Por Marcos Felipe Sousa, para a Cobertura Colaborativa NINJA na COP26 

Os resultados expostos no último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) revelam que a sobrevivência das futuras gerações está ameaçada. Do aumento de 1,09 °C desde o período pré-industrial. Deste, aproximadamente 1,07 °C é creditado à interferência humana.

Não há mais como ignorar que existe um grande problema a ser enfrentado. As consequências das mudanças climáticas são cada vez mais perceptíveis em nosso cotidiano, dada a ocorrência de fenômenos extremos, como ondas de calor, chuvas, aumento do nível do mar e outros eventos relativos a desastres climáticos.

O consenso científico sobre os impactos das mudanças climáticas demarca a necessidade emergencial de transformações estruturais no nosso sistema produtivo, econômico e nas ações dos Estados e indivíduos para a contenção do aquecimento global.

Isso nos leva a refletir não só sobre as causas, mas sobre as responsabilidades individuais e coletivas para mitigar a crise climática. Para compreender a trajetória das causas que nos levaram até esse momento é importante contextualizar historicamente e delimitar estas responsabilidades individuais e coletivas. E principalmente, de maneira diferenciada.

Países que mais poluem

Ranking do Carbon Brief destaca que EUA, China e Rússia lideram a lista de maiores emissores de CO2 (Pixabay)

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, realizada em 1992, já apontava que os maiores emissores dos gases do efeito estufa — impulsionando um aquecimento climático global — eram os países desenvolvidos, os países mais ricos no globo.

E se estruturou no princípio de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”. Isto é, onde as partes signatárias do tratado internacional das mudanças climáticas possuiriam uma responsabilidade de acordo com as suas capacidades.

Segundo o ranking elaborado pelo Carbon Brief que destacou os países que mais emitiram gases poluentes para o clima global, EUA, China e Rússia lideram a lista com maior acúmulo de emissões de 1850 a 2021.

O levantamento se deu a partir da análise da queima de combustíveis fósseis, desmatamento e uso do solo. A partir desse critério, o Brasil se mantém na quarta posição.

Como revelado por reportagem da BBC, isto vai na contramão da estratégia de atuação do governo brasileiro nos acordos internacionais climáticos, ao instituir que a cobrança de metas ao controle do clima deve ser direcionada aos países ricos.

Todavia, as causas da emissão de gases poluentes não se envolvem apenas para a questão climática, mas compõem problemas sociais, econômicos e afetam de formas distintas os países e povos do sul global.

Desmatamento

Incêndio florestal e desmatamento na Terra Indígena Alto Rio Guamá no Pará (Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Como exemplo, o Carbon Brief pontua que 85% de toneladas de C02 emitidas pelo Brasil desde 1850 é resultado da derrubada de florestas. Um dos principais agravantes para a manutenção da vida e existência de povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos na Amazônia. Tendo como exemplos de graves consequências os conflitos fundiários e a grilagem de terras públicas.

Capitalismo desenfreado

A expansão da industrialização e o estabelecimento do atual sistema econômico global pautado na acumulação do dinheiro e na concentração da riqueza acelerou os pressupostos para as emergências climáticas. Elmar Altvater, no estudo “O capitalismo fóssil e seu ambiente social e natural” expôs que a dinâmica do capitalismo se firmou por determinados preceitos, como: “a racionalidade europeia de dominação do mundo; a transformação em movimento a uma economia de mercado; a dinâmica do dinheiro na forma social do capital; e no uso da energia fóssil”.

Isso é, o estabelecimento do modo de vida e da economia do mundo ocidental se findou através do uso intensivo de recursos naturais, como a partir da energia fóssil. Sendo os países mais ricos globalmente os responsáveis pelo uso exploratório em grande escala desses recursos. Em que pesa esta exploração de recursos naturais além dos seus territórios, ocasionando problemas sociais e ambientais para outros países. Realidade bastante comum aos países do Sul global.

Empresas estatais e privadas

Em um estudo divulgado em 2019 pela Climate Accountability Institute, 20 empresas estatais e privadas seriam responsáveis por 35% de emissões de dióxido de carbono nos anos de 1965 a 2017, sendo todas produtoras petrolíferas, de gás natural e carvão.

Outro recente estudo divulgado pela World Inequality Lab demonstrou empiricamente que os mais ricos são os principais poluentes. Segundo este estudo, os 10% mais ricos do mundo foram os principais responsáveis pela emissão de carbono no planeta, primordialmente entre aqueles provenientes dos países mais enriquecidos.

Exploração de recursos naturais

Além da responsabilidade da emissão de poluentes, estes também estão entre aqueles que mais contribuíram com a perda da biodiversidade global. Em um relatório da Third World Network, foi exposto que os países industrializados mais ricos possuem uma dívida climática pelo uso excessivo de bens naturais no globo, em que, os EUA seriam responsáveis por 40% das alterações climáticas e a União Europeia por 29%.

O que gera uma perda da biodiversidade e desigualdades que se interseccionam entre países, sociedades, classes, raças e gêneros, não se restringindo apenas para a questão climática. Mesmo que os países, empresas e indivíduos mais ricos estejam no topo das classificações de emissores de gases que contribuem para a emergência climática, estes ainda centralizam e direcionam os debates e acordos climáticos internacionais, como está sendo feito a partir das discussões envolvendo o mercado de carbono, para citar um dos recentes mecanismos relativos a mudanças climáticas.

Agronegócio

Embora não esteja no mesmo patamar econômico e industrial dos países do norte global, o Brasil também possui uma responsabilidade de extrema importância diante das emergências climáticas.

O modelo desenvolvimentista exportado globalmente e que influencia também nas tomadas de decisões nos e aos países do sul global, embora de maneira diferenciada aos EUA e na União Europeia, deixou as suas marcas. Principalmente na Amazônia.

Contemporaneamente se destaca, a expansão da fronteira agrícola e pecuária, a infraestrutura para a logística de serviços e produtos para a exportação, a mineração e os projetos de desenvolvimento capitaneados pelo Estado brasileiro, em que contribuíram significativamente para o aumento de emissões de gases do efeito estufa.

Agenda Anti-ambiental

Após a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil, uma agenda anti-ambiental, o desmantelamento de organismos de controle, a conexão com grupos ruralistas e setores do agronegócio também colaboraram para fomentar esse processo. Em 2021, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) denunciou o atual presidente no Tribunal Penal Internacional em Haia por genocídio dos povos indígenas e crimes contra a humanidade e o meio ambiente.

Protesto durante o Acampamento Levante da Terra, em Brasília (Foto Mídia Ninja)

A partir de dados do Observatório do Clima através do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases do Efeito Estufa (SEEG), foi exposto que as emissões brasileiras cresceram 9,5%, enquanto no resto mundo decaiu em cerca de 7%.

Reforçando ainda mais o desastre climático proporcionado pelo Brasil nos últimos anos. Segundo este relatório, em 2020 os setores da agropecuária e da Energia foram uns dos principais responsáveis, com 27% e 18% das emissões, seguido pelos processos industriais e resíduos com 5% e 4%.

A liderança deste ranking das emissões está na categoria das Mudanças de Usos da Terra e Floresta. Estas geraram 998 milhões de toneladas de C02 em 2020, sendo 93% das emissões brutas relativas ao desmatamento no bioma Amazônia. Os dados refletem o aumento do desmatamento na Amazônia na última década. Segundo o Observatório do Clima, as emissões brutas aumentaram 23,7% de 2019 para 2020, seguindo o rastro do desmatamento no Cerrado e na Amazônia.

Ainda que sejamos todos responsáveis pelas crises decorrentes das mudanças climáticas, principalmente por estarmos envolvidos nas cadeias resultantes de determinados setores produtivos, é notável que alguns países, empresas transnacionais, setores e indivíduos estiveram na ponta das emissões de gases do efeito estufa.

Também é importante frisar novamente que o impacto disto é gerado de forma diferente para distintos grupos e territórios. A acumulação de riquezas a partir da espoliação de bens naturais da Amazônia que geram mudanças na alteração do ciclo hidrológico do país, na capacidade das chuvas, por exemplo, se repercute desigualmente e em interconexão com problemas socioambientais.

A dinâmica do desmatamento e das queimadas na região amazônica está vinculada a extração ilegal de madeira, garimpo, desposses de terras indígenas, o roubo de terras públicas com a grilagem, aumento de doenças respiratórias e violências diretas àqueles que ocupam historicamente as florestas, rios, campos e cidades na Amazônia.

Ao se pensar alternativas para contenção das emergências climáticas é fundamental não homogeneizar os responsáveis no vago sentido de humanidade. Em outra direção, demarcando aqueles que mais contribuíram para este processo e os que diretamente e indiretamente são mais impactados, discutindo as desigualdades socioambientais em absoluto, sendo estes últimos, os mais afetados, quem deveriam conduzir os debates e acordos internacionais para uma efetiva governança climática global.

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