Foto: reprodução Faetec

Eliana Conde Barroso Leite para Mídia NINJA

No cenário do ensino agrícola do estado do Rio de Janeiro, chama a atenção a resistência da Escola Técnica Estadual Agrícola Antônio Sarlo, de Campos dos Goytacazes.

Nas últimas décadas, escolas agrícolas vem sendo extintas no estado, devido à redução das verbas públicas, queda na produção agropecuária, desinteresse dos jovens pelo trabalho no meio rural e mercado de trabalho restrito, entre outros fatores. Apenas seis escolas estaduais resistem.

A educação agrícola é um direito assegurado na Constituição, sendo competência dos entes federados: união, estados e municípios. É portanto, um dever do Estado.

A tradicional escola Antônio Sarlo foi criada no ano de 1955 no contexto da chamada modernização do setor agropecuário brasileiro, e quando Campos florescia como maior produtor nacional de açúcar. Tem uma trajetória de apogeu, declínio e resistência relacionada à dinâmica da produção agroindustrial regional e às incertezas da política educacional.

A partir da década de 80 a escola foi afetada pela redução nas atividades sucroalcooleiras e pelo crescimento da indústria do petróleo em Campos, reduzindo a procura por matrículas nos cursos técnicos de Agropecuária. A historiadora Dayane Altoé entrevistou um professor da escola, que expressou: “o estado do Rio pensa que amanhã vai comer petróleo e por isso abandonou as políticas de incentivo à agricultura totalmente… o governo não vê mais a agricultura como salvação. Hoje os royalties compram a comida, mas quem irá produzí-la?

A vinculação cultural da agricultura ao atraso, ao trabalho braçal degradante, pouco valorizado e de baixa renda, foi um estigma relevante na decisão dos estudantes na escolha pelo curso técnico, sobretudo num município cuja história girou em torno da cultura da cana-de-açúcar. Houve assim, um direcionamento da procura por cursos ligados à área de petróleo, de maior status e mais atrativos do ponto de vista financeiro. Como consequência, o número de alunos de agropecuária na Antônio Sarlo diminuiu para um terço do total de alunos entre 1999 e 2009.

Após um período de grande dificuldade orçamentária que colocou em risco o seu funcionamento, a boa notícia é que escola Antônio Sarlo está em ascendência. Pela primeira vez nos últimos dez anos, ocorre fila de espera para o curso Técnico em Agropecuária. Outro fato muito positivo é que estes excedentes de procura se referem a filhos de agricultores, uma vez que usualmente a procura pelo curso era predominantemente composta pela comunidade do entorno, sem vocação agrícola, devido à falta de opções.

Este movimento de revitalização, no entanto, deve-se aos aguerridos esforços de toda a comunidade escolar. Desde 1999, a escola é mantida pela Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), instituição estadual, e de acordo com o atual gestor da unidade, a Faetec mantém 28 escolas técnicas no estado nas mais diversas áreas do conhecimento e o ensino agrícola “não está na linha do escopo de vontades e projetos da instituição, por ser a única nesta modalidade de formação técnico profissionalizante”.

Neste momento a Antônio Sarlo se encontra na transição do processo de incorporação à Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), que por um decreto estadual de 2 de dezembro de 2019 é a atual proprietária da fazenda de 155 hectares onde a escola está instalada. A Uenf é parceira da escola desde 1993 e a perspectiva é que esta incorporação traga muitos benefícios, como investimentos na infraestrutura e na pesquisa agrícola.

Graças à dedicação dos servidores estatutários e contratados, colaboradores terceirizados, pais, alunos, ex alunos e a Uenf, a escola está renascendo. A gestão adotou um modelo compartilhado e atualmente é exercida pelos professores Marcelo Almeida e Victória Carogio. Alavancou parcerias com diversas instituições como Instituto Federal Fluminense, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias da Uenf, Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes e empresas, e está desenvolvendo vários projetos de ensino e inclusão social com geração de renda para a população, principalmente para as comunidades carentes localizadas no entorno das instalações.

Neste momento de pandemia do covid-19, a horta acadêmica continua a produzir alimentos para as famílias dos alunos, com doação de cestas de alimentos para alunos hipossuficientes e para entidades assistenciais. A horta acadêmica tem como objetivo a produção própria, estudos, pesquisas e aprendizado. Professores da disciplina Produção Vegetal se esforçam para que os trabalhos da horta acadêmica não sejam interrompidos durante este período, e mantém diariamente os trabalhos de campo com um grupo de alunos e ex alunos, todos maiores de idade, de forma escalonada e sem aglomeração.

Outro projeto é feito em parceria com a empresa Gás Natural Açu, com financiamento de hortas comunitárias embaixo de torres de transmissão, sendo a produção destinada aos pais de alunos desempregados. Cada aluno se responsabiliza por uma horta de 4 canteiros de 1,5 metros por 30 metros, num total de 60 canteiros, onde não há utilização de agrotóxicos. Cada horta fica também sob a responsabilidade de uma família por um período de dois anos. Neste espaço o aluno é estimulado a buscar soluções não convencionais para o controle de pragas e doenças, ou seja, tecnologias alternativas. A prefeitura municipal apoiará ainda com uma Feirinha da Roça próxima à escola devendo beneficiar 15 famílias de permissionários do programa, com geração de renda complementar.

Dentro da escola está instalado também o posto do Médico de Saúde da Família, com quatro salas e as especialidades de pediatria e ginecologista. A escola oferece também o ensino fundamental com Iniciação Agrícola.

A Escola Antônio Sarlo resiste! E está fazendo a diferença na vida de muitos jovens. Sua história, tradição, resistência e os projetos reforçam a grande importância que a instituição tem para a comunidade local, região norte fluminense e para o estado do Rio de Janeiro, devendo estar permanentemente no foco da política educacional.