Majur estava concentrada em avançar em sua transição para o gênero feminino quando atendeu ao chamado da comunidade

Majur é chefe da aldeia Apido Paru, que fica em Rondonópolis (MT) (Arquivo pessoal)

 

Primeira mulher transexual a liderar uma aldeia indígena, a cacica Majur Harachell Traytowu, 29 anos, defendeu em entrevista à Agência Brasil, que as pessoas trans precisam de oportunidades. Sendo reconhecidas, poderão também elas, ocupar espaços e assumir posições de liderança.

“Só temos que ter oportunidade de mostrar o nosso trabalho. Se a gente não tiver oportunidade, a gente vai estar sempre nessa posição de esquecimento e de dúvidas sobre a gente. Vão pensar que a gente não é capaz e que não consegue”.

Majur ressalta que quando foi convocada a assumir o posto do seu pai, o cacique da aldeia bororo Apido Paru, estava concentrada em avançar em sua transição para o gênero feminino e iniciar o tratamento com hormônios. Mas ainda assim, agarrou a oportunidade e se tornou uma cacica. “A gente fez um breve estudo, e parece que existe ‘cacica’ [feminino de cacique]. Então, estão me tratando mais como ‘cacica'”, conta ela, que assim prefere ser chamada.

A luta contra o retrocesso dos direitos indígenas é um dos seus maiores desafios na atualidade, pois foi sempre acolhida pela comunidade. “Nunca ninguém me questionou [como líder]. Nunca falaram nada. Nunca tive esse problema”, afirma. Majur diz ainda que considera que o respeito às pessoas trans é uma realidade no povo bororo, mas não é uma constante entre todos povos indígenas.

Foi só longe da aldeia que vivenciou situações de discriminação e deboche. “Uma vez, eu estava na rua, e duas senhoras falaram comigo: ‘Nossa, não sabia que tinha ‘índio gay’, ‘índio viado’. Mas eu sou uma pessoa bem tranquila e relevo muitas coisas”.

Os maiores desafios, certamente enfrentou durante o governo Bolsonaro. “Foi um momento bem difícil, em que a gente teve que lutar, resistir, persistir também aqui na aldeia frente a esse governo”. Cortes ou redução de recursos, bem como a falta de medicamentos fizeram com que Majur tivesse que buscar apoio.

Completando dois anos à frente da aldeia, deixar o posto ainda não está entre seus planos. Primeiro, quer cuidar da família, da comunidade. Mas os sonhos de estudar enfermagem e avançar no processo de redesignação de gênero estão mantidos.