com o mesmo período do ano anterior. Apenas o Ifood, dobrou o volume de pedidos, entre 2018 e 2019, chegando a marca de 20 milhões no ano passado, segundo pesquisa do Instituto de Foodservice Brasil (IFB).

Na contramão do aumento dos lucros das empresas, os acidentes de motociclistas não param de subir também. Mesmo com as medidas de isolamento social e a consequente diminuição no trânsito de veículos na cidade de São Paulo, o número de acidentes de motos cresceu expressivamente desde o início da quarentena. De acordo com o Infosiga SP, em comparação a março de 2019, houve um aumento superior a 90% na ocorrência de acidentes. O número de vítimas fatais também aumentou em relação ao ano anterior. Enquanto em março de 2019 foram 21 mortes, no mês em 2020 foram 39.

Para a categoria, o aumento do número de acidentes e mortes está relacionado ao aumento deste tipo de serviço. Com uma lógica de aumentar o número de corridas, os aplicativos forçam os entregadores a estarem conectados constantemente e a disposição todos os dias, caso contrário o serviço é rebaixado e o app não envia corridas.

“Os apps estão exaurindo e aumentando os riscos do entregador, que precisam trabalhar mais e de forma mais produtiva. As empresas de aplicativos se isentam e se esquivam de toda responsabilidade se escondendo atrás de um posicionamento que os coloca apenas como empresas de tecnologia.”

Os apps implementaram uma dinâmica em que o usuário passa a querer receber mais rápido e barato o pedido, desconsiderando que o motoboy pode sofrer imprevistos.

“Quando pegamos a corrida temos que fazer a entrega no tempo estipulado para o cliente não ficar furioso. Isso é um perigo, pois muitas das vezes, na pressa de chegar até o destino, o motoqueiro acaba se envolvendo em acidente. Isso se agrava ainda mais, pois existem meninos novos fazendo entregas e que ainda não têm a habilidade para pilotar”, denuncia o motoboy Mineiro.

Entre as pautas reivindicadas pelos entregadores está o aumento do valor das corridas, implementação de uma taxa mínima de entrega, fim dos bloqueios, seguro contra roubo, acidente e vida, o fim do sistema de pontuação e um tipo de assistência na pandemia. Atualmente, um entregador que pedala até 50 km por dia recebe uma média de um salário mínimo, R$ 1.045, por mês. Ele é responsável pelos próprios equipamentos de segurança e refeição. Caso não cumpra com as condições dos apps é bloqueado e perde o ganha-pão sem aviso.

Transparência

O algoritmo que é responsável pelo cálculo de remuneração dos serviços prestados pelos entregadores de app não é totalmente transparente, informa a categoria. Os termos de uso ou contratos são mudados de forma unilateral, como qualquer outro aplicativo de celular. “Assinamos um contrato que fala em R$ 1,50 por quilômetro rodado, por exemplo. Mas, quando você vai fazer a conta, há corridas em que ganhamos menos de R$ 1 por quilômetro. A gente não é consultado quando essa taxa cai ou quando eles mudam o cálculo.”

Conforme explica a diretora do Sindicato das Empresas de Distribuição de Entregas Rápidas do Estado de São Paulo (Sedersp), Herika Mascarenhas, as empresas de aplicativos praticam um preço 50% menor do que as empresas formais porque as empresas de aplicativo não cumprem toda a estrutura de trabalho prevista na legislação – o piso salarial, seguro de vida, aposentadoria, auxílio em caso de acidente, 13º, férias, cesta básica, equipamentos de segurança, vale-refeição, refeitório, adicional de periculosidade.

Segundo o Instituto de Foodservice Brasil, o delivery aumentou 23% no país entre 2017 e 2018. E dados da Receita Federal obtidos pelo Sebrae mostram que, em 2019, havia mais de 200 mil MEIs (microempreendedores individuais) trabalhando no “fornecimento de alimentos preparados preponderantemente para consumo domiciliar”, atividade econômica focada em delivery. Crescimento de 122% em cinco anos.

Bloqueado

Um dos profissionais com voz ativa na categoria é o motoboy Mineiro, que participa na organização do movimento e vem publicando vídeos nas redes sociais convocando colegas para a paralisação. Apesar do apelido, Mineiro atua em São Paulo e denuncia uma política de perseguição das empresas de apps aos entregadores que criticam o “modus operandi” dos aplicativos ou participam de manifestações.

“Fui excluído do Rappi e do Ifood no mesmo dia. E não adianta ligar ou ir na sede da empresa. Eles não querem ouvir a gente. Se você bota a cara pra bater, ou vai em uma manifestação, os aplicativos te bloqueiam. Se você reclamar muito no site, também te bloqueiam. Não querem que a gente tenha voz“, afirma.

Apoie a causa

Os entregadores estão convocando os usuários a ficarem o dia sem utilizar os aplicativos de delivery. Um tuitaço está marcado para o dia e para apoiar a causa pelas redes sociais, use as hashtags #BrequeDosApps #ApoioBrequeDosApps #1DiaSemApp.

A motogirl Manu Preta espera que a paralisação também conscientize a população sobre a importância do entregador de aplicativo. Em desabafo nas suas redes sociais, Manu criticou a falta de respeito e incompreensão dos usuários de aplicativos que querem receber seus pedidos “na hora”. “Eu queria estar em casa, me protegendo, protegendo os outros. Estudando, com tempo para colocar meus projetos pessoais em pauta, mas preciso estar na rua para pagar minhas contas. Não estou vendo minha mãe porque estou prezando pela saúde dela. Minha saúde mental está uma merda. Queria estar junto e abraçando as pessoas que amo”, lamenta.