Por Isabella Vilela

A falta de reconhecimento do Oscar pelos filmes fora do eixo ‘Estados Unidos/Inglaterra’ não é uma novidade. As críticas sobre a categoria “Melhor Filme Internacional” levantam o debate sobre como a premiação mais prestigiada do cinema define padrões e tendências na indústria cinematográfica. Quando a academia escolhe ignorar obras latinas, sobretudo as sul-americanas, acaba limitando a visibilidade internacional dos países e subestimando a riqueza da diversidade cultural e artística que esses filmes representam.

Desde a sua primeira cerimônia, em 1929, o reconhecimento do Oscar é frequentemente visto como uma validação da qualidade artística e narrativa de um filme. A ausência desse reconhecimento para obras latinas pode ser interpretada como uma negação dessa qualidade, o que, por sua vez, pode afetar a percepção e o valor atribuído a esses países.

Este ano, essas histórias apostaram grandes fichas, porém, foram fortemente esquecidas pela academia. 

Começando pela Venezuela com ‘La sombra del sol’. Situado na zona rural do país, o longa conta a história de Alex (Anyelo Lopez), um jovem surdo, que pede a seu distante irmão mais velho, Leo (Carlos Manuel Gonzales), um trabalhador com um passado musical, para se juntar a ele em um concurso musical que pode mudar para sempre suas vidas.

Assombrado por dívidas financeiras e problemas domésticos, Leo não tem outra escolha senão dar o salto de fé e desenterrar o seu talento musical adormecido, encontrar uma maneira de chegar a este concurso e ser a voz do seu irmão mais novo para que o mundo possa finalmente ouvi-lo. 

Reprodução/Trailer

Um dos primeiros e únicos filmes venezuelanos a estrelar um ator surdo no papel principal, o carro-chefe do diretor Miguel Angel Ferrer traz uma história comovente e sincera sobre a fraternidade e a realização dos sonhos. La sombra del sol é um filme que escancara sérias realidades da Venezuela, como a crise econômica, homofobia e capacitismo a partir da esperança da música.

Já descrever o mexicano ‘Tótem’ apenas como uma história sobre câncer é algo equivocado. De fato, o filme gira em torno de Sol (Naíma Sentíes), de sete anos, e de seu pai, Tona (Mateo García Elizondo), que está nos estágios finais de um diagnóstico de câncer terminal. No entanto, não há melodrama e nenhum conflito agravado. Em vez disso, a narrativa apresenta uma bela ode à família regada de um realismo intenso e muito amor.

Reprodução/Trailer

Segundo longa-metragem da diretora Lila Avilés, depois de seu filme A Camareira, de 2018, a história da pequena Sol foi bastante aclamada pelas críticas. Estreando na Berlinale em fevereiro de 2023, Tótem foi indicado ao Urso de Ouro e ganhou o Prêmio do Júri Ecumênico. Ganhou prêmios importantes em vários outros festivais, incluindo Hong Kong, Jerusalém e Lima.

Quando se discute sobre os clássicos, é inevitável não mencionar a história dos antigos cinemas do centro de Recife, que desapareceram ao longo do tempo. Atualmente, a região da cidade se assemelha a um sítio arqueológico, que revela ângulos da vida em sociedade que também se perderam.

Reprodução/Trailer

O documentário brasileiro “Retratos Fantasmas” marca uma retrospectiva honesta da jornada do cineasta Kleber Mendonça Filho, desde seu período como cinéfilo até sua ascensão como diretor, utilizando também seu acervo pessoal. Porém, a obra vai além ao apresentar a realidade de forma levemente ficcional. O documentário é cuidadosamente construído com uma narrativa clara e envolvente, delineando o estilo pessoal do diretor ao mostrar sua paixão pelo poder do tempo, pelo cinema e acima de tudo, por Recife. 

O cinema colombiano também ficou fora do radar da Academia com o representante “A Male”. O longa de Fabian Hernández traz a visão comovente da vida no coração de Bogotá, através das lentes da talentosa equipe de cineastas locais, que não apenas destacam a qualidade artística do filme, mas também a sua capacidade de abordar questões sociais e pessoais de uma forma autêntica e significativa.

Reprodução/Clipe oficial de Cannes

A trama gira em torno da história de Carlos, um jovem morador do coração da capital. Seu maior desejo é passar o Natal com sua mãe e irmã, mas essa jornada o coloca no centro da dura realidade da vida em seu bairro. O filme lança luz sobre as lutas de Carlos enquanto enfrenta as dificuldades e desafios do seu ambiente, onde a lei de ser o “mais homem” muitas vezes dita as regras.

A narrativa investiga a luta interna do personagem, quando ele é forçado a enfrentar os códigos tradicionais de masculinidade que prevalecem em sua comunidade. O filme explora temas de identidade, aceitação e coragem enquanto Carlos se esforça para encontrar a sua voz e seguir o seu próprio caminho, mesmo quando este se desvia das expectativas da sociedade.

Escrito e dirigido por Rodrigo Moreno, o longa argentino “Os Delinquentes” pode ser encarado como o filme ideal para desenhar um primeiro esboço sobre a esperança e a falta dela num país recentemente assombrado por um ano eleitoral peculiar, que colocou no poder um alucinado que se autodefine como anarco-capitalista.

Reprodução / Clipe oficial de Cannes

As vidas de dois funcionários de um monótono banco de Buenos Aires ficam entrelaçadas e viradas de cabeça para baixo quando um deles, Moran (Daniel Elias), rouba um cofre e convence o outro, Ramon (Esteban Bigliardi), a esconder o dinheiro até que Moran cumpra a pena de prisão consequente. 

É um cenário de suspense policial bastante familiar, mas a imagem divertida e envolvente de Moreno dá uma série de reviravoltas. O filme trabalha sempre com a dualidade: trabalho e lazer, rotina e espontaneidade, restrição e liberdade, familiaridade e descoberta.

Por último, o chileno “Os Colonos”, de Felipe Gálvez Haberle, ambientado em 1901, traz três cavaleiros que embarcam em uma jornada para reivindicar uma extensa propriedade. Esse trio é composto por um soldado britânico, um mercenário americano e um atirador mestiço, que logo percebe que sua verdadeira missão é eliminar a população indígena.

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Essencialmente, a obra aborda o capitalismo e sua insatisfação, enquanto explora o equilíbrio entre as gananciosas necessidades dos magnatas do comércio e seu desejo de recorrer à violência para alcançar seus objetivos. No entanto, Haberle observa que, dentro do sistema capitalista, todos saem perdendo, exceto aqueles que estão no topo.

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2024