A sentença de inelegibilidade no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não foi a única derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na semana passada. Também na sexta-feira (30), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu declarar inconstitucionais vários pontos de decretos editados pelo presidente para afrouxar as regras para compra e porte de armas de fogo e uma portaria de aumento de munições. A decisão foi feita por ampla maioria: 8 x 2 nas ações relatadas por Edson Fachin e 10 x 0 nas ações relatadas por Rosa Weber.

O Instituto Sou da Paz e a Conectas Direitos Humanos, organizações que atuaram como amicus curiae (amigos da corte) nas ações julgadas pelo STF, celebraram a decisão da corte e a entendem como fundamental no processo de reconstrução da política de controle de armas de fogo, desmantelada nos últimos anos.

Ainda que o Decreto 11.3666 de janeiro, editado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), já tivesse trazido efeitos práticos à volta da cobrança de efetiva necessidade, a decisão do STF é importante por ajudar a legitimar e trazer amparo sólido à completa substituição do caos normativo criado pelas dezenas de decretos e portarias editadas no governo anterior.

Em seu relatório, o ministro Edson Fachin destacou os seguintes argumentos pela derrubada dos decretos:

  • O fato de ter revogado e republicado parte do texto em novos decretos não serviu para gerar perda do objeto das ações, como buscava o governo Bolsonaro;
  • O direito à vida e a segurança estão previstos no artigo 5º e o artigo 144 reserva ao Estado o dever de proteger seus cidadãos;
  • O controle de armas na esfera individual e coletiva se apresenta como possibilidade da vida comum em democracia – resulta da preocupação do constituinte originário após superação de um regime marcado pela violência;
  • Não há direito fundamental de possuir armas e fogo no Brasil;
  • O Estado, seja por obrigação constitucional e por obrigações assumidas em âmbito internacional, está obrigado a conceber e implementar mecanismos institucionais e regulatórios apropriados para o controle do acesso a armas de fogo, dentre os quais se incluem procedimentos fiscalizatórios de licenciamento, de registro, de monitoramento periódico, e de exigência de treinamentos compulsórios;
  • Os decretos não só trouxeram inovação frontalmente contrárias à política prevista no Estatuto do Desarmamento, como extrapolaram o poder do Executivo de regulamentar, gerando uma invasão da competência do Poder Legislativo;
  • Políticas públicas de acesso às armas precisam observar os requisitos de necessidade, adequação e proporcionalidade.

Com este julgamento, o STF fixa quatro importantes decisões, que afetam não só o olhar dos regulamentos do passado, mas também interpretações para regulamentações futuras do Estatuto do Desarmamento:

1) A posse de armas só pode ser autorizada às pessoas que demonstrem, por razões profissionais ou pessoais, possuírem efetiva necessidade;

2) A “limitação dos quantitativos de munições adquiríveis se vincula àquilo que, de forma diligente e proporcional, garanta apenas o necessário à segurança dos cidadãos”;

3) Armas de calibre restrito só podem ser autorizadas no interesse da segurança pública ou da defesa nacional, não em razão do interesse pessoal do requerente;

4) A condição pessoal de CAC (categoria que engloba caçadores, atiradores e colecionadores) não confere, por si só, o direito ao porte de armas, que deverá ser autorizado pela Polícia Federal. CACs têm direito apenas ao porte de trânsito, cuja formulação prevê transporte da arma desmuniciada.