Audiências começam nesta quarta-feira em Santiago, no Chile

Foto: Alex Rodrigues / Agência Brasil

 

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH) realizará audiências para julgar denúncias feitas por comunidades quilombolas que acusam o Estado brasileiro de ter violado seus direitos durante a construção do Centro de Lançamento de Alcântara, localizado no Maranhão. Essa será a primeira vez que o Brasil será julgado por um caso envolvendo quilombolas.

As audiências ocorrerão na sessão itinerante da Corte em Santiago, Chile, nos dias 26 e 27 de abril. As vítimas, representantes do Estado, testemunhas e peritos serão ouvidos. As denúncias foram apresentadas em 2001 por povoados, sindicatos e movimentos sociais à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e a queixa foi aceita em 2006.

“O julgamento é de importância histórica”, afirmou Danilo Serejo, quilombola de Alcântara e assessor jurídico do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (Mabe), em nota divulgada pela organização Justiça Global.

Os denunciantes desejam que a Corte determine que o governo brasileiro conceda a titulação definitiva do território quilombola, pague indenização às comunidades removidas e às que permaneceram no local, crie um fundo de desenvolvimento comunitário em conjunto com as famílias quilombolas e realize estudo de impacto ambiental e cultural.

“A imposição do Estado de construir o Centro de Lançamento de Alcântara num território tradicional, deteriorando modos de vidas, laços familiares e tentando apagar uma parte da nossa história, mostra como o racismo ambiental orientou a política. Por isso, o Brasil tem o dever, perante a Corte Interamericana, de reconhecer sua responsabilidade como ator nas violações contra os quilombolas de Alcântara, bem como avançar imediatamente com a titulação do território. O que está em jogo na Corte, nos próximos dias, é o real compromisso do Estado brasileiro com o enfrentamento ao racismo”, afirmou a diretora-executiva da Justiça Global, Glaucia Marinho.

Para a ministra substituta dos Direitos Humanos e da Cidadania, Rita Oliveira, que irá compor a delegação do governo, a audiência servirá para reconstruir a relação entre o Estado e os remanescentes dos quilombos.

“Aprendemos nessa trajetória que o desenvolvimento científico e tecnológico não é incompatível com a defesa e promoção dos direitos humanos. Apenas o desenvolvimento baseado nos seus princípios legitima os avanços da ciência e da tecnologia com sustentabilidade etnoambiental e integridade pública”, avalia, conforme nota publicada pela pasta.

A delegação terá ainda integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU), do Comando da Aeronáutica, do Centro de Lançamento de Alcântara e dos ministérios das Relações Exteriores (MRE), da Defesa e da Igualdade Racial.

Entenda o caso

O Centro de Lançamento de Alcântara foi construído nas proximidades da capital São Luís, na década de 1980 pela Força Aérea Brasileira (FAB), como base para lançamento de foguetes.

Na época da construção, 312 famílias quilombolas, de 32 povoados, foram retiradas do local e reassentadas em sete agrovilas. Alguns grupos permaneceram no território e, conforme os denunciantes, sofrem com a constante ameaça de expulsão para a ampliação da base.

Em 2001, representantes de comunidades quilombolas do Maranhão, do Movimento dos Atingidos pela Base de Alcântara (Mabe), da Justiça Global, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Maranhão (Fetaema), do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTR) e da Defensoria Pública da União (DPU) apresentaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

O grupo acusa o Estado brasileiro de ter cometido violações com a instalação do centro, com desapropriação e remoção compulsória de famílias quilombolas. Segundo a denúncia, a perda do território causou impacto no direito dessas comunidades à cultura, alimentação, educação, saúde e livre circulação. Além disso, não foi concedido aos quilombolas os títulos definitivos de propriedade.

Em 2004, a Fundação Palmares certificou o território. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) identificou e delimitou a área em 2008.

Cinco anos após a apresentação da denúncia, a comissão a considerou admissível. Em relatório de 2020, após audiências feitas em 2008 e 2019, o grupo recomendou que o governo brasileiro fizesse a titulação do território tradicional, consulta prévia aos quilombolas sobre o acordo firmado pelo Brasil e os Estados Unidos (que permite atividades espaciais de companhias norte-americanas na Base de Alcantâra, chamado acordo de salvaguardas tecnológicas) no ano anterior, reparação financeira para os removidos e pedido público de desculpas.

As recomendações não foram seguidas pelo governo brasileiro. Dessa forma, a comissão levou o caso à Corte em janeiro de 2022.