(Foto: Emily Pinna/CIFOR)

 

Em 2021 a Organização das Nações Unidas lançou o programa Década da ONU da Restauração de Ecossistemas, com objetivo de inspirar e apoiar governos, organizações multilaterais, sociedade civil, empresas do setor privado, jovens, grupos de mulheres, povos indígenas, agricultores, comunidades locais e indivíduos em todo o mundo, para colaborar, desenvolver e catalisar iniciativas de restauração em todo o mundo.

Desde que foi lançada, em meados de 2021, a Década da Restauração da ONU já registrou o compromisso de 115 países, que somam cerca de 1 bilhão de hectares a serem recuperados – uma área maior do que a China.

Mas no caso do Brasil, mesmo com muitas iniciativas significativas, o avanço do desmatamento e desmonte ambiental colocam em xeque o papel do país na Década da ONU, como destaca reportagem de ((o))eco.

Ao analisar o cenário brasileiro, o coordenador do programa, Tim Christophersen disse que o Brasil tem se destacado pelos projetos de restauração em curso, mas numa perspectiva macro, está longe de ser referência. Em entrevista a ((o))eco, ele disse que é importante saber que talvez existam bons exemplos de restauração no Brasil, mas que ainda não o faz um exemplo como país para a Década da ONU.

“A Década é sobre prevenir, frear e reverter a degradação de ecossistemas. Enquanto o Brasil continuar a dizimar a Amazônia, isso não pode ser compensado pelos esforços de restauração em outros lugares”.

Tim reforça ainda que para reviver ambientes degradados é preciso ciência, esforço, dinheiro e múltiplos agentes e evitar que ecossistemas sejam perdidos, para que as iniciativas de restauração não sejam em vão.

Assim como acontece no Brasil, as iniciativas de restauração ao redor do mundo têm acontecido de forma muito fragmentada. Mesmo dentro de um mesmo território ou dentro de um só bioma, elas não necessariamente conversam entre si.

Além do desafio de implementar o programa, a ONU, junto a cerca de 100 parceiros envolvidos na iniciativa ainda tem a tarefa de convencer as nações ao redor do globo a ampliarem os ecossistemas abrangidos em seus programas nacionais de restauração. Mas no Brasil, o caminho é inverso, já que o governo, por exemplo, tenta reduzir as proporções de unidades de conservação e até mesmo, extingui-las.

E vale ressaltar, as metas assumidas até então são voltadas para ecossistemas terrestres. O ideal é que os países assumam o compromisso de restaurar 1 bilhão de hectares de terras degradadas e façam o mesmo com áreas marinhas e costeiras.

O coordenador do Laboratório de Silvicultura Tropical da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP), Pedro Brancalion ressaltou à reportagem que é preciso ir além dos acordos institucionais.

“Muitas vezes não dá nem para chamar de meta, são compromissos generalistas, compromissos descompromissados. Então, realmente não dá para levar muito a sério muito esses compromissos, porque eles nem sempre vêm acompanhados de um plano de execução”.

Mas o pesquisador, que é vice-coordenador do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, vê com bons olhos a campanha da ONU. “Ela cria um momentum, um movimento político de apoio, de animação, divulga empresas”, complementa.

Ao longo das últimas décadas, o Brasil assumiu compromissos em diferentes iniciativas nacionais e internacionais. Como o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, um movimento multissetorial que assumiu como meta restaurar 1 milhão de hectares até 2020. A meta foi cumprida e as organizações envolvidas no Pacto se lançaram em um desafio bem maior: restaurar 15 milhões de hectares até 2030. Também aderiu ao Desafio de Bonn e à iniciativa 20×20; em 2017 foi instituído no país, o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) e foi lançada a Aliança pela Restauração da Amazônia.

Esperança

Segundo Pedro Brancalin, há esperança. Ele aponta que apesar de todas as dificuldades que o Brasil enfrenta na implementação de seus compromissos de restauração, como falta de governança e ausência de recursos, o país ainda consegue certo destaque no assunto.

“Por incrível que pareça, eu diria que hoje o Brasil é o país mais avançado [em restauração de florestas tropicais]. Nós somos líderes na pesquisa em restauração. A maior parte dos artigos de alto nível que têm sido publicados no tema têm a liderança de brasileiros. E é onde a restauração com alta diversidade ocorre há mais tempo. É também onde a gente tem legislação específica para isso, tem muitas organizações locais, muito viveiro, produção de mudas. Temos um know how [sabemos como] que é internacionalmente reconhecido sobre como restaurar florestas tropicais e diversas”, diz o pesquisador.

Miguel Calmon, da Conservação Internacional, concorda. Segundo ele, o Brasil “é o país da vez”, tanto pela qualidade da restauração que promove em seus ecossistemas, quanto pelos benefícios que consegue alcançar com ela.

“Nós temos as políticas públicas em nível federal, estadual e municipal e eu acho que nenhum país tem assim, o pacote inteiro. Nós temos engajamento do setor privado, da sociedade civil, da academia. A restauração integra muito bem no nosso sistema de produção, então eu acho que temos todos os elementos hoje”, diz.

Calmon ressalta que, no final do dia, o que vale é a implementação. Mas sua crença de que o Brasil é capaz de cumprir o desafio é tanta que o fez encerrar sua atuação na IUCN, nos Estados Unidos, para retornar ao país e trabalhar mais de perto nesta tarefa.

“Depois de três anos e meio trabalhando na IUCN, eu botei na minha cabeça o seguinte: eu vou voltar para o Brasil, porque se o país não entregar a meta dele, que é de 12 milhões de hectares [no Desafio de Bonn], eu não acredito que nenhum outro país vá cumprir”.

Apesar dos elogios que recebe, o Brasil tem sofrido com a alta nos índices de desmatamento e queimadas em todos os seus biomas. Somente na Amazônia e no Cerrado o país perdeu 21.766 km² de vegetação, área maior do que o território de El Salvador.

Além disso, o país padece com o desmonte de sua legislação ambiental, com a paralisação e enfraquecimento de mecanismos de comando e controle.

É justamente por estes motivos que, apesar de todos os seus esforços em restauração, o Brasil “definitivamente ainda não é um bom exemplo como país para a Década da ONU”, como ressaltou o coordenador da iniciativa global.

“A Década é sobre prevenir, frear e reverter [a degradação de ecossistemas]. Nós temos que sempre ver isso como um esforço holístico para virar a maré da degradação ambiental e o modo mais rápido e barato é simplesmente parar de destruir”, sintetiza Tim Christophersen.

 

Essa reportagem é parte do projeto Mata Atlântica: novas histórias, que é realizado por ((o))eco e apoiado pelo Instituto Serrapilheira.

Para acessá-la na íntegra e conhecer mais detalhes sobre o assunto, clique aqui.