Fonte: Arquivo pessoal. Dra. Roseli dos Santos e colaboração no texto de Hilreli.

No final de novembro deste ano, uma das mais antigas casas da Comunidade Quilombola dos Candendês, situada em Ponto Chique do Martelo, Barbacena (MG), foi destruída. A residência, marcada por sua importância histórica e cultural, estava em processo de tombamento para se tornar patrimônio histórico do município, mas foi alvo de demolição e sem aviso prévio a comunidade.

“É inegável o absurdo silenciamento que tenta se fazer há anos com o quilombo Candendê. Primeiro com o nome e agora vão-se destruindo os bens patrimoniais. É de novo uma forma de apagamento histórico que estamos enfrentando desde o século XIX”, relata a historiadora Roseli dos Santos.

Candendê, hoje nomeado como distrito de Ponto Chique do Martelo, surgiu por volta de 1850 em uma grota, entre fazendas e sítios. O nome de origem Banto (tronco linguístico de grupos que habitam a região centro-sul da África), foi substituído em 1995, por um decreto da Câmara Municipal de Barbacena. Em fontes históricas, o nome Candendê aparece pela primeira vez, em 1895, num mapa cartográfico sobre as regiões de Minas Gerais. E, apesar das tentativas oficiais de seu apagamento como território de preto, desde o ano 2000, pesquisadores e ativistas vêm lutando pelo resgate de sua história e valorização. Nessa feita, em 2012, o território recebeu da Fundação Palmares, a titulação de quilombo Candendê. 

Desde então, passou-se a conhecer muito sobre a localidade. Em pesquisas orais e arquivísticas realizadas sobre o território e sobre os seus moradores, um personagem, Antônio Lourenço da Costa, conhecido como Antônio Candendê, é lembrado como sendo descendente dos primeiros grupos de homens e mulheres que, no século XIX, formaram as comunidades Candendê, Sítio dos Crioulos e da Lagoa. Esses, ao longo do tempo, uniram-se em laços matrimoniais e nas lutas pelo direito de existir. É importante frisar que o Candendê fica localizado em solo fértil e rodeados de fazendeiros afoitos por terras e braços servis. 

Segundo Andrade, em 2007, Antônio Lourenço da Costa, foi um negro que “(…) falava meio embolado, usava algumas palavras do idioma africano e gostava de benzer utilizando um rosário no pescoço”. A sua relação com os fazendeiros locais pode ter facilitado, num primeiro momento, um certo apadrinhamento da comunidade para que ali se mantivessem sem muitos conflitos. No entanto, com a chegada de famílias italianas, essas terras passaram a ficar ainda mais cobiçadas.

Os descendentes de Antônio Candendê, apesar de verem suas terras reduzidas por vários fatores, nunca abandonaram a residência onde aquele morou até a sua morte em 1930. A  Sra. Maria Madalena, neta de Antônio Lourenço da Costa, ali residiu até 2018, quando por motivos de saúde, em idade avançada, foi encaminhada para o Asilo São Miguel Arcanjo – Barbacena.

Foto: Arquivo Pessoal/ Roseli dos Santos

Outro episódio de apagamento se deu com a misteriosa remoção da “pedra fundadora” do quilombo Candendê que revela um interessante episódio da história local. Um dos mais antigos moradores de Ponto Chique do Martelo (Candendê), João Pedro relata que a pedra, do tamanho de uma geladeira e originalmente colocada por políticos, foi retirada sem autorização da comunidade e descartada em uma vala por uma família italiana estabelecida na região.

Apesar da indignação inicial, em sua narrativa, ele destaca as letras “C” e “R” marcadas na pedra, ressaltando a importância simbólica e identitária do objeto. Essa história ressalta a complexidade da identidade quilombola, com suas memórias esparsas que, muitas vezes, são interpretadas como narrativas delirantes, mas que, na verdade, contribuem para a (re)construção da origem e identidade da comunidade.

Em 2021, foi solicitado ao Conselho Municipal de Patrimônio Histórico, que colocasse em pauta de discussão, o tombamento da residência de Dona Maria Madalena, por aquela ser a única que ainda mantinha os aspectos arquitetônicos do período da formação do quilombo. A casa, construída com a metade das paredes de pau-a-pique e outra metade de adobe, possuía colunas de madeiras que sustentavam o forro e o telhado, ambos de estatura mediana, como as casas das construções do século XIX e início do XXl.

No interior da residência, um fogão à lenha havia deixado marcas nas paredes de sua utilidade como única forma de cozimento dos alimentos e aquecimento interno. Assim, fica perceptível a importância da moradia como ponto de referência histórica e simbólica para a comunidade do quilombo Candendê.

No entanto, em 24 de novembro de 2023, a família Puiatti, que utiliza o solo ao redor da residência de Dona Maria Madalena, e até então, sem comprovação do título de propriedade, efetivou a demolição deste símbolo material e imaterial da Comunidade dos Candendê. Fato este que levou ao repúdio por toda a sociedade barbacenense, bem como, pela Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Remanescentes do Quilombo Candendê, a qual exige reparações e ações efetivas pelos órgãos competentes municipais, estaduais e federais.

De acordo com os responsáveis pela demolição foi expedida uma autorização judicial para a derrubada da casa, porém, até o fechamento desta matéria, não houve qualquer detalhe a respeito informando além de uma certidão referente à obra de demolição de uma “residência multifamiliar”. O documento confirma que, até a data de emissão, não há débitos relacionados a tributos federais administrados pela Receita Federal nem dívida ativa da União sob responsabilidade da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Essa certidão é necessária para a regularização de obra, permitindo sua averbação no Cartório de Registro de Imóveis.

A denúncia do ocorrido será encaminhada aos órgãos: Ministério Público Federal, Ministério Público de Minas Gerais, Ministério da Justiça, IPHAN, Conselho Nacional de Direitos Humanos e Ministério da Cultura.

Diretor Executivo da Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Remanescentes do Quilombo Candendê, Patrick Rhaiony Sandi, enfatiza a disposição da comunidade em lutar pela defesa de seus patrimônios, direitos e cultura. A casa destruída era parte da história quilombola, agora transformada em escombros.

Diante disso, o pedido de tombamento provisório da casa de Antônio Lourenço da Costa e também da Figueira existente na localidade, ganha ainda mais relevância diante da destruição ocorrida. A Associação ainda exige a atenção das autoridades para preservar o patrimônio material e imaterial que representa a resistência e história do povo Candendê.