Eles diziam ter uma ordem de reintegração de posse, mas os “documentos” eram armas (Reprodução)

 

Se passando por policiais, no dia 11 de maio pistoleiros queimaram as casas de camponeses do lote 96, da Gleba Bacajá, que fica em Anapu (PA). A Justiça do Pará, por sua vez, negou que havia uma ordem de reintegração de posse para o local. Vale ressaltar, as ordens de reintegração de posse estão suspensas em todo o país.

No local, vivem 54 famílias, 25 crianças. Assim como as outras vítimas da ação criminosa, Roniele perdeu tudo. “Eles chegaram em casa e me mandaram ir embora. Tocaram fogo na minha casa. Disseram que era uma reintegração de posse e que ia sair um por um, mesmo se não quisesse. E se desse a cara para eles ia morrer”.

A vizinha dela, Selma, chegou a questionar se eles tinham um mandado de busca e apreensão. “E ele mostrou a arma para mim. Eu pedi o documento, se ele tinha a reintegração a posse e ele me mostrou a arma: ‘o documento tá aqui. Eu com minha filha chorando do lado, pedindo socorro, a casa pegando fogo, não tinha como a gente tirar nada de dentro”.

O MPF anunciou que está apurando as denúncias do ataque de grileiros contra os agricultores e pediu à Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal que operem no local com urgência, com o objetivo de resguardar a integridade física dos moradores e a apuração dos fatos.

Esse é o mesmo município onde a missionária Dorothy Stang foi assassinada em 2005. A região é marcada pela violência que resulta da disputa fundiária. Invasores seguem aterrorizando pequenos agricultores em nome da indústria da extração ilegal de madeira e grilagem.

Como o atual governo zerou o investimento em reforma agrária no país – dando apenas títulos de terras a agricultores que já conseguiram assentamento – essas famílias do Lote 96 estão em situação mais desfavorável, pois esperam pela regularização do assentamento.

Liderança da comunidade, Erasmo Teófilo conta que a situação está muito pior nos últimos anos, principalmente, com a chegada do governo Bolsonaro. “Gostaria de ressaltar que toda essa situação que aconteceu ontem ela não é uma situação que vem de ontem, é uma ação coordenada de um grupo. Ela já vem de todos os conflitos passados e agora tem se agravado mais. As últimas ações que culminaram com essa agora foi uma tentativa de criminalização da comunidade e minha, como liderança”, desabafa. Ele é assistido pelo programa de proteção a defensores de direitos humanos por causa de ameaças a sua vida.

Segundo o MPF, no caso específico das terras em disputa no lote 96, trata-se de uma área pública federal e o pretenso dono teve o título de propriedade cancelado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a pedido do MPF, em ação civil pública.

A área está em processo de se tornar um assentamento de reforma agrária e já foi feita vistoria no imóvel, com posterior confecção um laudo agronômico de fiscalização.

Além de pedir a presença da polícia, o MPF informou sobre a situação para o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), com envio de ofícios para o promotor de Justiça de Anapu e para a promotoria agrária em Altamira.

Foram pedidas providências também à Secretaria de Estado de Segurança Pública do Pará (Segup) e à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), para reforço da segurança no local.