Desde a ocupação, as famílias Sem Terra já têm produzido alimentos sem a utilização de agrotóxicos e contribuído na manutenção das Áreas de Conservação Permanente do território

Famílias resistem à ameaça de despejo na Bahia. Fotos: Coletivo de Comunicação do MST-BA

Por Felipe Viana e Antonia Cunha, Coletivo de Comunicação do MST-BA
Da Página do MST

Cerca de 35 famílias do acampamento Ana Primavesi, no município de Conceição do Almeida/BA, estão em iminência de serem despejadas de suas casas com uso de violência policial. Prevista para a próxima segunda-feira (16), a reintegração de posse é a medida final de uma série de ameaças de despejo e intimidações às famílias acampadas, que vem acontecendo desde a ocupação da área em maio de 2021.

Num espaço de cerca de 170 hectares, o território estava sob administração da extinta Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrário (EBDA) e, posteriormente, pela secretaria de Administração do Estado da Bahia. O estado fez concessão de uso para o município de Conceição do Almeida/BA, com o objetivo de estudar a viabilidade da implementação de um polo industrial. No entanto, a área encontrava-se abandonada há mais de 10 anos pelo poder público municipal, e servindo para descarte de entulho e lixo do município.

A ocupação da área pelas famílias de trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra representa a terceira ocupação nos últimos anos. Moradores da cidade e áreas adjacentes já haviam ocupado o local duas vezes antes da concessão de uso para o município. Mesmo assim, a prefeitura, com auxílio da polícia militar, despejou ilegalmente essas famílias, com relatos de agressões físicas e prisões ilegais.

Desde a ocupação, as famílias Sem Terra já têm produzido alimentos sem a utilização de agrotóxicos e contribuído na manutenção das Áreas de Conservação Permanente do território. Joseane, 36 anos, mãe de dois filhos e moradora mais antiga do acampamento Ana Primavesi, considera o acampamento como fundamental para a subsistência de sua família e da comunidade de trabalhadores Sem Terra:

“[…] Temos um barraco de lona. A gente planta e cria alguns animais. O acampamento pra mim e pras famílias que moram ali é fundamental, porque é de onde tiramos nosso sustento, é onde moramos, é nosso lar. Criamos galinhas que produzem ovos e servem pra alimentação, junto com as hortaliças que plantamos e também vendemos. Então, pra nós é nossa vida que tá ali, nosso habitat natural. Sofia, minha filha, chegou novinha no acampamento e ela se adaptou de uma forma linda, ela ama a natureza, ama poder correr e viver aqui.”

O dirigente estadual do MST, Paulo César, afirma que a área que está sob perigo de reintegração é extensa, e poderia ser dividida para garantir a permanência das famílias. A concessão de uso, a propósito, foi realizada pela prefeitura quando os acampados já estavam no território, aponta o dirigente. “Houve uma audiência de conciliação em que a prefeitura ofereceu cesta básica e auxílio moradia para a gente, mas não aceitamos. A cesta básica comeu, acabou, e a moradia passando um período de 6 meses o auxílio cessa e as pessoas não vão ter onde morar”, afirma Paulo César.

Seu Francisco, de 49 anos, destaca a potência produtiva que já vem acontecendo no acampamento: “A terra é muito importante para mim e para todas as famílias que estão acampadas; fomos ali para plantar, colher, sustentar nossas famílias e precisamos dela para sobreviver. Tem pessoas que criam animais ali, já construímos famílias ali dentro, moradia. Estamos também produzindo para levar para a feira na cidade e acho isso muito importante. Mostrando que o povo do campo trabalha e alimenta a cidade”, alerta.

Resistir na terra para essas famílias significa a conquista de dignidade, uma vez que muitas delas representavam as 33 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza no Brasil. Embora a decisão do juiz da comarca de Conceição do Almeida/BA vise a aquisição de cestas básicas e aluguel social por parte da prefeitura, até o momento o município não cumpriu com tal decisão.

A fala de Seu Franscisco representa o sentimento dos mais de 100 trabalhadores e trabalhadoras rurais do acampamento Ana Primavesi em relação às negociações. “Nós não queremos um ano de aluguel e cesta básica, a gente quer viver da terra, plantar e morar […] em quase dois anos ali dentro vivendo debaixo de perseguição, não é fácil não – precisando de algo pra comer e indo produzir pro nosso sustento. Quero dizer pra minhas netas “ó, seu avô tem um pedacinho de terra, vem aqui buscar um feijãozinho, uma abóbora”. Isso que é bonito, eu fico feliz quando eu levo da terra pra cidade”, explica Seu Francisco.

Segundo o advogado que acompanha as famílias “considerando a alta produção das famílias na área, e o descumprimento da decisão do município em não cadastrar as famílias nos programas sociais de garantia de cesta básica e aluguel social, despejar os acampados acarretaria em prejuízos imensuráveis e violação de direitos humanos. Seria uma decisão acertada do juiz da comarca de Conceição do Almeida ou do Tribunal de Justiça da Bahia a suspensão da liminar de reintegração de posse”, explica.

Tanto o advogado das famílias quanto o dirigente Estadual do MST acreditam que o caminho para a resolução deste conflito se dará por vias políticas, uma vez que a urgência é de não permitir que os direitos das famílias sejam violados. Para tanto, o governo do estado da Bahia precisa dialogar com o município e com o Movimento Sem Terra a fim de buscar uma solução, pois considerando o tamanho da propriedade é possível que as famílias se mantenham ali sem comprometer a viabilidade de outros projetos.

Com fala emocionada, Joseane também acredita que através de resoluções políticas elas e as outras famílias possam continuar na terra: “É muita tristeza esse despejo; com toda dificuldade que é hoje plantar, arranjar sementes… o que tínhamos a gente gastou na terra. E quando chegou essa ameaça a gente entrou em pânico porque ficamos sem saber o que fazer, se a gente ia conseguir colher nossa produção. Eu acredito que o governo, que tem prioridade da terra, tem que se sensibilizar com as famílias carentes que moram ali, que precisam, e que inclusive acreditaram nele [no atual governo] votando [nas eleições]”, se emociona.