Em oposição ao Pacote do Veneno, organizações defendem projeto de lei para redução dos agrotóxicos
Organizações e movimentos sociais estão em alerta com as movimentações do Pacote do Veneno no Senado
Proposta legislativa deve fortalecer política de produção de alimentos saudáveis, apontam organizações.
Texto de Marcelo Almeida, da Articulação Nacional de Agroecologia e Lizely Borges, da Terra de Direitos
As movimentações dos últimos dias no Senado Federal referentes à aprovação do PL “Pacote do Veneno” reacendem alerta de organizações e movimentos sociais preocupados com a intensificação de riscos e danos que essa mudança na legislação de agrotóxicos pode provocar no meio ambiente e na saúde da população. O Brasil já tem o título de maior consumidor de agrotóxicos.
O Projeto de Lei (PL) 6299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno”, foi aprovado na Câmara dos Deputados no ano passado e encaminhado para o Senado Federal, onde recebeu uma nova numeração – PL 1459/2022. Mas o Presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD/MG) despachou o PL somente para a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), diferentemente do que defendem as organizações. Em diálogo com Pacheco, foi defendido que o Projeto de Lei passasse pelas análises das comissões de Assuntos Sociais, Meio Ambiente e Direitos Humanos
”O debate e avaliação nas comissões, com seriedade e qualidade, é parte do processo legislativo democrático, ainda mais de uma proposta de mudança de legislação tão expressiva, que impacta diversos aspectos, como a saúde, a biodiversidade e os direitos humanos. A passagem apenas pela Comissão de Agricultura significa indicar um sobrepeso à agricultura e à economia, em detrimento dos riscos à saúde humana e ambiental”, destaca Naiara Bittencourt, assessora jurídica da Terra de Direitos e integrante do Grupo de Trabalho Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia. Naiara também é integrante da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
A análise em outras comissões converge com o compromisso assumido por Pacheco no Ato pela Terra, realizado em Brasília (DF) em março de 2022, de que nenhum projeto com potencial impacto socioambiental seria tratado sem a tramitação e apreciação devidas.
A movimentação mais recente da bancada ruralista na defesa do Pacote do Veneno aconteceu no dia 26 de abril. Deputados vinculados à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) reuniram assinaturas suficientes para apresentar um pedido de urgência para a apreciação do PL pelo Plenário, sem o debate necessário nas comissões.
“O Pacote do Veneno tornará ainda mais simples e mais rápida a liberação dos agrotóxicos no Brasil. Por exemplo, se confere maior poder ao Ministério da Agricultura e menor peso aos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente. Estabelece-se uma série de prazos rápidos para que os órgãos federais registrem os agrotóxicos. Cria-se uma infinidade de possibilidades de registros de produtos perigosos de forma temporária, sem as devidas análises de riscos. Pode-se permitir o registro de produtos que ‘causem riscos aceitáveis’ à saúde e ao meio ambiente, tirando a proibição atual de registro de produtos cancerígenos”, complementa Bittencourt.
Desde 2019, outro projeto de lei aguarda avaliação do requerimento de apreciação, em regime de urgência – neste caso pela Câmara dos Deputados. De iniciativa popular, o Projeto de Lei 6.670/2016 institui a Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos (PNARA). Diante de seguidas legislaturas com predomínio de parlamentares vinculados ao agronegócio, a medida apoiada por organizações e movimentos populares, como a Articulação Nacional de Agroecologia e a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, além de universidades e especialistas no assunto, encontra fortes resistências para avanço legislativo.
Para o deputado federal Nilto Tatto (PT/SP), é muito importante debater a mudança na legislação relacionada aos agrotóxicos no Brasil, mas uma ressalva relevante deve ser feita, uma vez que tramitam no Congresso diferentes projetos de lei diretamente relacionados à temática. “Nós temos uma necessidade muito grande de atualizar a legislação, evidentemente, na perspectiva agroecológica. Para isso, nós precisamos aprovar o projeto de lei que está na Câmara, já pronto para ir para Plenário, que cria a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA). Isso é completamente inverso ao que ocorreu na Câmara no ano passado, quando foi aprovado um projeto, que agora está no Senado, que flexibiliza mais ainda a legislação brasileira para liberar novos agrotóxicos, tirando o papel importante que o Ibama e a Anvisa têm para o controle sobre o uso dos agrotóxicos na agricultura brasileira.”
Tatto, que também é coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, ressalta que essas disputas que são travadas na Câmara impactam no próprio modelo de agricultura que o Brasil precisa repensar. Para o deputado, a mudança na legislação não pode reforçar o atual modelo de agricultura que predomina no Brasil e que gera graves consequências na saúde das pessoas e no meio ambiente. Deve ir no sentido oposto, favorecendo a criação de políticas e garantindo subsídios que privilegiam a agricultura orgânica e agroecológica. “Hoje, quem produz com veneno tem mais subsídio do que quem produz sem veneno. E aí, o subsídio, por meio das políticas públicas, é fundamental para poder definir qual o caminho, qual a linha que nós precisamos adotar”, argumenta.
A aprovação da PNARA é urgente, destacam organizações, porque ela dialoga diretamente com uma das prioridades assumidas pelo governo federal, que é combater a fome e a insegurança alimentar na qual se encontra parcela significativa da população brasileira. “A PNARA é estratégica para enfrentar a fome, mas com produção de comida saudável”, afirma Tatto. O deputado ainda considera que, assim como a PNARA, as políticas e programas públicos de apoio à agroecologia e agricultura orgânica são fundamentais para enfrentar os impactos do atual modelo de agricultura no meio ambiente, na saúde e no orçamento público, uma vez que “gasta-se muito dinheiro para curar as doenças causadas pelo veneno que vai no alimento”.
Para Tatto, uma política que estimula a produção sustentável e a redução do uso de agrotóxicos também é vantajosa do ponto de vista comercial, pois o Brasil corre o risco de perder mercado devido ao uso intensivo de veneno e fertilizantes químicos. “A PNARA é estratégica para o Brasil assegurar o seu papel não só como produtor de alimentos para todos os brasileiros, mas também para os países que importam alimentos do Brasil e estão cada vez mais exigentes com relação ao debate das mudanças climáticas e da qualidade do alimento. E a qualidade do alimento passa pela diminuição do uso de agrotóxicos e de fertilizantes químicos”, conclui.
Retomada do diálogo do governo federal com a sociedade civil
Apesar dos benefícios da PNARA serem bem evidentes, é um grande desafio fazer esse debate avançar no Congresso Nacional, principalmente, por causa da bancada ruralista, que é um dos grupos parlamentares com mais força política dentro da Câmara e que defende os interesses dos grandes conglomerados de toda a cadeia do agronegócio. A PNARA está pronta para votação desde 2018, mas para ser pautada depende da vontade política do presidente da Câmara dos Deputados, que atualmente é Arthur Lira. Uma vez pautada, precisa de maioria de votos para aprovação. “A bancada ruralista tem, de certa forma, o papel hegemônico do Centrão. E o Centrão é muito grande, é muito forte, tem a Presidência da Câmara. Só para vocês terem uma ideia, o presidente Lira faz parte do Centrão e também ele é, de certa forma, um militante orgânico da bancada ruralista. Então, tem uma dificuldade muito grande”, explica Tatto.
Por outro lado, as mudanças ocorridas no Poder Executivo após o início do Governo Lula vêm permitindo a retomada do diálogo da sociedade civil com ministérios e outros órgãos da administração pública federal e a volta de políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar e de promoção da agroecologia e da segurança alimentar e nutricional.
De acordo com Tatto, essas mudanças tornam o ambiente político mais propício para fazer o debate sobre as mudanças na legislação relacionada aos agrotóxicos e para avançar nas reivindicações das organizações e movimentos sociais. “A sociedade pode pressionar para que o poder público compre alimentação saudável e pressionar para que mude a política de apoio do Estado. É preciso adotar políticas diferenciadas para poder valorizar quem produz de forma agroecológica. A agricultura, em toda a história, precisou de subsídio e sempre vai precisar de subsídio, porque quem produz precisa ter renda e o alimento precisa ser acessível para quem consome. E o poder público pode estar no meio desse caminho, como facilitador desse processo.”
Naiara Bittencourt também compartilha da percepção de que a incidência da sociedade civil é determinante para as iniciativas avançarem tanto nas casas legislativas como nos órgãos de governos municipais, estaduais e federal. “A pressão popular é fundamental para que esse avanço ocorra (aprovação da PNARA no Congresso Nacional). Mas também pode ser cobrada a implementação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos, este no âmbito do Poder Executivo, com pressão aos ministérios, especialmente da Saúde, Meio Ambiente e Agricultura. Políticas estaduais e municipais de redução de agrotóxicos também podem ser elaboradas”, analisa.
A reinstalação de instâncias institucionais de participação social, como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), entre outros, também são estratégicos para reabrir o diálogo do governo com movimentos sociais. São espaços importantes para reivindicação, formulação, controle e avaliação das políticas públicas que se relacionam com as demandas dos povos do campo, das florestas, das águas e das cidades. “A retomada dos espaços de participação, das conferências, dos outros conselhos que dialogam de certa forma com a agricultura, com modelos de agricultura, é fundamental. O governo precisa ouvir e saber que precisa ter o acompanhamento mais de perto da sociedade”, afirma Tatto.