Por Majo Giovo

“O déficit zero não se negocia” é a frase principal do Governo de Javier Milei, que não mede as consequências para atingir o objetivo e implementa o seu plano de motosserra sem qualquer filtro.

Enquanto os governadores reclamam do corte de verbas, a Nação faz ouvidos moucos e, após o fracasso do Lei Omnibus (o mega pacote de ajustamento do governo) a “vingança” contra as províncias parece iminente. E isto inclui benefícios sociais essenciais, como as cozinhas comunitárias onde milhares de argentinos em situação de pobreza recebem uma refeição diária.

Ana Gamarra é cozinheira do refeitório Guerreras, na favela 1-11-14 da Cidade de Buenos Aires, e dá seu depoimento: “A mercadoria não chega até nós desde novembro do ano passado. E a verdade é que é uma vergonha tudo o que tem acontecido ultimamente”, explicou à imprensa.

Os dados apenas reafirmam o testemunho de Ana: um relatório recente da Universidade Católica Argentina (UCA) revelou os números de um salto na pobreza e na miséria. Estima-se que até Janeiro de 2024, 57,4% da população do país seja pobre, cerca de 27 milhões de pessoas, das quais 7 milhões (15% da população) são indigentes. Segundo a UCA, a pobreza passou de 44,7% no terceiro trimestre de 2023 para 49,5% em dezembro e 57,4% em janeiro; enquanto a indigência saltou de 9,6% para 14,2% e ficou em 15% em janeiro. Nessa linha, o consumo em geral na Argentina está em queda livre: a inflação em janeiro foi de 20,6% e acumulou 254,2% no último ano, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec).

Segundo um estudo elaborado pela Confederação dos Trabalhadores da Educação (CTERA) com base no Orçamento Aberto, o governo Milei pretende cortar estes fundos em mais de 28.596 milhões de dólares, dos quais mais de 50% se destinam à província de Buenos Aires. 

Filas contra a fome e o desperdício de alimentos

Foto: Barrios de Pie

Nos últimos dias, as imagens de uma centena de argentinos fazendo fila na porta do Ministério do Capital Humano, de onde são monitorados os programas sociais, se tornaram virais. São em sua maioria mulheres, cozinheiras naquelas cozinhas populares que exigem algum tipo de resposta do governo. Otilia Ledesma é uma delas e conta ao El País da Espanha o que está vivenciando: “A fome não espera. As pessoas que vêm contam o que acontece nas casas e isso me dói muito. Começamos a fazer rifas e a vender roupas usadas para comprar botijões de gás que precisamos para cozinhar. O corpo não dá, a cabeça não dá, o coração não dá, mas a gente continua porque senão ninguém vai”, afirma. A cafeteria onde Otilia trabalha por 78 mil pesos mensais (90 dólares pelo preço oficial) se chama “Tacitas poderosas” e recebe 200 pessoas por dia, número que começou a crescer nos últimos meses, segundo ela. Ela e outras cinco mulheres estão à frente do projeto.

Relativamente às possíveis medidas que o Governo pode tomar, foi revelado que o Ministério do Capital Humano vai procurar concursos junto das empresas para resíduos alimentares: “Assim, se uma empresa ou distribuidor tiver um excedente de 50 mil latas de tomate, pode concorrer a esse, e a agência de compras avalia preço-quantidade. É assim que você compra de quem oferece o mais barato.” A equação proposta pelo governo é clara. A partir de agora, parte da política de assistência alimentar social será desenhada com base na oferta do mercado e não nos valores nutricionais de que necessitam milhões de pessoas que frequentam as cozinhas comunitárias em todo o país.