Cúpula das Américas aumenta a pressão sobre o governo brasileiro para uma resolução do caso

Bruno Pereira é servidor de carreira da Funai e Dom Phillips é jornalista e mora no Brasil há 15 anos. (Reprodução)

Por Júlia Machado para Cobertura Colaborativa NINJA People’s Summit

Às vésperas da Cúpula das Américas, a violência na Amazônia voltou a ser notícia. O indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips desapareceram no domingo dia 05 de junho durante um trabalho na Terra Indígena do Vale do Javari, no estado do Amazonas. Os dois profissionais estavam na segunda maior terra indígena do país para visitar a equipe de Vigilância Indígena e saíram da comunidade ribeirinha São Rafael às 6h em direção à cidade de Atalaia do Norte, onde nunca chegaram. As buscas unem a Funai, a Polícia Federal, o Exército e a Marinha, já que o percurso para Atalaia do Norte atravessa o Rio Itaquaí. 

A região do Vale do Javari tem a maior concentração de povos isolados do mundo e tem sofrido intimidações do garimpo, caçadores e madeireiros ilegais, e até do tráfico internacional de drogas. A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) revelou ao G1 que Bruno Pereira recebia ameaças constantes de garimpeiros, pescadores e madeireiros. O desaparecimento deveria preocupar o governo brasileiro, que sofre pressões nacionais e internacionais para resolver o caso, ainda mais durante a Cúpula das Américas, evento que reúne os líderes do continente para, em tese, promover o desenvolvimento da região, porém pauta uma agenda dos EUA.

A 9º Cúpula acontece em Los Angeles, nos Estados Unidos, e tem como tema  “Construindo um Futuro Sustentável, Resiliente e Equitativo”, terá discussões sobre democracia, justiça social e crise climática, de acordo com a agenda oficial, deixando de fora temas importantes para os povos das Américas como direito à alimentação, moradia e terra. Enquanto isso, o Brasil ainda segue como uma nação estratégica por ser o país com maior biodiversidade do mundo, abrigando 20% do total de espécies registradas no planeta (dados do Ministério do Meio Ambiente), além de abrigar a maior parte da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo que atua diretamente na regulação climática e conta com a maior bacia hidrográfica do planeta. 

A proteção desses recursos deveria ser proporcional à necessidade de conservá-los, mas no governo Bolsonaro o Brasil tem recuado nas leis de conservação ambiental. O país começou 2021 com o menor orçamento do século para o Ministério do Meio Ambiente. Segundo o Observatório do Clima a redução foi de 27,4% do investimento para fiscalização ambiental e combate a incêndios florestais, considerando Ibama e o ICMBio. Pressionado, o governo federal aumentou o valor para ações de controle e fiscalizações ambientais de R$ 85 milhões para R$ 236 milhões, mas na prática nem metade do recurso foi usado (apenas R$ 95,2 milhões foram efetivamente gastos).

O cenário no país é desolador. O ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse em reunião ministerial com o presidente que o governo deveria aproveitar o foco das notícias gerado pela pandemia de Covid-19 para ir “passando a boiada” e flexibilizar a regulamentação ambiental sem a devida aprovação do Congresso. O presidente Jair Bolsonaro se vangloria ao dizer que “no meu governo não foi demarcada terra indígena” e ainda incentiva o armamento dos fazendeiros e latifundiários. Grupos preservacionistas e povos tradicionais muitas vezes enfrentam o próprio governo para garantir a proteção ambiental.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública elaborou um estudo da em parceria com o Instituto Clima e Sociedade (ICS) e com o Grupo de Pesquisa Territórios Emergentes e Redes de Resistências na Amazônia (TERRA), a Cartografia das Violências na Região Amazônica, onde revela que desde os anos 2000 observa-se o fenômeno de interiorização da violência, e que as cidades da Amazônia Legal têm sido diretamente afetadas por ele. 

Em 2020, as taxas de violência letal dos estados da Amazônia Legal foram maiores que a média nacional. A taxa do país é de 23,9 mortes violentas intencionais a cada 100 mil habitantes, já na região amazônica essa média é de 29,6, e no estado do Amapá ela chega a 41,7 mortes a cada 100 mil habitantes.

Em janeiro deste ano, uma família de ambientalistas foi assassinada a tiros em São Félix do Xingu, no interior do Pará. José Gomes, o Zé do Lago, sua mulher e sua enteada atuavam na proteção de quelônios (tartarugas) e foram mortos na casa em que viviam na região conhecida como Cachoeira do Mucura, próxima do Rio Xingu. Reportagem da Folha de SP apurou que o terreno da família era reivindicado pelo pecuarista e irmão do prefeito da cidade, mas ninguém foi preso. Em 40 anos, a região já conta com 62 assassinatos e nenhuma condenação.

Em 2019 o servidor da Funai Maxciel Pereira dos Santos que trabalhava no Vale do Javari, foi morto a tiros em Tabatinga, no Amazonas. O crime também não foi solucionado. Em 2022 a violência esteve ainda mais presente nas terras yanomamis com os conflitos gerados pelo garimpo ilegal. No mês de abril uma menina yanomami de 12 anos foi estuprada e assassinada e outra criança foi jogada no rio. Esses crimes também entraram para as estatísticas. 

Conforme o relatório do Fórum de Segurança Pública, durante o governo Bolsonaro foram gastos R$ 584,5 milhões com operações da GLO (Garantia da Lei e da Ordem – são ações especiais que permitem o uso das Forças Armadas) que não reduziram a violência nem os crimes ambientais. 

Os fatores destacados como contribuidores da violência na Amazônia são a presença de facções do crime organizado normalmente relacionadas ao narcotráfico, o avanço do desmatamento e os conflitos por terra. 

Em vez de investir em GLOs, é importante investir no meio ambiente, em demarcações de Unidades de Conservação, de Terras Indígenas e quilombolas voltadas para a proteção integral ou para o uso sustentável dos recursos naturais. Resta saber se o governo federal vai prosseguir nas buscas a Bruno Pereira e Dom Phillips com a mesma energia após a Cúpula das Américas e se vai levar à frente as investigações dos crimes de violência na Amazônia apresentando propostas para coibir a violência contra ambientalistas. Ao que parece, a preocupação e as ações de buscas feitas até agora foram “só para inglês ver”.