Foto: Universidade Federal de Pelotas / Divulgação / CP

Equipes de pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que estão analisando a evolução de casos de covid-19 na população brasileira e coletando testes para uma pesquisa nacional, foram detidas pela polícia, agredidas por cidadãos e impedidas de trabalhar em diversas cidades brasileiras. Em muitos casos o material utilizado foi destruído e os profissionais levados a abandonar os municípios sob ameaças.

A UFPel e o Ibope, que faz o trabalho de campo, registraram a conduta em Estados como Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Piauí e Rio Grande do Norte. No Rio Grande do Sul, a pesquisa que procura medir a disseminação real da epidemia na população transcorreu sem maiores problemas. Já em municípios de outros Estados, incluindo em Santa Catarina, as equipes de coleta chegaram a ser detidas.

Segundo o Ministério da Saúde, o estudo “Evolução da Prevalência de Infecção por COVID-19”, coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da UFPel, prevê que cerca de 100 mil pessoas de 133 municípios sejam entrevistadas e testadas. O objetivo é identificar de que forma o vírus está se propagando em todo o Brasil e criar políticas públicas mais eficientes sobre o comportamento do coronavírus no território brasileiro.

Em Santarém (PA) a polícia levou a equipe da pesquisa para a delegacia e apreendeu os testes para a covid-19. Houve detenções em São Mateus (ES), Imperatriz (MA), Picos (PI), Patos (PB), Natal (RN), Crateús e Serra Talhada (CE), Rio Verde (GO), Cachoeiro do Itapemirim (ES), Caçador (SC) e Barra do Garça (MT), afirmam os coordenadores do trabalho, da Universidade Federal de Pelotas, e o Ibope, que faz o trabalho de campo. Em Mossoró (RN), os entrevistadores relatam que foram agredidos na rua, acusados de violar a quarentena; em Crateús (CE), as autoridades disseram que não poderiam garantir a segurança da equipe.

As equipes ainda aguardam autorização de 42 prefeituras para dar continuidade ao trabalho, entre elas capitais de Estado, dizem os coordenadores do estudo e o Ibope. Em cidades como Governador Valadares (MG) não houve detenção, mas o material da pesquisa foi apreendido. Em Rondonópolis (MT), os entrevistadores estão presos no hotel, esperando liberação municipal.

A Reitoria da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) divulgou neste domingo (17) um posicionamento condenando as agressões que as equipes que conduzem um estudo nacional de prevalência do coronavírus sob o comando da instituição.

Leia a nota na íntegra:

A administração da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) vem a público prestar necessários esclarecimentos sobre a pesquisa EPICOVID19-BR, o maior estudo populacional sobre o coronavírus no Brasil. O estudo é coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da UFPel, que há cerca de 40 anos, realiza estudos epidemiológicos em Pelotas, no Rio Grande do Sul, no Brasil e no mundo. O EPICOVID19-BR é financiado e apoiado pelo Ministério da Saúde, tendo em vista essa experiência de mais de 40 anos da UFPel em pesquisas similares, além da experiência exitosa do EPICOVID19-RS, que já concluiu três fases, incluindo a testagem de anticorpos para coronavírus em 13.189 pessoas, de nove cidades gaúchas.

O projeto EPICOVID-BR foi submetido à apreciação ética da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), tendo sido aprovado no dia 28 de abril de 2020, sob o número CAEE 30721520.7.1001.5313. Para a coleta de dados, foi contratado, após processo seletivo, o Ibope, empresa com larga experiência em estudos populacionais. Todos os requisitos éticos e de segurança estão sendo seguidos, incluindo o uso de equipamentos de proteção individual, a inclusão apenas de entrevistadores com teste negativo para anticorpos do coronavírus e instruções para o descarte dos materiais, conforme pactuado com o Ministério da Saúde.

O Ministério da Saúde responsabilizou-se por contatar os 133 municípios participantes da pesquisa, o que ocorreu por meio de ofício durante essa semana. Além disso, o estudo está divulgado na capa da página oficial do Ministério da Saúde (www.saude.gov.br). Infelizmente, desde o início do trabalho de campo no dia 14 de maio (quinta-feira), as equipes da pesquisa vêm passando por diversas situações constrangedores, amplamente noticiadas na mídia. Em quase 40 cidades, os pesquisadores estão de braços cruzados, esperando autorização dos gestores municipais, num processo burocrático que pode causar prejuízo aos cofres públicos, visto que a pesquisa é integralmente financiada com recursos públicos.

Nas situações mais graves, os entrevistadores do IBOPE foram detidos, com uso de força policial, tendo sido tratados como criminosos. Trata-se de cerca de 2.000 brasileiros e brasileiras, que estão trabalhando para sustentar suas famílias, numa pesquisa que pode salvar milhares de vidas, e que mereciam proteção das forças de segurança e uma salva de aplausos por parte de toda a população. Ao contrário, as forças de segurança, que deveriam proteger os entrevistadores, foram responsáveis por cenas lamentáveis e ações truculentas, algumas delas felizmente registradas.

Por mais que a comunicação formal do Ministério da Saúde aos municípios possa ter chegado muito perto do início da coleta de dados, nada justifica o comportamento de “xerifes” assumido por alguns gestores municipais, que impedem ou atrapalham a realização de uma pesquisa que, com o perdão da repetição, pode ajudar a salvar a vida de milhares de brasileiros.

Em meio a uma pandemia sem precedentes, o Brasil mereceria que todos os gestores municipais, das 133 cidades incluídas na pesquisa, tivessem o mesmo comportamento da Prefeitura de Manaus, a cidade mais afetada pela pandemia no país, e que mesmo assim, foi a primeira na qual a coleta de dados foi encerrada. Ao invés de citar os maus exemplos, fazemos um agradecimento especial à Prefeitura de Manaus, que soube compreender a relevância da pesquisa, e mesmo vivendo a maior crise de saúde da história do município, permitiu que nossos pesquisadores fizessem o seu trabalho, dando todo o suporte necessário.

Pedimos que essa nota seja amplamente divulgada, pela mídia, e por toda a população brasileira, especialmente nos municípios cujos gestores municipais não estão permitindo a realização da pesquisa. Apesar de tudo, nossas equipes estarão em campo até a terça-feira, dia 19 de maio de 2020, para garantir que o maior estudo populacional sobre coronavírus do Brasil continue ajudando a salvar a vida de milhares de brasileiros.