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Entre os dias 13 e 15, ao último mês de 2019, o cinema do interior paulista ganhou um marco histórico de refundação. Dezenas de cineastas, produtores, artistas e cineclubistas de diversos municípios se reuniram em Rio Claro para discutir uma coordenação de ações que fortaleçam as produções locais e criem um entendimento de unidade entre as cidades do interior do estado.

O 1º Encontro de Cinema do Interior Paulista foi aberto com uma apresentação de cada uma das 11 cidades ali representadas, que compartilharam as iniciativas já existentes em suas regiões e exibiram a um público de aproximadamente 70 pessoas alguns trailers e filmes produzidos em seus municípios.

O evento se seguiu com rodas de conversa sobre estética e linguagem interiorana, circulação das produções locais, fomento e políticas públicas e apresentação de entidades nacionais e estaduais como a API (Associação de Produtoras Independentes), a Apaci (Associação Paulista de Cineastas), a FLIGSP (Fórum do Litoral, Interior e Grande São Paulo), além de projetos regionais como a Mostra de Cinema Amilar Alves, de Campinas, e o Polo Audiovisual do Velho Oeste, da região do Vale do Paranapanema.

“A necessidade de criar esse espaço de encontro surgiu após algumas viagens que fizemos no estado para trocas de experiências artísticas e articulação entre produtores culturais”, conta Rogério Borges, do coletivo Kino Olho, que sediou o evento. “Iniciamos o grupo de articulação com o CTAV Campinas e o Coletivo Livre de Cinema, de Piracicaba. Cada pessoa que entrava no grupo adicionava mais alguém e assim aumentamos as regiões contempladas”.

O Kino Olho é um dos grandes expoentes da nova safra do cinema interiorano. Nos últimos quatro anos, o coletivo emplacou dois curtas-metragens no Festival de Cannes. Sua organização é composta por 20 cineastas associados e uma comunidade de mais de 100 pessoas entre alunos e agregados.

Para Ramiro Rodrigues, do CTAV Campinas, a reunião apontou um caminho para a criação de uma “plataforma conjunta de desenvolvimento audiovisual do interior” e ressaltou a possibilidade de atrair “investimentos nacionais e internacionais rumo à reorganização do setor e à geração de empregos”. Atualmente, Rodrigues trabalha no restauro de mais de 200 películas filmadas na região de Campinas e produz a Mostra Amilar Alves, do MIS, que as exibem ao público local. A partir de 2020, a mostra e seu acervo passarão a circular por todas as cidades presentes no encontro.

As atividades em Rio Claro se estenderam por dois dias no Casarão da Cultura, onde estiveram representados os municípios de Assis, Bauru, Campinas, Itu, Limeira, Piracicaba, Rio Claro, São Pedro, Salto, São Carlos, Socorro e Sorocaba. “Experimentamos neste encontro uma organização de diversos grupos que atuavam isolados e que agora passam a se articular em diferentes frentes como de produção, exibição, distribuição e políticas públicas. Foi uma encantadora surpresa conhecer todos esses trabalhadores do cinema e partilhar um futuro coletivo para o cinema interiorano”, destaca Priscila Sales, do Núcleo de Projetos em Audiovisual – NPA, divisão do Polo Audiovisual do Velho Oeste.

O Polo Audiovisual é um projeto fundado em Assis, financiado pela FEMA – Fundação Educacional do Município de Assis, e que a partir de 2020 passa a implementar na região um amplo ciclo de capacitação profissional no audiovisual através de oficinas. Sua atuação inclui a viabilização de produções locais através de editais públicos, a disponibilização de uma TV regional para exibição das obras interioranas, além de um amplo circuito de exibição que tem como eixo central o Festival de Cinema do Velho Oeste, que estreia em 2020 no Cine Fema Piracaia, um cinema de rua dos anos 70 que passa por restauração em Assis. O festival irá exibir filmes produzidos em todo o interior do Brasil.

Além do compartilhamento de tecnologias e iniciativas, o encontro discutiu a necessidade de emancipação do setor em relação à capital, tanto do ponto de vista da estética, quanto do mercado. “O desejo de trabalhar nas capitais está ultrapassado. Nós estamos aqui no interior e produzimos aqui. Agora, queremos que a nossa produção seja vista, que circule, que atraia novos profissionais e artistas, que contribua ainda mais para a economia local”. Mariana Vita, do PROAV de Bauru.

Entre as deliberações do encontro, destacam-se a articulação das redes exibidoras e cineclubes – que passam a integrar um circuito de exibição dos filmes produzidos em todo o interior -, a concentração das obras numa plataforma on-demand e a realização de mais dois encontros em 2020.

O grupo definiu ainda as diretrizes para o lançamento de um manifesto do cinema interiorano como marco de sua refundação e apontou para a criação de uma distribuidora, entre outras fórmulas de criar um circuito comercial interiorano, para que a circulação das obras não dependa exclusivamente do aval das grandes distribuidoras do eixo Rio-SP.

Um novo território audiovisual

Desde a digitalização da produção audiovisual e principalmente após a implementação de políticas públicas que destinam recursos do estado aos projetos culturais de fora da capital, o número de filmes produzidos no interior vem aumentando consideravelmente aliado à redução do déficit tecnológico para com a região metropolitana, cenário que movimenta um número cada vez maior de cineastas estado adentro. Somente em 2019, através do Programa de Ação Cultural (ProAC), o setor movimentou aproximadamente R$ 5 milhões em recursos públicos.

Outro ponto de destaque é o baixo custo de produção e a consequente possibilidade de otimização de recursos dos editais. Facilidade logística, operacional, o baixo custo de vida, a ausência dos custos de produção especulativos de um mercado inflado como o da capital, além da possibilidade de ineditismo estético num território pouco saturado, tornam a produção de filmes no interior cada vez mais viável e atraente.

“Penso que entramos em uma nova era para o cinema do interior paulista. Estamos ansiosos pelos próximos encontros, em Campinas e Assis, para analisar os avanços e darmos continuidade para aperfeiçoar os planos e metas que criamos coletivamente. 2020 será um grande ano de criação e resistência”, conclui Rogério Borges.

Para Mariana Vita, o evento “foi o ponto de ebulição das iniciativas que corriam paralelamente nos municípios. Depois do encontro, não estamos mais isolados, formamos uma aliança potente e que já deve trazer alguns frutos para o próximo ano”.

Assista abaixo aos trailers de filmes dos cineastas presentes no encontro:

Ressentimento, de Denis Augusto e Mariana Vita – Bauru

Touros, de Guilherme Xavier – Assis

TOUROS from Oeste Cinema on Vimeo.