O que diz a legislação sobre as jogadoras do futebol feminino que desejam ou são mães

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Por Tatiana Abreu

Mãe, lactante, mulher e jogadora de futebol. Durante muitos anos, essa não poderia ser uma referência a uma mulher só. O machismo e o preconceito prejudicaram – e ainda prejudicam – o crescimento e desenvolvimento do futebol feminino no Brasil e no mundo. Carreira curta, dependência, exclusão e falta de respaldo legislativo acaba afastando atletas da gravidez.

Tamires, de 35 anos, lateral da seleção brasileira, é a única mãe de toda a equipe de jogadoras. A atleta, que foi mãe aos 21 anos, teve que deixar o futebol de lado por quase quatro anos para cuidar do filho Bernardo. Em muitas entrevistas, Tamires ressaltou o medo que sentiu ao descobrir a gravidez e também de parar de jogar futebol.

Muitas atletas acreditam que viver a rotina de maternidade com os treinos de alto rendimento, viagens e jogos, é impossível. Mas isso se deve a falta de apoio e estrutura do futebol feminino com suas atletas. Esse assunto vem sendo discutido com mais força após a Copa do Mundo de Futebol Feminino em 2019, sediada na França, em que o futebol feminino foi visto como uma potência e motivo de investimento no mundo inteiro. Desde então, a Federação Internacional de Futebol (FIFA) vem impulsionando a profissionalização da modalidade implementando uma “Estratégia Global”. A partir disso, confederações no mundo todo passaram a adaptar seus sistemas e implementar as novas normas.

Desenvolvimento dentro e fora de campo, igualdade de gênero e liderança feminina, campanhas de incentivo e o empoderamento feminino têm sido assuntos levantados pela entidade. No entanto, junto com o processo de profissionalização, um passo importante foi olhar para o direito das mulheres inerentes à sua condição humana dentro deste sistema.

A FIFA estabeleceu, no ano de 2020, padrões mínimos trabalhistas que deveriam ser seguidos pelas equipes de futebol feminino com intuito de entrarem em vigência em 2021. As mudanças feitas no Regulamento do Estatuto e Transferência de Jogadores (RSTP), que diz respeito às garantias necessárias para proteger melhor as condições de trabalho das jogadoras – no novo artigo 18, nº 7 do RSTP)

Mas no país em que a menos de 50 anos não era nem autorizada a prática do futebol feminino, em que um dos argumentos contra a prática era a própria preservação da maternidade, existem algumas dificuldades para seguir as regras da FIFA. A falta de inclusão das mulheres na Lei Geral do Desporto e a não profissionalização dessas atletas (como a carteira de trabalho), fazem com que algumas regras não tenham o mesmo peso e efeito para as brasileiras. Para as que assinam carteira, recorre-se à Consolidação das Leis do Trabalho para garantir direitos mínimos para a mãe, mulher e atleta.

Entenda as regras estabelecidas pela FIFA

No caso de uma gravidez, a entidade define que “a jogadora tem direito à licença-maternidade, definida como um período mínimo de 14 semanas de ausência remunerada – com pelo menos oito semanas após o nascimento – durante a vigência do contrato, pago no equivalente a dois terços do seu salário contratado.” Da mesma forma, é obrigação do clube reintegrar a atleta e fornecer suporte contínuo e adequado. Podendo amamentar o bebê e/ou extrair leite, se necessário. Os clubes também devem fornecer informações adequadas e instalações de acordo com a legislação nacional aplicável ou ao chegarem a um ponto comum.

Há, ainda, uma garantia durante o processo de gestação, mas deixa em aberto um diálogo entre clube e atleta para que sejam feitos “combinados” entre si tanto ao apoio como aos serviços prestados. O artigo diz: “A fim de garantir que as jogadoras grávidas não sejam colocadas em risco, caso optem por continuar a prestar serviços, as jogadoras têm o direito de receber aconselhamento médico independente. As jogadoras grávidas também devem ter o direito de fornecer serviços ao seu clube de forma alternativa. Nesses casos, o clube tem a obrigação de respeitar esta decisão e trabalhar com o jogador para formalizar um plano para seu trabalho alternativo.”

O regulamento prevê, inclusive, a substituição de jogadoras fora da janela em virtude da licença maternidade. Da mesma forma, uma jogadora que terminar o período de licença poderá ser inscrita excepcionalmente fora dos prazos habituais. “Os clubes podem excepcionalmente inscrever uma jogadora fora do período de inscrição para substituir temporariamente outra jogadora que tirou licença de maternidade.” Ano passado, o Cruzeiro conseguiu inscrever a atacante Fernanda Tipa, que atuava no Famalicão, de Portugal, mesmo após o fechamento da janela de transferências internacionais ao utilizar as novas normas como respaldo.

Outro ponto importante é em relação a demissões e rescisão de contratos de mulheres grávidas ou dentro de seu período de licença. “Se um clube rescinde unilateralmente um contrato porque uma jogadora está ou ficou grávida, se considerará que o clube rescindiu o contrato sem justa causa. Esta rescisão será considerada uma circunstância agravante. Além da obrigação de pagar uma indenização, serão impostas sanções esportivas e uma multa a todo clube que rescindir unilateralmente um contrato por uma jogadora estar ou ficar grávida”, se descreve no artigo 18.

Recentemente, acompanhamos o caso da meio-campista islandesa Sara Björk Gunnarsdóttir que venceu uma ação na FIFA contra o Lyon por não pagar salários durante a gestação. Sara Björk lutou para receber o salário integral por parte do clube durante toda a gestação, até entrar em licença maternidade. Após uma batalha judicial que durou cerca de um ano e meio, o Tribunal de Futebol da Fifa condenou o Lyon a pagar 82. 094,82 euros à jogadora, valor referente à diferença entre os salários devidos e o que foi efetivamente pago no período.

O direito à maternidade durante a carreira profissional ainda é uma preocupação pertinente dentre as jogadoras do futebol feminino no país e no mundo. O abismo diante da falta de equidade entre o futebol feminino e masculino continua enorme e este é só um tema que evidencia ainda mais isso. No entanto, devemos celebrar os avanços e nos manter sempre atentos para que as regras de respeito e proteção aos direitos das atletas sejam cumpridas.