Conflito se estende há décadas, colocando a segurança alimentar dos indígenas em perigo

Imagem: Divulgação/ Ducoco

Por Maria Vitória de Moura

A Ducoco é uma das principais exportadoras brasileiras de derivados de coco, como a água, o óleo, o leite e a fruta ralada. Em 2015, quando começou suas exportações para a América Latina, a marca recebeu o selo Rainforest, sendo a primeira empresa brasileira do agronegócio de coco a receber o título, que certifica boas práticas sustentáveis e de respeito às Terras Indígenas.

“A certificação recebida premia um trabalho que vem sendo feito desde 2013, quando a Ducoco passou a seguir rigorosamente todas as diretrizes RainForest em suas unidades. Para nós é de extrema importância atestar que nosso produto é proveniente das melhores práticas agrícolas e conserva os recursos naturais, além de garantir a segurança e bem-estar dos nossos funcionários”, disse Gilberto Mendonça Lima, então diretor Agrícola da Ducoco, sobre a premiação.

Atualmente, a Ducoco afirma que toda a extração e produção da marca continua situada no Ceará, estado onde a empresa surgiu, em 1982, dando continuidade a o que seus criadores chamam de “tradição”. Além disso, a marca possui grandes parcerias internacionais, sendo uma delas com a empresa estadunidense Vita Coco. Desde de 2011, a Ducoco exporta os produtos provenientes do coco para a empresa estadunidense. As marcas se tornaram famosas por aparecimentos importantes em suas campanhas, como a cantora Madonna, que chegou a investir nas empresas.

Porém, apesar do reconhecimento internacional de suas aparentes boas práticas e dos selos conquistados no decorrer dos anos, o surgimento da empresa marca, também, o início dos conflitos decorrentes da invasão de parte da Terra Indígena (TI) Tremembé de Almofala, no município de Itarema.

Segundo o relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas“, feito pelo De Olho Nos Ruralistas, a Ducoco realmente cultiva e extrai coco através de fazendas e fábricas próprias no Ceará, sendo duas delas localizadas dentro da TI Tremembé de Almofala. O relatório afirma que uma das propriedades, a Fazenda São Gabriel, tem 76,7% da sua extensão sobreposta à TI. A segunda propriedade, conhecida como Fazenda Aguapé, também possui 274,83 hectares dentro do território Tremembé.

Embora o processo de demarcação da TI Tremembé de Almofala tenha iniciado em 1986, a história do território Tremembé é secular, sendo local de vivência dos indígenas desde 1857. A histórica relação dos indígenas com o território passou a ser completamente desrespeitada após a empresa Ducoco, cuja sede se localizava em São Paulo, comprar as terras que compunham o território.

Em 1979, o grupo paulista chegou no Ceará após comprar as terras através com  financiamento da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Logo após a compra, a empresa  expulsou todas as famílias Tremembé residentes na aldeia Tapera, sob a alegação de que o local estava incluído na transação comercial. A expulsão foi violenta, utilizando do fogo como arma na expulsão dos indígenas.

“Acampamentos que foram tocados fogo. Os indígenas reconstruíram tudo. Houve muitas perseguições. Alguns chegaram a falecer por causa da pressão”, relata o indigenista Florêncio Braga de Sales, da Associação Missão Tremembé.

O conflito se estendeu durante décadas, tendo colocado a segurança alimentar dos indígenas em perigo diversas vezes, a exemplo da grande seca dos anos 2000, quando a Associação Missão Tremembé realizava a doação de alimentos às aldeias Tremembé, mas eram barrados pela Ducoco na entrada do território.

“Então, quando levava no carro, chegava no portão da empresa Ducoco, era barrado, não entrava ninguém. Proibiam radicalmente de entrar para entregar aos indígenas. [Até que] conseguimos, junto à Procuradoria, levar gente para falar com o chefe para abrir”, conta Florêncio.

Ainda hoje, o conflito continua vitimando os indígenas e colocando sua segurança física, psicológica e alimentar em risco. Em fevereiro de 2023, a Ducoco pediu a nulidade do processo de demarcação da TI Tremembé de Almofala. O pedido foi negado pelo juiz Marcelo Sampaio, da 27ª Vara Federal de Itapipoca (CE). Em sua decisão, o juiz encontrou inconsistências na versão da empresa, apontando um possível indício de grilagem ou de fraude cartorial.

Atualmente, cerca de oito mil indígenas vivem na região, sendo quatro mil na TI Tremembé de Almofala, divididos em 15 aldeias. Além da disputa pelo território, marcada pela violência, os indígenas denunciam a poluição de rios pela pulverização aérea com agrotóxicos.

POSICIONAMENTO DUCOCO

O Grupo Ducoco (Ducoco Alimentos, Ducoco Produtos e Malibu) e em nome de seus acionistas, informa, em relação às notícias sobre conflitos em terras disputadas e veiculados pela imprensa, que:

1. A DUCOCO não é proprietária ou mantém qualquer relação societária ou comercial com as fazendas e companhias citadas pela imprensa. Destaca-se principalmente que também não recebe quaisquer insumos provenientes das áreas em conflito neste caso em particular ou em qualquer outro semelhante.

2. Explicações sobre a situação das fazendas São Gabriel e Aguapé, em Itarema, Ceará, devem ser buscadas junto ao Judiciário, onde ocorre a discussão formal, e junto às partes envolvidas, o que exclui a DUCOCO do debate, visto que as fazendas são propriedade da Agrico Plantio.

3. É política ativa da DUCOCO a preservação dos valores éticos em toda a sua cadeia de valor, incluindo questões fundiárias, trabalhistas e econômicas.

4. Os documentos jurídicos comprobatórios da situação do Grupo Ducoco encontram-se à disposição na sede da empresa para exame pelos interessados.