“Com a democracia, Natuza, a gente não pode brincar”, afirmou Lula

Foto: reprodução/GloboNews

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista para jornalista Natuza Nery, da GloboNews, disse ter acreditado que uma tentativa de golpe de Estado estava acontecendo no dia 8 de janeiro, quando milhares de terroristas invadiram a sede dos Três Poderes, em Brasília. Lula está convencido de que militares bolsonaristas podem ter facilitado a entrada dos golpistas na sede da Presidência da República e no Supremo Tribunal Federal. Na entrevista, Lula dispara críticas ao ex-ministro de Bolsonaro, e ex-secretário de segurança pública, Anderson Torres, e culpa Bolsonaro por ter inflado, durante anos, o movimento que liderou a invasão.

A Mídia NINJA destaca cinco momentos da primeira entrevista do presidente Lula para uma emissora de televisão, desde que assumiu o terceiro mandato em 1º de Janeiro. A invasão do dia 8 de Janeiro, a responsabilização de Bolsonaro, a unidade democrática pós-atentados, a despolitização das Forças Armas e o desmatamento zero na Amazônia. Confira:

Sobre a invasão do dia 8 de Janeiro

Para a jornalista, Lula afirma que as informações que chegaram antes sua partida para Araraquara, interior de São Paulo, na sexta-feira (6), era de que não havia chances de uma grande insurreição no acampamento bolsonarista instalado em frente ao Quartel-Geral do Comando do Exército. Presidente saiu de Brasília para prestar auxílio às vítimas da enxurrada que afetou a região paulista, e que havia vitimado uma família após fortes chuvas. Lula também tem uma casa em Araraquara, e foi verificar o estado em que ela ficou, já que a casa estava sem ninguém, conforme relatou para Natuza Nery.

“Eu saí daqui na sexta-feira com a informação que estava— que tinha só 150 pessoas no acampamento, que estava tudo tranquilo, que não iam permitir que entrassem mais ônibus, que não iam permitir que juntasse mais ninguém, eu viajei para São Paulo na maior tranquilidade. Não é? E aconteceu o que aconteceu. E depois que aconteceu, aí você vai ver na rede social, isso estava sendo convocado há mais de uma semana!

E quando eu estou em Araraquara, eu começo a saber das notícias. Começo a saber das notícias, fui para a sede da Prefeitura de Araraquara, fiquei acompanhando pelo computador as imagens, e eu liguei para o general Gonçalves Dias, que é o chefe do GSI [Gabinete de Segurança Institucional]I, e eu dizia: Ô ministro, onde é que estão os soldados? Porque eu não via soldado, eu não via soldado. Só via gente entrando, não via soldado reagindo, não via soldado reagindo, sabe? Ele dizia que tinha chamado soldado, que tinha chamado soldado, ou seja, e esses soldados não apareciam. Eu fui ficando irritado porque não era possível a facilidade com que as pessoas invadiram o Palácio do Presidente da República”, disse Lula.

Para Lula, neste momento parece ter ficado claro que havia uma sabotagem explícita feita por militares ligados ao setor de proteção dos palácios. Nesta semana, a presidência afastou mais de 60 militares por suspeita de omissão e cumplicidade com os invasores.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

“Aqui nós temos inteligência do Exército, nós temos inteligência do GSI, nós temos inteligência da Marinha, nós temos inteligência da Aeronáutica, ou seja, a verdade é que nenhuma dessas inteligências serviu para avisar ao Presidente da República, ou seja, que poderia ter acontecido isso. Se eu soubesse, na sexta-feira, que viriam oito mil pessoas aqui, eu não teria saído de Brasília. Eu não teria. Eu saí porque estava tudo muito tranquilo, até porque a gente estava vivendo ainda a alegria da posse”, disse Lula, que completou: “Eu fiquei com uma impressão que era o começo de um golpe de estado”.

A responsabilidade de Bolsonaro

“Eu fiquei com a impressão, inclusive, que o pessoal estava acatando ordem e orientação que o Bolsonaro deu durante muito tempo, muito tempo ele mandou invadir a Suprema Corte, muito tempo ele desacreditou do Congresso Nacional, muito tempo ele pedia que o povo andasse armado, que isso era democracia. Eu acho que a decisão dele de ficar quieto depois de perder as eleições, sabe, semanas e semanas sem falar nada, a decisão dele de tomar a decisão de não passar a faixa pra mim, de ir embora para Miami como se estivesse fugindo com medo de alguma coisa, sabe?

E o silêncio dele, mesmo depois do acontecimento aqui, me dava a impressão que ele sabia de tudo o que estava acontecendo, que ele tinha muito a ver com aquilo que estava acontecendo. Obviamente que quem vai provar isso são… sabe, as investigações. Mas a impressão que me deixava era isso. Possivelmente o Bolsonaro estivesse esperando voltar para o Brasil, sabe, na glória de um golpe. Sabe? E eu então não podia permitir GLO, eu tinha que tomar a decisão política, e tomamos a decisão certa”, disse Lula.

Com duras críticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, Lula lamentou o compartilhamento em massa de notícias falsas acerca do processo e resultado eleitoral, que foram difundidas por Bolsonaro, inclusive nos Estados Unidos. Desde que foi derrotado, Bolsonaro chamou os golpistas acampando em frente ao QG do Exército em Brasília, para uma espécie de ‘vigília permanente’, que funcionava na área da sede do Palácio da Alvorada, residência oficial presidencial. Em uma das ocasiões, a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro chegou a enviar lanches para os golpistas acampados.

Agora em Orlando, na Flórida, nos Estados Unidos, Bolsonaro repete a mesma cartilha, e ainda chegou a publicar um vídeo que negava a vitória de Lula nas eleições.

Grupo pede intervenção após a eleição de 2022. Foto: Tercio Teixeira / AFP

“O cidadão se escondeu dentro de casa e depois ele fugiu sem prestar contas à sociedade; até hoje ele não disse: “Eu fui derrotado”. Até hoje ele continua fazendo fake news, mostrando que as urnas, sabe, teve fraude. Então, isso é grave, e nós temos que apurar. Eu acho que eles permitiram que a gente fizesse, porque a gente não estava querendo fazer, que é fazer um processo de investigação muito séria do que aconteceu nesse país.

Eu tenho 77 anos, Natuza, eu faço política há 50 anos, eu nunca tinha visto nada igual na minha vida. A quantidade de mentira, a quantidade de fake news, as coisas mais absurdas, coisas mais absurdas que eu jamais imaginei que alguém pudesse acreditar, pois as pessoas acreditam. Porque a mentira é muito mais fácil você acreditar do que a verdade. A verdade exige que você tenha responsabilidade, exige que você pense, exige que você tenha criatividade; a mentira, não”, disse Lula.

Com a Democracia não se brinca

Lula exaltou a iniciativa de governadores irem até Brasília para reafirmarem o compromisso com a democracia no país, em repúdio aos atentados. Para a jornalista, Lula acredita que a tentativa de golpe foi frustrada após forte reação da política, do judiciário e da sociedade civil. O presidente também chamou atenção para o nível de profissionalismo da maioria dos invasores. Confira:

“Eles perceberam que a gente tinha reagido, eles perceberam que a gente tinha tomado conta da situação, e eles então pararam. Mas aqui, quem veio aqui, Natuza, era gente muito profissional. Tinham pessoas que eram militantes comuns, pessoas que estavam raivosas, nem sei se tinham bebido ou não, mas o dado concreto é que segundo todo o depoimento, as pessoas que vieram aqui eram profissionais, as pessoas conheciam o Planalto, as pessoas conheciam o Poder Judiciário, as pessoas conheciam a Câmara dos Deputados.

Não foi nenhum analfabeto político que invadiu isso aqui. Era gente que preparou isso durante muito tempo. Eles não tiveram coragem de fazer nada durante a posse, e nós estávamos, na verdade, nós cometemos um erro, eu diria, elementar, a minha inteligência não existiu.

Mas nós vamos fazer a investigação, e eu posso te dizer que todas as pessoas que estiverem envolvidas, que invadiram, que fizeram algum estrago no Palácio, no Congresso ou na Suprema Corte, essa gente tem que ser condenada, senão a gente não garante a existência e a sobrevivência da democracia. E com a democracia, Natuza, a gente não pode brincar”, afirmou Lula.

Despolitização das Forças Armadas

Questionado sobre o que deverá acontecer com a politização nas Forças Armadas, Exército, Marinha e Aeronáutica, Lula afirmou que o primeiro passo é voltar à Constituição, ou seja, que os militares assumam o compromisso de respeitar a harmonia entre os poderes.

“O não politizar que eu digo é o seguinte: é preciso que os comandantes assumam a responsabilidade de dizer: o soldado, o coronel, o sargento, o tenente, o general, ele tem direito de voto, ele tem direito de escolher quem ele quiser para votar. Agora, como ele é um cargo de carreira, ele defende o estado brasileiro, ele não é exército do Lula, não é do Bolsonaro, não foi do Collor, não foi do Fernando Henrique Cardoso, a Suprema Corte não é do Lula, sabe? Essas instituições que dão garantia a esse país não precisam ter partido e não precisam ter candidato. Eles têm que defender o estado brasileiro e defender a Constituição, e eu quero conversar com eles abertamente, sabe? Porque da mesma forma que eu escolhi eles, quando eu escolhi, a gente teve critério para escolher”, disse.

Desmatamento zero na Amazônia

Durante a entrevista, Lula deixou claro que, para além do compromisso dos militares com a democracia, ele espera que os militares atuem de forma mais ativa para coibir crimes ambientais, principalmente na Amazônia. Para Lula, a sobrevivência da humanidade neste planeta depende da manutenção da floresta em pé, dos povos que vivem nela protegidos e com desenvolvimento sustentável.

“Primeiro, eu acho que nós temos que criar, sabe, um agrupamento da Polícia Federal que vai agir mais fortemente na questão da Amazônia, na questão da preservação do clima, e vai investir mais forte na questão do narcotráfico nas nossas fronteiras. E por que a gente quer fazer isso? Porque hoje a questão do clima não é mais uma coisa de estudante da USP ou uma coisa de intelectual. Não, a questão climática hoje é uma necessidade de você preservar a espécie humana no planeta. E todo mundo tem que ter responsabilidade.

Então, nós vamos fazer, nós vamos discutir com as Forças Armadas o trabalho que a gente deve fazer muito mais eficaz do que está sendo feito hoje. Sabe, nós inclusive vamos fazer uma fiscalização mais contundente, mais forte, para que a gente possa tomar conta da nossa floresta, um compromisso que nós temos é até 2030 termos desmatamento zero na Amazônia, eu vou buscar isso a ferro e fogo”, disse o presidente.

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