Por Gabriel Costa e Hanna Shokrian

Com o sorteio das chaves da copa, ocorrido em abril deste ano, um grande confronto irá se repetir pela segunda vez na história do mundial. O embate entre as seleções dos Estados Unidos e Irã, que ocorrerá nesta terça-feira (29), às 16h, pode ser considerado a continuação de um jogo histórico da copa de 1998, na França. A partida ocorrida no Matmut Stadium, em Lyon, foi considerada pela revista britânica Four Four Two, “o jogo com a maior carga política da história das copas”.

As relações diplomáticas entre os países se deterioraram após a Revolução Islâmica, que instaurou o regime dos aiatolás, culminando na crise dos reféns estadunidenses no Irã, com duração de 444 dias.

Confronto na copa de 1998

Dezenove anos após essa crise diplomática, o confronto no mundial de 98, pela fase de grupos, foi considerado uma preocupação pela FIFA, que se preparou para possíveis complicações durante a partida. As equipes de transmissão televisiva foram instruídas a não capturar certos banners e manifestações no estádio, com intuito de não influenciar politicamente o panorama mundial.

Porém, atualmente o evento é lembrado pela entrada dos jogadores iranianos ao campo com rosas-brancas em mãos, símbolo de paz em seu país, presenteadas aos estadunidenses. Após isso, os jogadores de ambas seleções se reuniram em uma foto de recordação antes do apito inicial da partida. Ao fim da partida, o Irã venceu os Estados Unidos por 2 a 1, ambas as equipes foram eliminadas ainda na fase de grupos.

Times de Irã e Estados Unidos se uniram antes da partida pela Copa do Mundo de 1998. Foto: Prevost/TempSport/Corbis/VCG/Getty Images

Manifestações no Irã

Após 24 anos do primeiro confronto na copa, o Irã vive um dos momentos mais importantes da sua história, com manifestações populares acontecendo mesmo após 2 meses da morte de Mahsa Amini. A jovem curda de 22 anos, foi detida por supostamente não utilizar o hijab “corretamente”, falecendo após 3 dias de custódia policial, fotos de raio x e exames mostrando fraturas em sua cabeça foram divulgadas, e sua família alega que a polícia moral a espancou e isso que levou a morte de Mahsa.

A morte da jovem foi o estopim para o início dos protestos, representando a indignação dos cidadãos com o governo. Ao redor de 77 cidades pelo mundo, os iranianos demonstram solidariedade aos compatriotas que ainda residem no país, e com esse apoio, cerca de 300 mil assinaturas foram coletadas pedindo a exclusão da seleção na copa do mundo do Catar por violação dos direitos humanos.

Os protestos são vistos pela população iraniana como o início de uma revolução, os cidadãos reivindicam a diplomacia internacional ações contra a república do Irã, aos moldes da Rússia em eventos internacionais. A omissão por parte da FIFA serviu para o governo como cortina de fumaça aos protestos, por dividir a mídia entre a participação do país no mundial e as manifestações. Rostos importantes do futebol iraniano como Ali Daee e Mahdi Mahdavikia também se manifestaram em relação à situação do país.

Foto: Anwar Amro

Relações diplomáticas com os Estados Unidos

Além da delicada situação interna, o panorama internacional do Irã nos últimos anos é também envolvido em diversas situações de conflito. Após a saída unilateral dos Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã em 2018, e a retomada das sanções internacionais em mais alto nível ao Irã, a tensão geopolítica entre os países cresceu substancialmente. Um ataque aéreo dos Estados Unidos ao aeroporto de Bagdá, em janeiro de 2020, matou o general iraniano Qasem Soleimani, uma das maiores forças do Regime Islâmico do Irã. A sua morte foi utilizada pelo governo como propaganda política internamente, mas a oposição popular ao regime prevaleceu.

Foto de uma pintura em um prédio na rua Ferdowsi em Teerã, capital do Irã

Acordo Nuclear entre EUA e Irã

As conversas sobre acordo nuclear começaram na época do Obama, do partido democrata dos EUA, que queria se aproximar do Irã, na época em que o então presidente Mahmoud Ahmadinejad ameaçava bombardear Israel. Os Estados Unidos propuseram um acordo para a retomada da diplomacia caso as ameaças a Israel fossem cessadas. O Irã continuaria com o seu programa nuclear e teria suas sanções removidas. Contudo, o regime islâmico do Irã demandou liberação de dinheiro das contas bloqueadas dos políticos iranianos. Por conta dessas exigências do regime islâmico, prolongaram-se as negociações do acordo até 2015 com o P5+1.

O acordo significaria ao Irã limitações no enriquecimento do urânio e inspetores nas usinas nucleares. Mas um ano depois, Trump assumiu a presidência e revogou o acordo. O governo de Biden retoma as discussões. Devido à guerra entre Rússia e Ucrânia, o regime islâmico do Irã requer que a IRGC (junta do governo islâmico) seja removida da lista de grupos terroristas. As conversas sobre o acordo nuclear pausaram após a morte de Mahsa Amini e sua repercussão mundial.

Manifestações na copa

Um dos jornais mais famosos do Irã, o Kayhan, pertencente ao governo islâmico, aponta os adversários nos confrontos da seleção na copa como “os inimigos de fora e dentro do país”. A mensagem tem o intuito de criar a narrativa de que o futebol do país é uma representação da batalha contra os inimigos do regime islâmico, representando a moral e os bons costumes que o governo prega.

Após o jogo entre Irã e Inglaterra, jogadores do time foram ameaçados pelo regime por não cantarem o hino da república islâmica do Irã.

Os jogadores da seleção vêm evitando responder aos repórteres quando perguntados sobre os protestos que ocorrem em solo iraniano. Parte dos torcedores presentes no estádio foram impedidos de se manifestar na vitória do Irã contra País de Gales na Copa do Mundo do Catar.

A vitória da seleção no país é comemorada, majoritariamente, pela polícia moral, políticos do regime islâmico e apoiadores do regime.

Foto: Ulrik Pedersen/DeFodi Images

Estados Unidos x Irã

As seleções se encontrarão pelo Grupo B, neste dia 29, às 16h, no estádio Al Thumama, em um jogo que definirá a classificação para a próxima fase.

Com informações de El País, Brasil de Fato, Radio Free Europe, 442 e G1

Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube