Campanha caluniosa contra vereadora acontece um ano após parlamentar ter denunciado deputado bolsonarista na Comissão de Ética por defender assédio sexual a mulheres.

Vereadora Giovana Mondardo no exercício do seu mandato.

Construída como tática eleitoral para destruir reputações de adversários e popularizar narrativas equivocadas e perigosas, como o negacionismo à ciência nas medidas de proteção a Covid-19, a máquina de fake news bolsonarista avançou da Capital Federal aos pequenos municípios, subvertendo a democracia e colocando em risco a vida e a economia no Brasil. O necessário combate ao complexo mecanismo de divulgação de calúnias e inverdades precisa ir além da CPI das Fake News e de medidas corporativas como a da plataforma YouTube, que excluiu a página bolsonarista “Terça Livre” essa semana.

Ao mesmo tempo em que ministros do Supremo e instituições são atacadas, lideranças comunitárias, profissionais liberais e políticos sofrem investidas caluniosas no interior do País. No sul catarinense, o caso mais recente é o da vereadora Giovana Mondardo (PCdoB), jovem de 28 anos, cirurgiã dentista, mestranda em saúde pública e dona da segunda maior votação em Criciúma.

Como nasce uma fake news

Desde terça-feira (2), a artilharia bolsonarista se voltou contra Mondardo, que vem sendo acusada de “acobertar estupro” por blogueiros e partidários do bolsonarismo na região. A fagulha para essa acusação foi um corriqueiro acidente de carro, quando a vereadora esbarrou em uma bicicleta ao sair de um lanche após a sessão que inaugurou o ano legislativo na Câmara Municipal, no dia anterior.

Inicialmente acusada de embriaguez ao volante pelo deputado estadual Jessé Lopes (PSL) em pronunciamento no plenário da Assembleia Legislativa, logo o discurso da claque se metamorfoseou em acusação de acobertamento de estupro, com direito a publicação em jornal de circulação regional em coluna assinada pelo blogueiro bolsonarista André Roldão, e postagem nas redes da presidente do PL local e ex-candidata a prefeita, Júlia Zanatta. Em aplicativos de mensagens, foram distribuídos vídeos de atropelamentos ocorridos em outros municípios associando-os ao ocorrido. Giovana também teve seus dados pessoais e de acesso restrito do DETRAN vazados ilegalmente.

A origem de tudo

Como uma das fundadoras de um coletivo feminista universitário, ainda em 2015, Giovana foi procurada por uma amiga que relatou uma situação de assédio sexual. Segundo a vereadora, à época, a jovem foi acolhida e recebeu suporte e incentivo para que fossem tomadas medidas legais sobre o caso. “Não se obriga uma mulher a denunciar um assédio ou a julga por não fazê-lo, isso seria uma outra violência. Nosso papel é acolher, apoiar e proporcionar um ambiente onde ela se sinta fortalecida e amparada para fazer isso, mas a decisão sempre será dela”, explicou Giovana, que reafirmou seu compromisso em proteger a identidade da vítima enquanto ela assim preferir.

A versão que transformou Mondardo em “acobertadora de estupro” surgiu na manhã do exato dia das eleições de 2020, quando o então candidato a vereador Andriw Loch divulgou em suas redes sociais as acusações. Sem expediente e tempo legal para questionar a calúnia na Justiça Eleitoral, a hoje parlamentar se viu obrigada a passar o domingo da eleição se explicando sobre algo que nunca fez.

Giovana é autora e mobilizadora de petição pública levada a Comissão de Ética da Alesc sobre o deputado bolsonarista Jessé Lopes, onde pedia medidas contra declarações machistas do parlamentar no caso da falaciosa gravidez de uma assessora da Casa D’Agronômica, citando também o caso em que o parlamentar defendeu que o assédio seria um “direito” da mulher, um ataque a campanha “Não é não” contra assédio sexual durante o carnaval de 2020. “Após as mulheres já terem conquistado todos os direitos necessários, inclusive tendo até, muitas vezes, mais direitos que os homens, hoje as pautas feministas visam em seus atos mais extremistas TIRAR direitos. Como, por exemplo, essa em questão, o direito da mulher poder ser ‘assediada’ (ser paquerada, procurada, elogiada…) Parece até inveja de mulheres frustradas por não serem assediadas nem em frente a uma construção civil”, disse o deputado em uma rede social na época.

Jessé foi alvo de ações na Comissão de Ética da Alesc motivados pela Bancada Feminina e por Giovana Mondardo, e ainda é alvo de diversas ações na justiça em decorrência de seus posicionamentos, como é o caso do juiz Marcelo Ferrer, atacado por Lopes após escrever uma carta aos aprisionados de Joinville.

Fake News não podem passar impunes

Iniciativas como a de diversos veículos de comunicação de criar quadros estilo “fato ou fake” contribuem para o enfrentamento a calúnias e mentiras, mas é necessário tratar essa prática pela categoria jurídica que a qualifica, que é a de crime. Por mais que não esteja o termo fake news explicitado no Código Penal Brasileiro, a prática se enquadra nas tipificações de calúnia, difamação, injúria e crime contra a honra.

Sobre os ataques recentes, Giovana Mondardo afirma que está reunindo prints e que deve entrar com medida judicial contra os autores de fake news contra ela. “É preciso enfrentar os gabinetes do ódio e a máquina de destruição de reputações não só nas redes e politicamente, mas também nos tribunais. Essa é a responsabilidade de toda gente séria com a restauração da verdade e o respeito que os debates precisam ter. Respeito por quem pensa diferente da gente é fundamental”, explicou a vereadora.