Por Maria Vitória de Moura

Divulgado nesta segunda-feira (17), o relatório “Conflitos no Campo Brasil 2022”, elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), aponta que o Brasil registrou, em média, um conflito no campo a cada quatro horas, em 2022. Foram 2.018 casos de conflitos, envolvendo 909,4 mil pessoas e mais de 80 milhões de hectares no país, o que representa um aumento de 10,39% em relação a 2021.

O relatório anual foi lançado em seminário realizado no Auditório Esperança Garcia, na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), onde estiveram presentes Isolete Wichinieski, da Coordenação Nacional da CPT, Dom Sílvio Guterres, bispo da Diocese de Vacaria e vice-presidente da CPT, e Beto Marubo, da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). A publicação ocorreu na data que marca os 27 anos do massacre do Eldorado dos Carajás.

O documento apresentado pela CPT traz dados do conflito no campo em 2022 envolvendo disputas pela terra e pela água, além de dados acerca dos resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão, à contaminação por agrotóxicos e a outras formas de violência no campo.

Segundo a análise, a Amazônia Legal foi o “epicentro da violência”, concentrando 59% dos conflitos no campo em 2022. Já em 2021, o bioma concentrava 51% das ocorrências, o que representa um aumento alarmante da violência nos últimos 10 anos, período em que a relação de conflito aumentou duas vezes mais do que em outras regiões. Para se ter uma ideia, entre 2021 e 2022, os casos de violência na Amazônia Legal aumentaram de 695 para 926, um salto de 33%, o dobro do aumento nacional de 16,7%. no mesmo período.

Os mais atingidos pela violência, de acordo com o relatório, são as comunidades tradicionais, que vivem sob constante ataque, tentativas e ameaças de morte. No último ano, foram registrados 47 assassinatos por conflito no campo, desses 34 (72%) foram registrados na Amazônia.

“A comissão tem observado que, de 2004 para cá, está havendo mudança no foco desses conflitos, que deixaram de ser, em sua grande maioria, com os sem-terra, de disputa pela terra e contra a reforma agrária, para conflitos que vão para cima das comunidades, especialmente indígenas, por meio da grilagem mesmo ou invasões”, destaca Isolete Wichinieski.

Os dados da CPT também apresentam os principais causadores desses conflitos. No ano passado, os fazendeiros foram responsáveis por 23% das ocorrências de conflito por terra, seguidos do governo federal, com 16%. Em seguida, aparecem empresários (13%) e grileiros (11%). A principal mudança em relação ao ano de 2021 foi o crescimento da participação do governo federal nos conflitos por terra, que saltou de 10% para 16%.

Esse é um reflexo das políticas de incentivo à violação das comunidades indigenas, quilombolas e sem-terra promovidas pelos governos após o golpe contra a ex-presidenta Dilma. Entre 2016 e 2022, período dos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, 27,36% dos territórios onde ocorreram os assassinatos também sofreram pelo menos uma ação de pistolagem, 15% sofreu pelo menos uma ameaça de expulsão, 9% sofreu pelo menos uma ação de invasão e 13% uma ação de grilagem.

Em relação ao trabalho escravo, o relatório da CPT indica que, ao longo de 2022, foram notificados 207 casos de trabalho análogo à escravidão no meio rural, com 2.615 pessoas envolvidas nas denúncias e 2.218 resgatadas, o maior número dos últimos dez anos. O levantamento revela que o estado de Minas Gerais concentrou o maior número desse tipo de violência, seguido por Goiás, Piauí, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e São Paulo.

Quanto ao uso de agrotóxicos como arma contra as populações rurais, foi registrado um crescimento de 171,85% em relação ao ano de 2021, com 6.831 famílias atingidas, sendo o maior registro desde 2010, quando a CPT começou a registrar esse tipo de violência.