Uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP) constatou que crianças e adolescentes pretos, entre 11 e 14 anos, têm o dobro de probabilidade de serem revistados por policiais, na cidade de São Paulo, em comparação com os brancos.

O estudo acompanhou 800 crianças e adolescentes, durante quatro anos (de 2016 a 2019), e revelou que, no primeiro ano da pesquisa, 21,51% das crianças, autodeclaradas pretas, afirmaram terem sido revistadas pela polícia, enquanto apenas 8,33% das crianças brancas e 9,74% das crianças pardas foram abordadas, no mesmo período.

Os números também demonstraram que houve o dobro de abordagens a crianças pretas. Em 2016, 27,47% dos entrevistados pretos foram parados pela polícia, em comparação com 18,83% dos brancos e 12,84% dos pardos.

“A gente sabe que a polícia tem abordagens diferentes a depender de questões como raça e cor, e isso é entrecruzado com a condição socioeconômica. É um estranhamento da nossa parte saber que a polícia chegaria a parar na rua uma criança de 10 a 11 anos”, afirma  Renan Theodoro, um dos organizadores do relatório. Para ele, a população está sendo exposta, desde muito cedo, à violência racial institucional.

Resumo

  • A pesquisa acompanhou 800 crianças e adolescentes, entre 11 e 14 anos, em São Paulo, de 2016 a 2019.
  • No primeiro ano da pesquisa, 21,51% das crianças pretas afirmaram terem sido revistadas pela polícia, em comparação com 8% das crianças brancas e 9% das crianças pardas.
  • Em 2016, 27% dos entrevistados pretos foram parados pela polícia, enquanto 18% dos brancos e 12% dos pardos passaram pela mesma abordagem.
  • Com relação à agressão verbal, cometida pela polícia, em 2018, 20% dos entrevistados pretos afirmaram terem sido xingados, em comparação com 46% dos entrevistados brancos.
  • Com relação à agressão física, em 2018, 25% dos entrevistados pretos afirmaram terem sido agredidos, enquanto 25% dos entrevistados brancos relataram o mesmo abuso.
  • A pesquisa comparou os grupos raciais de acordo com sua representatividade na população de São Paulo: 47% brancos, 11% pretos, 27% pardos, 5% indígenas, 2% asiáticos e 6% que não souberam ou não quiseram declarar sua etnia.
  • Houve uma redução de 80% no indicador de mortes de adolescentes, em intervenções policiais, em São Paulo, de 2017 a 2022, após a implementação de câmeras nos uniformes dos policiais militares. Em 2017, foram registradas 171 mortes. Já, em 2022, foram registradas 34 mortes, o menor número da série histórica, desde 2001.

O estudo ressalta a interseção entre raça, cor e condição socioeconômica no tratamento policial. Os pesquisadores destacam que a falta de uma definição clara sobre suspeita nos manuais da Polícia Militar amplia o poder discricionário dos policiais, resultando em abordagens baseadas em estereótipos ou preconceitos.

Os dados mostram um padrão consistente em relação à abordagem e revista policial, com uma proporção de adolescentes pretos passando por essas situações duas vezes mais.

“Os brancos são muito menos parados [pela polícia] do que os pretos. O relatório chama a atenção para um debate fundamental de longo prazo, que é o da abordagem policial desproporcional por raça”, aponta Renan Theodoro. Para o sociólogo e pesquisador do NEV, o trabalho é inédito por aplicar a pesquisa do tipo survey a um público não adulto. “É a primeira experiência do NEV considerando a opinião de pequenos cidadãos”, conta Theodoro, lembrando que a pesquisa começa em uma faixa etária na qual são considerados crianças: aos 11 anos. “E, nesta idade, eles já estão respondendo ‘sim, fui enquadrado’”.

De acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 50% das vítimas de morte violenta intencional tinham entre 12 e 29 anos. Somente no ano de 2021, mais da metade dos mortos, em decorrência de intervenção policial, tinha entre 12 e 24 anos, sendo 8,7% entre 12 e 17 anos e os outros 43,6% entre 18 e 24 anos de idade, respectivamente.

Em resposta ao estudo, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirmou que a abordagem policial segue parâmetros técnicos estabelecidos por lei e que tem buscado aprimorar, continuamente, sua atuação. A pesquisa, também, ressaltou a redução no índice de mortalidade de adolescentes em intervenções policiais, após a implementação de câmeras nos uniformes dos militares.