Foto: Revlon

A icônica Megan Thee Stallion, um dos grandes nomes do Rap mundial da atualidade, em uma carta aberta no New York Times, trouxe à tona temas necessários para os tempos de hoje, entre eles a luta pela proteção e as conquistas das mulheres negras, que foram apagadas com o tempo, e pedir um basta nos estereótipos criados em cima dessas mulheres, enfatizando a objetificação de seus corpos.

Além disso, Megan comenta diversas questões relacionadas à sua vivência,as eleições dos Estados Unidos, que acontecerão em novembro deste ano, além de mencionar o recente caso em que foi alvejada por disparos do rapper Tory Lanez.

Leia a carta completa:

Nas semanas que precedem a eleição, espera-se novamente que as mulheres Negras entreguem a vitória aos candidatos Democratas. Nós fomos de ser incapazes de votar legalmente para um bloco eleitor altamente cortejado — tudo em pouco mais de um século.

Apesar disso e apesar da forma como tantos abraçaram as mensagens sobre a justiça racial neste ano, as mulheres Negras ainda são constantemente desrespeitadas e desconsideradas em tantas áreas da vida.

Eu fui recentemente vítima de um ato de violência de um homem. Depois de uma festa, eu levei dois tiros enquanto andava para me afastar dele. Nós não estávamos em um relacionamento. Na verdade, eu estava chocada que fui parar naquele lugar.

Meu silêncio inicial sobre o que aconteceu foi por medo por mim e pelos meus amigos. Até como vítima, eu já fui vista com ceticismo e julgamento. A forma com que as pessoas questionaram e debateram publicamente se eu tive um papel na violência que eu mesma sofri prova que meus medos de discutir o que aconteceu eram, infelizmente, justificados.

Após muita auto-reflexão sobre aquele incidente, eu percebi que a violência contra as mulheres não é sempre conectada a estar em um relacionamento. Ao invés disso, acontece porque homens demais tratam todas as mulheres como objetos, o que os ajuda a justificar o abuso que infligem a nós quando escolhemos exercer nossa própria liberdade.

A partir do momento que começamos a navegar as complexidades da adolescência, nós sentimos o peso dessa ameaça, e o peso de expectativas contraditórias e concepções prévias mal direcionadas. Muitas de nós começam a colocar muito valor em como somos vistas por outros. Isso é se sequer formos vistas.

A questão é ainda mais intensa para mulheres Negras, que lutam contra estereótipos e são vistas como bravas ou ameaçadoras quando tentamos nos levantar e falar por nós e por nossas irmãs. Não há muito espaço para falar de forma apaixonada sobre causas se você for uma mulher Negra.

Eu recentemente usei o palco do ‘Saturday Night Live’ para repreender fortemente o procurador geral de Kentucky, Daniel Cameron, por sua conduta terrível em negar justiça a Breonna Taylor e à sua família. Eu esperava alguma repercussão: qualquer um que segue a liderança do deputado John Lewis, o saudoso gigante dos direitos civis, e causa ‘problemas bons, problemas necessários,’ corre o risco de ser atacado por aqueles confortáveis com o status quo.

Mas quer saber? Eu não tenho medo das críticas. Nós vivemos em um país onde nós temos a liberdade para criticar oficiais eleitos. E é ridículo que algumas pessoas acreditem que a simples frase ‘Proteja mulheres negras’ é controversa. Nós merecemos ser protegidas como seres humanos. E nós temos direito à nossa raiva sobre uma lista enorme de tratamentos errados e negligências que sofremos.

A taxa de mortalidade maternal para mães Negras é quase três vezes maior do que a de mães brancas, um sinal óbvio de viés racial na saúde. Em 2019, um número astronômico de 91% de pessoas transgênero ou sem conformidade de gênero que sofreram tiros fatais foram Negras, de acordo com o Human Rights Campaign.

Para além de ameaças à nossa saúde e às vidas, nós confrontamos tanto julgamento e tantas mensagens conflituosas todos os dias.

Se usamos roupas apertadas, nossas curvas viram o tópico de conversas não apenas nas redes sociais, mas também nos ambientes de trabalho. O fato que Serena Williams, a maior atleta de qualquer esporte na história, teve de se defender por usar um maiô no French Open de 2018 é prova positiva de quão mal orientada é a obsessão pelo corpo das mulheres Negras.

Eu saberia. Eu já recebi um bom bocado de atenção pela aparência além do meu talento. Eu escolho minhas próprias roupas. Deixe eu repetir: eu escolho o que eu uso, não porque eu estou tentando apelar aos homens, mas porque eu estou mostrando orgulho da minha aparência, e uma imagem corporal positiva é central a quem eu sou como mulher e artista. Eu valorizo elogios de mulheres muito mais do que de homens. Mas os comentários sobre como eu escolho me apresentar frequentemente são cheios de julgamento e cruéis, com muitos assumindo que eu estou me vestindo e me apresentando para o olhar masculino. Quando nós mulheres escolhemos capitalizar sobre nossa sexualidade, para recuperar o nosso PRÓPRIO poder, como eu fiz, nós somos difamadas e desrespeitadas.

Em toda indústria, as mulheres são jogadas umas contra as outras, mas especialmente no Hip Hop, onde parece que o ecossistema dominado por homens só pode lidar com uma rapper mulher por vez. Incontáveis vezes, as pessoas já tentaram me jogar contra a Nicki Minaj e a Cardi B, duas incríveis artistas e mulheres fortes. Eu não sou ‘a nova’ ninguém; todas somos únicas de nossos próprios jeitos.

Não seria legal se garotas Negras não fossem inundadas com comentários negativos, sexistas sobre mulheres Negras? Se ao invés disso elas ouvissem sobre as muitas coisas importantes que alcançamos? Foi preciso um grande filme, ‘Estrelas Além do Tempo’, para introduzir o mundo à matemática de pesquisa da NASA Katherine Johnson. Eu gostaria de ter aprendido na escola sobre essa história, bem como sobre outras conquistas mais terrenas: que Alice H. Parker patenteou o primeiro forno doméstico, ou que Marie Van Brittan Brown criou o primeiro sistema de segurança para casas. Ou que as mulheres Negras, tão frequentemente nas sombras de tais conquistas, na verdade empoderaram o movimento de direitos civis. É importante notar que seis das estudantes Little Rock Nine cuja bravura em 1957 levou à integração escolar eram garotas Negras. E que Rosa Parks mostrou uma bravura incrível quando se recusou a ir para a “seção de cor”. Eu queria que toda pequena garota Negra aprendesse que o Black Lives Matter foi co-fundado por Patrisse Cullors, Alicia Garza e Opal Tometi.

Andando no caminho aberto por lendas como Shirley Chisholm, Loretta Lynch, a deputada Maxine Waters e a primeira mulher Negra a ser eleita para o Senado dos EUA, Carol Moseley Braun, minha esperança é que a candidatura para vice-presidente de Kamala Harris vá se transformar em uma era em que as mulheres Negras em 2020 não estão mais ‘fazendo história’ por conquistar coisas que deveriam ter sido conquistadas décadas atrás.

Mas isso vai levar tempo, e mulheres Negras não são ingênuas. Nós sabemos que depois que o último voto for feito e que a votação for contada, nós provavelmente voltaremos a lutar por nós mesmas. Porque pelo menos por enquanto, é tudo que temos.