Foto: Daniel Marenco

Na semana passada a Medida provisória 910 (MP910), que ficou conhecida como a MP da Grilagem, foi à votação no plenário da Câmara dos Deputados e após a pressão social de ativistas, organizações, artistas e posicionamentos críticos de órgãos federais como o MPF ela foi retirada de pauta. Em troca, parlamentares da bancada ruralista negociaram com o presidente da casa para que fosse apresentado um novo projeto de lei para tratar do tema.

Apresentado nesta segunda-feira, 18 de maio, o PL2633 expõe uma série de fragilidades e inconsistências que necessitam ser debatidas a fundo com a sociedade civil e todos a quem ela possa afetar. Para entender o teor do projeto e as seus principais problemas o movimento 342 Amazônia preparou alguns pontos, confira:

POR QUE A PRESSA?

– Antes diziam que a MP 910 justificava a votação. Agora, com a MP prestes a caducar, por que votar logo a questão? Sem ouvir todos os setores, sem buscar entendimento sobre questões socioambientais? Essa pressa não faz sentido algum. Era para estarmos focados em outras questões muito mais urgentes. Queremos audiências públicas e amplo debate.

– Se a Lei atual já garante uma regularização célere baseada em autodeclarações dos ocupantes de até 4 módulos fiscais, sem vistoria prévia em socorro aos setores mais vulneráveis do campo, para que uma nova Lei de regularização fundiária?

– Se a preocupação é com a agricultura familiar, por que não pensar a questão a partir de legislações já existentes?

– Se houve melhoras na MP 910, por que não discutir mais para chegar a um texto que contemple todas as questões?

A PANDEMIA E O DESMATAMENTO

O desmatamento na Amazônia atingiu 529 km² em abril deste ano, um aumento de 171% em comparação com abril do ano passado (dados do Sistema de Alerta de Desmatamento SAD do Imazon).

Quando se aprova uma lei que favorece a regularização de ocupações, o sinal que se dá é para regularizar ocupações irregulares em áreas públicas e anistiar crimes ambientais. Isso pode provocar ainda o aumento das invasões e do desmatamento. No momento em que a pandemia avança sobre comunidades tradicionais e indígenas, chegando às aldeias, esse é mais um fator de risco.

NÃO SE DESTINA A PEQUENOS

– Mantém (não altera) o que existe na lei de 2009: a venda de terras públicas da União e do Incra com até 2500 hectares sem licitação para todo o país, não mais restrita à Amazônia Legal (art. 1 e 2 do PLC). São 2500 campos de futebol, aproximadamente.

– Mantém (não altera) a possibilidade de regularização por pessoas físicas que não estejam ocupando, mas apenas gerenciam a área, e inclusive em benefício de pessoas jurídicas (art. 2, III da Lei 11.952/09).

– Permite a venda de direta na Amazônia Legal de áreas ocupadas, mesmo irregularmente, até 22.12.2011, inclusive para quem tenha outra propriedade, desde que somadas não ultrapassem 2500 hectares (2500 campos de futebol).

DESCONSIDERAÇÃO DE ALERTAS DO TCU E DO MPF

– Falta de providências para o combate às fraudes de áreas irregularmente autodeclaradas (2009-2017).

– Perda de R$ 1 bilhão em renúncia de receitas decorrente da omissão na fiscalização (TCU).

– 657,9 mil hectares alvo do crime de invasão de terras públicas com o fim de aquecer mercado ilegal de terras (TCU).

– Ausência de providências para a retomada e destinação de mais de R$ 2,4 bilhões em imóveis rurais do programa com irregularidades, cujos processos foram indeferidos (TCU).

– Desmatamento de mais de 82 mil hectares em áreas do Programa após a Lei 11.952/2009 (TCU).

AUTODECLARAÇÃO

– Os documentos que devem ser apresentados em conjunto têm sido objeto de fraudes. O TCU e o MPF já falaram que certos documentos que devem ser apresentados na declaração, como o CAR, têm servido para sobrepor informações em territórios indígenas ainda sem demarcação e unidades de conservação e gerar fraudes.

– Sobreposição de documentos – CAR (Cadastro Ambiental Rural – documento que informa a ocupação): Em todas as regiões do país há mais de 100% do território cadastrado, na Amazônia Legal chega a 191%. Além disso foram autodeclarados 78% do território nacional cadastrável como imóveis rurais particulares, ocupando 431,8 milhões de hectares. Os dados apontam, no entanto, que apenas 44,2% do território nacional seriam ocupados por imóveis rurais particulares.

AUTODECLARAÇÃO – 78% DE IMÓVEIS RURAIS PARTICULARES
REALIDADE – 44% DE IMÓVEIS RURAIS PARTICULARES

– Casos de sobreposição de requerimentos sobre parte ou toda a área não geram vistoria obrigatória, tampouco há regra que regulamente procedimento a ser tomado em caso de sobreposições.

TERRITÓRIOS INDÍGENAS E QUILOMBOLAS

– As terras indígenas ainda não demarcadas ficam em uma situação de insegurança, pois pessoas podem querer ocupar, buscar regularização e dizer que tinham boa-fé. O mesmo vale para territórios quilombolas ou de comunidades tradicionais.

DESMATAMENTO

O TCU já demonstrou que a omissão da fiscalização na regularização, que é estimulada pelo novo projeto, gerou mais desmatamento. O PL tenta amenizar a situação dos violadores com a adesão a um Programa de Recuperação Ambiental (PRA), mas não indica como ele vai ser feito e que medidas devem ser cumpridas. Basta a adesão.

– O programa de recuperação ambiental é “para inglês ver”.

– Esse programa pode servir como salvo-conduto para a pessoa permanecer na terra sem adotar as medidas necessárias de recuperação ambiental. Além disso, desconsidera que a terra, uma vez desmatada, nunca mais será a mesma, ainda que haja regeneração.

Mesmo em uma área embargada e com infração ambiental confirmada por autoridade competente, a regularização será possível. Basta aderir ao PRA ou firmar um TAC. A regularização será admitida antes mesmo da comprovação de medidas de proteção e recuperação.

FISCALIZAÇÃO POR SATÉLITE?

Não haverá vistoria para identificar a posse mansa e pacífica. Isso facilitará a “limpeza da terra” (retirada da madeira, destoca e fogo) como uma das principais formas de comprovação, induzindo desmatamentos.