Por pouco ainda não foi para votação o relatório final do PL do Agrotóxico: tema será discutido pela equipe de transição

PL do Veneno flexibiliza as regras para liberação de produtos e reduz o controle sobre eles (Greenpeace)

Mesmo negando que seja fruto de uma ação articulada, parlamentares aproveitam que todas as atenções estão voltadas para a Copa do Mundo para que a toque de caixa façam tramitar com celeridade projetos que são caros à saúde da população brasileira e, do mesmo modo, altamente prejudiciais ao meio ambiente.

Alguns desses tramitam sem ser apreciados por todas as comissões, como a do Meio Ambiente, como o caso do PL do Veneno, que flexibiliza as regras para liberação de produtos e reduz o controle sobre eles. Por duas vezes seguidas, a começar pelo dia de estreia da seleção brasileira, dia 24 de novembro, tentaram aprová-lo na Comissão de Agricultura. Da primeira vez, a oposição conseguiu conter a tramitação com um pedido de vista. A votação do relatório estava agendada para esta quarta-feira (30), mas foi novamente adiada.

Isso ocorre por conta da pressão da sociedade civil e da frente de oposição. Agora, o tema deverá ser discutido pela equipe de transição de governo, cujos integrantes divergem sobre a matéria. De um lado, setores do agronegócio, incluindo o relator do PL no Senado, Acir Gurgacz (PDT-RO), defendem mudanças. Já integrantes da área ambiental do futuro governo, incluindo ex-ministros do setor, são contra a flexibilização.

A oposição tenta resistir também ao projeto que tira do Estado a responsabilidade na fiscalização sanitária do agronegócio, como o controle sobre o armazenamento de produtos, como a carne nos frigoríficos, para empresas privadas. Para evitar que ele seja levado para votação – pois já tem seu relatório pronto e aguarda ser pautado no plenário do Senado -, deputados contrários conseguiram aprovar uma nova sessão de debates sobre o tema, que deve ocorrer no próximo mês.

Ambientalistas também estão atentos à tramitação de outros três projetos com tramitação conclusiva. Projetos com esse status não precisam passar pelo plenário para serem votados, basta passar por grupos temáticos.

O Instituto Socioambiental (ISA), destaca que no dia 23, ruralistas e bolsonaristas aprovaram, na mesma sessão da Comissão de Meio Ambiente (CMADS) da Câmara, três projetos que, se convertidos em lei, vão ampliar o desmatamento e colocar em risco nascentes e mananciais de água.

Em minoria, a oposição não conseguiu reduzir os danos incluídos nas propostas. Nas últimas semanas, já vinha tentando obstruir as votações e ganhar tempo, mas os instrumentos regimentais para isso foram gradualmente se esgotando.

À reportagem do ISA, o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) lamentou:

“Todo dia estão colocando na pauta um ‘saldão de final de ano’ com matérias ruins. Trabalhamos na perspectiva de fazer acordos, para diminuir o tamanho do dano. Não é fácil”, aponta Agostinho.

Ele alerta que a pressão para a aprovação dos projetos em outras comissões e plenários, da Câmara e do Senado, continuará até o fim das atividades legislativas, em meados de dezembro.

Uma das propostas aprovadas na CMADS, o Projeto de Lei (PL) 364/2019, legaliza desmatamentos antigos e permite novas derrubadas em vegetações campestres de todo país.

“Esses ecossistemas são fundamentais para a manutenção de nascentes e aquíferos, e sua destruição pode colocar em risco o abastecimento de água de milhões de pessoas. Além disso, o projeto permitirá desmatar áreas da Mata Atlântica, o bioma mais devastado do país, com cerca de 12% de cobertura vegetal original preservada”, destaca o ISA.

A proposta segue agora para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e tem regime conclusivo, ou seja, se não for aprovado um requerimento para que passe ao plenário da Câmara, vai direto ao Senado – a não ser que haja recurso.

Na mesma sessão, do dia 23, também foi aprovado o relatório do PL 2.168/2021, igualmente de autoria de Schreiner. O projeto dá caráter de “utilidade pública e interesse social” a obras e desmatamentos destinados à construção de reservatórios para irrigação e abastecimento do gado em Áreas de Preservação Permanente (APPs) de cursos de água. A medida dispensa a licença ambiental para essas intervenções, abrindo caminho ao barramento indiscriminado de córregos e rios.

Por último, foi aprovado na CMADS o PL 195/2021, que altera o Código Florestal e é de autoria de Lúcio Mosquini (MDB-RO). O projeto amplia a quantidade de madeira que pode ser extraída da Reserva Legal (RL) de pequenas propriedades rurais, de 15 m3 para 40m3 ao ano. Também dispensa a fiscalização do transporte dessa quantidade máxima de matéria-prima entre as propriedades de “parentes de primeiro grau”. Nesse caso, não seria exigido o Documento de Origem Florestal (DOF) e nem haveria qualquer registro do destino da madeira.

Aliados de Bolsonaro

À reportagem da Folha de São Paulo, ambientalistas comentaram que “os aliados de Jair Bolsonaro (PL) tentam avançar os projetos enquanto ainda não contam com eventual resistência do governo federal —o que pode acontecer quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumir o poder”.

Luiza Lima, assessora de políticas públicas do Greenpeace disse que os ruralistas têm pressa em aprovar projetos que estão em fase final de tramitação, e que podem ainda ser sancionados por Bolsonaro neste fim de ano.

“É o saldão do governo na sua reta final, tentando aprovar projetos que só os beneficiam”, afirma.

Já Kenzo Jucá, que é consultor legislativo do ISA, disse que é uma espécie de “xepa de final de feira”. E ainda, que o “PL do Veneno foi colocado em pauta no dia da estreia do Brasil na Copa, algo completamente inusitado na história legislativa para uma matéria com tantos interesses envolvidos.”

A Folha procurou o presidente da Comissão de Agricultura do Senado, Acir Gurgacz (PDT-RO), mas não teve resposta até a publicação da reportagem.

Na defensiva, o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, Covatti Filho (PP-RS) discorda das críticas e diz que, durante a COP27 (conferência do clima das Nações Unidas, realizada no Egito), chegou a retirar da pauta alguns temas sensíveis, em respeito a deputados que estavam no evento e não poderiam acompanhar o debate em Brasília.

“Desde antes do período eleitoral já tínhamos combinado que iríamos colocar na pauta todas as matérias disponíveis para votação. Essa situação da Copa do Mundo é uma desculpa que não tem lógica. Na pauta temos vários projetos de interesse tanto de ambientalistas como do pessoal que defende a agricultura”, afirmou ele.

Confira nosso guia sobre agrotóxico: “Chega de veneno na nossa comida”