Mais de 100 famílias de agricultores sonham com a concretização do PA Dorothy Stang (Foto: Mídia Ninja)

 

O alívio que os moradores dos Lotes 96 e 97, da Gleba Bacajá em Anapu (PA) sentiram dias atrás, ao verem legalizado o assentamento de reforma agrária, deu lugar à ansiedade. Dois dias depois, a superintendência regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no oeste do Pará, enviou à presidência do órgão, pedido de revogação da Portaria Nº 1.319, de 28 de junho de 2022, que cria o Projeto de Assentamento Dorothy Stang.

A Comissão Pastoral da Terra destaca que a decisão de criação do PA, que havia sido celebrada pelos movimentos de luta pela terra na região, “recebeu forte pressão dos grupos ligados ao agronegócio”.

Quem assina o despacho endereçado ao presidente do Incra, Geraldo de Melo Filho, é o diretor de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento, Giuseppe Serra Seca Vieira. No documento, alega que a revogação do ato se deve à “necessidade de qualificar melhor o procedimento administrativo”. Ele justifica que ocorreu “um erro de instrução por parte da Diretoria de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento”.

Segundo Giuseppe, o Conselho Diretor deveria deliberar sobre o assunto. “Compete ao Conselho Diretor autorizar o presidente do Incra a declarar de interesse social para fins de criação de projetos de assentamento de reforma agrária, de área pública sobre gestão do Incra”. E que, depois de revogada a portaria de criação do PA Dorothy Stang, o processo retornará à Diretoria de Desenvolvimento para continuidade de instrução.

Em uma Recomendação Conjunta ao presidente do Incra, defensores Públicos da União e do estado do Pará reagiram à decisão e recomendaram ao Incra que mantenham a criação do PA, solicitando que o Incra “deixe de adotar medidas que impliquem na revogação ou invalidação da portaria”. Eles apontaram fragilidade de argumentos do diretor, para justificar o pedido de revogação da criação do Projeto de Assentamento. O documento assinado pelos defensores afirma que não é necessária a declaração de interesse social.

Os defensores concederam dez dias para que o Incra se manifeste, pelo sim ou pelo não do acolhimento da recomendação, destacando que “poderão ser adotadas as medidas legais pertinentes ao resguardo dos direitos” dos assentados.

Os defensores rebateram o diretor, dizendo que “historicamente o Incra tem adotado o mesmo procedimento que culminou na edição e publicação da portaria para criação de assentamentos na Amazônia legal a partir da resolução de Contratos de Alienação de Terra Pública (CATPs), independentemente, portanto, de declaração prévia de interesse social”.

E alertam que a “adoção precipitada de novo entendimento pode instaurar um cenário de total insegurança jurídica em relação a outros atos do INCRA que já produzem efeitos, bem como incentivar os conflitos fundiários violentos”.

Sinalizaram também que o Incra está passível de ter que indenizar os moradores, pelos ”comportamentos contraditórios” do órgão, descrevendo que pode ter que “indenizar aqueles que sofreram danos decorrentes da frustração de suas legítimas expectativas”.

Na Recomendação Conjunta os defensores relembram ao Incra sua função institucional de realizar política da reforma agrária. E que é urgente ação quanto aos lotes 96 e 97 da Gleba Bacajá, “ocupados há muitos anos por cerca de 100 famílias de pequenos agricultores com perfil compatível com a reforma agrária”.

Lembrou também que eles vêm sendo vítimas de conflitos fundiários há cerca de 11 anos, com tentativas sucessivas de remoção forçada dessas áreas e que “os conflitos possessórios se acirraram a níveis alarmantes nos últimos meses”. Especialmente, no dia 11 de maio, quando duas residências do Lote 96 foram invadidas e incendiadas por pistoleiros encapuzados e fortemente armados. Eles se identificaram como policiais, que estariam cumprindo uma suposta ordem judicial de reintegração de posse.

“Tal situação foi descrita em relatório elaborado pelo Incra”. Neste, o órgão reconheceu que “houve danos materiais às famílias que tiveram suas residências queimadas e morais e psicológicos, além deles, aos demais ocupantes das áreas, pois passaram a conviver com constante medo de novos ataques e intimidações”.

Como foi dito, o Incra tem dez dias para se manifestar.