Em acordo com os EUA, Governo violou direitos das comunidades de Alcântara (José Cruz/Agência Brasil)

 

Por Kelly Araújo, bolsista do Guardiões da Amazônia*

As comunidades quilombolas no Maranhão têm sido alvo de crescentes violações de seus direitos territoriais. Direitos estes garantidos pela Constituição Federal. O artigo 68 do 2º Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), determina o direito à titulação das terras das comunidades dos remanescentes de quilombos, estabelecendo principalmente que a garantia ao território não se limita apenas à regularização fundiária, como também coloca que é dever do Estado dar condições para que ocorra a titulação e a preservação da identidade e territorialidade específicas dessas localidades.

Mas a prática é diferente. Quem vivencia o dia a dia nos territórios sabe que os direitos constitucionais ainda estão longe de serem conquistados, pois os modos de vida quilombola são constantemente negligenciados. Essa é a realidade de quilombolas que do Maranhão.

Território

Segundo a “Base de Informações sobre os Povos Indígenas e Quilombolas”, do IBGE (2019), o Maranhão é o 3º estado em número de comunidades quilombolas, no Brasil, com 866 localidades já identificadas. Em pelo menos 134 dos 217 municípios maranhenses têm comunidades quilombolas, sendo a ACONERUQ (Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão), a entidade representativa.

Mas grande parte delas vêm sofrendo com o avanço feroz do agronegócio, dos grandes empreendimentos e por isso, os quilombolas sofrem ameaças constantes e perda dos seus territórios para grileiros, madeireiros, políticos e empresários, amparados por uma série de medidas governamentais contrárias aos direitos territoriais dessa população.

Nesse sentido, são notórios os retrocessos causados pelo Governo Bolsonaro à população quilombola do Maranhão, considerando que uma das primeiras medidas governamentais contra a população quilombola se deu através do memorando circular nº 6/2019 do Incra – que tinha por atribuição a paralisação de todos os processos de desapropriação e adjudicação de processos que estavam em curso, no caso do Maranhão 399 processos em aberto; e a dissolução da Mesa Quilombola, um espaço um espaço permanente de diálogo e o acompanhamento dos processos de regularização dos territórios, intensificando os conflitos e tornando insegura a vida nas Comunidades.

Violência

Edvaldo Pereira Rocha, liderança quilombola assassinada recentemente (Acervo pessoal de Kelly Araújo)

Em dois anos, oito lideranças quilombolas foram assassinadas no Maranhão (Segundo a Comissão Pastoral da Terra) e apenas em um caso foi aberto inquérito policial para investigação, resultado da alta incidência de conflitos de terra que foram potencializadas com o Governo Bolsonaro.

Uma das vítimas mais recentes foi a liderança Edvaldo Pereira Rocha, de 52 anos, que foi assassinado dia 29/04 em São João do Sóter; Edvaldo era da Comunidade Quilombola Jacarezinho e já vinha denunciando o avanço dos madeireiros no território.

Semanas atrás, homens com tratores voltaram a agir na localidade e ao mesmo tempo, foram abertos processos na Secretaria Estadual de Meio Ambiente solicitando licenciamento ambiental para explorar a localidade, mesmo com os apelos dos quilombolas que lá residem.

Conflito

A Comunidade Santo Antônio dos Pretos, situada no município na cidade de Grajaú (MA) se apresenta como a única comunidade quilombola em processo de titulação mais avançado (o processo foi iniciado em 2005 e encontra-se parado pelo INCRA desde 2018) em uma localidade com forte presença indígena e com histórico de conflitos de terra.

Reunião na comunidade para tratar de invasões (Kelly Araújo)

Desde janeiro de 2020 que a Comunidade passou a receber visitas constantes de grileiros e jagunços se identificando como corretores e afirmando que a terra com quase 3.000 hectares será vendida, mesmo com a Comunidade possuindo todos os documentos que comprovam que a titularidade da terra pertence aos moradores de Santo Antônio dos Pretos.

Um dos fazendeiros que ocupam o território ilegalmente, estão entre os envolvidos, o que pode potencializar ainda mais possíveis conflitos, que por sua vez, colocam a vida da população local em constante alerta, como relatam em carta-denúncia.

Recentemente a Comunidade recebeu a notícia de um georreferenciamento cadastrado no INCRA na mesma área onde fica a Comunidade, com o nome de uma fazenda, o que coloca a população em constante estado de alerta.

Retrocesso

Outdoor em São luís, datado de 1994 quando se iniciou o Programa Espacial no Maranhão (Murilo Santos)

Em Alcântara, município situado a 90 km da capital São Luís, cuja população quilombola estipulada em 22 mil habitantes está localizada em 74 comunidades.

Em meio à pandemia, os moradores foram surpreendidos com a Resolução Nº 11, de 26 de Março de 2020, divulgada pelo Governo Federal, que informou a remoção, em meio à pandemia, de algumas famílias dessas comunidades que ocupam o território desde o século XVII e sofrem com as ameaças de remanejo devido ao Acordo de Salvaguarda entre Brasil e Estados Unidos, envolvendo a exploração da Base Espacial e, consequentemente, a expansão do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).

Seminário sobre a Base de Alcântara com Marcos Pontes em 2019 (Governo do Maranhão)

Denúncia sobre o acordo de Salvaguardas (Daniela Fichino/Justiça Global)

O acordo assinado em 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro teve amplo apoio do Congresso Nacional E alguns aspectos não foram levados em consideração, tais como: diferente do que foi afirmado pelo então ministro Marcos Pontes no Seminário – de que não haveria remoção de quilombolas – não houve qualquer consulta prévia em relação às tomadas de decisões sobre o remanejamento de 792 famílias na primeira fase da expansão do CLA, que pode ocorrer a qualquer momento.

Também temos o Quilombo Brejo, situado no território de São José dos Pretos em Guimarães, que desde agosto de 2020 sofre ameaças de despejo, mesmo tendo 350 anos de existência e tendo processo de titulação em aberto, houve uma decisão judicial favorável ao suposto dono, baseada em postagens em redes sociais como “prova”, como registrou o site Racismo Ambiental.

Resistência

Quilombolas de Jacarezinho protestam contra inércia na investigação da morte de Edvaldo Pereira (Diogo Cabral/Instagram)

As constantes situações de ataque aos direitos territoriais intensificam a confirmação de que as Comunidades Quilombolas apesar dos direitos constitucionalmente garantidos e cumprirem as etapas necessárias para a titulação, estão à mercê da morosidade institucional e de decisões de cunho jurídico e político que colocam em risco seus territórios de pertencimento.

Todavia, a conjuntura desfavorável não silencia a luta destes guerreiros que com a força da ancestralidade, criam estratégias de resistência e denúncias destes retrocessos.

O desenvolvimento de estratégias próprias de cuidado e resistência – fechamento das vias de acesso à Comunidade durante a pandemia da COVID-19, reuniões e escutas participativas sobre os conflitos e denúncias através das redes sociais demonstram para nós que apesar da atuação institucional por vezes se colocar em posição contrária aos direitos conquistados por nós quilombolas por meios constitucionais, estamos ocupando as ruas, as redes, as instituições e o espaço da política.

Vale ressaltar, a quilombola Antônia Cariongo, quilombola de Santa Maria (MA) é pré-candidata a senadora no Maranhão rumo à demarcação de espaços em todas as esferas, por “vida, terra, dignidade e por nenhum quilombo a menos”.

 

* O Guardiões da Amazônia é um programa de formação de comunicadores da Casa Ninja Amazônia em parceria com o Comitê Chico Mendes e financiado pela Purpose Brasil e WWF Brasil

A violação dos direitos territoriais no Maranhão é foco de análise da quilombola Kelly Araújo, e claro, da sua resistência