Os diferenciais das trajetórias do desenvolvimento, financiamento, produção e distribuição dos últimos filmes estrangeiros indicados ao maior prêmio do Oscar: “Parasita”, “Drive My Car” e “Nada Novo no Front”.

Nada de Novo no Front. Foto: reprodução

Por Ana Kinukawa para Cobertura Colaborativa Cine NINJA

Quando se fala em Oscar, borbulham no imaginário popular ideias de glamour e exclusividade; de uma riqueza não-cringe que ainda consegue se manter dentro da moda por mais que seja, no final, uma grande “galera rica branca de Hollywood e seus nepobabies”. O que se esquece é que todo esse imaginário faz parte de e mantém viva uma indústria, que hoje se viu obrigada por pressões externas e internas – talvez mais comerciais do que éticas –  a abrir as portas para que ao menos a foto dos membros votantes não viralize como o registro de um encontro de banqueiros vestindo coletinho “puffer”. Não à toa, a última década (2012-2022) entregou cinco dos únicos quatorze indicados a Melhor Filme na história da premiação que não foram produzidos por empresas estadunidenses.

Ou seja, mais de um terço de todas as obras estrangeiras que lograram chegar ao topo do Oscar, inclusive a única vencedora (“Parasita”, em 2020), surgiu mais recentemente, revelando uma tendência da qual o Brasil e outros países antes fora do mapa das estrelas podem muito bem usufruir. 

Como indústria, imagina-se que os eleitores dos Oscars, a Academia de Ciências Cinematográficas de Hollywood, assistam aos indicados nas diversas categorias com o olhar único de quem participa da feitura desses filmes. Há, para além do marketing agressivo (e hoje proibido) à la Weinstein, uma empatia com aqueles que se dedicam ao mesmo ofício. E, se é alterado o quadro desses membros, os votos e os critérios também se alteram. Se mais estrangeiros compõem esse quadro, mais empatia à “estrangeirice” terão os votos.

Drive My Car. Foto: reprodução

É rompido o teto de vidro e o que antes eram sons incompreensíveis se traduzem em legendas, nas palavras de Bong. Porém, mais do que o voto embasado em um identitarismo raso, são as qualificações, as circunstâncias especiais e as condições únicas desses filmes estrangeiros que conquistam a admiração dos membros da Academia e, consequentemente, uma posição no pódio. 

Afinal, como um filme estrangeiro chega à categoria de Melhor Filme do Oscar? Quais pontos comuns e diferenciais nas suas respectivas indústrias e etapas de captação de recursos, produção e distribuição destacam essas obras de tantas outras? Analisando os últimos três grandes filmes estrangeiros indicados pela Academia (“Parasita” em 2020, “Drive My Car” em 2022 e “Nada de Novo no Front” agora em 2023), são destacadas algumas observações das quais as produções brasileiras podem, quem sabe, se aproveitar.

Maior controle criativo sobre a obra e uso de temas universais, autorais e que acabaram se encaixando no contexto histórico da sua respectiva edição do Oscar.

  • Todos os diretores também trabalharam como co-roteiristas, garantindo maior controle criativo sobre a história.
  • As temáticas abordadas eram universais e se encaixam nos contextos dos seus respectivos momentos de lançamento.
  • Os roteiros foram beneficiados pelo atrativo de serem histórias “de autor”, seja como obras originais, seja como derivadas de nomes fortes da literatura.

Captação de recursos de fontes privadas, frutos de relacionamentos de longa data e com forte, senão relativamente forte presença no mercado internacional.

  • Parasita: 
    • Investidores diversos + conglomerado “chaebol” 
    • Orçamento estimado: USD$ 11 milhões
  • Drive My Car: 
    • Distribuidora indie + comitê de produtores/ investidores diversos 
    • Orçamento estimado: USD$ 1,3 milhão
  • Nada de Novo no Front: 
    • Plataforma de streaming 
    • Orçamento estimado: USD$ 20 milhões de dólares

Parasita. Foto: reprodução

Compreensão dos desafios e das oportunidades da indústria cinematográfica de cada país para uma produção que se concretize e ao mesmo tempo que fuja às regras, buscando inovação e mudanças internas.

  • Baixos orçamentos para produções locais, algo que, na ausência do Estado, players como a Netflix tentam suprir em seus investimentos e sua capacidade global de escoamento de produção.
  • Ameaça de streamings e grandes conglomerados impulsionam discussões sobre regulações, assim como promovem a busca por projetos cada vez mais destoantes. 
  • Impedimentos à criatividade artística engessados pelas estruturas de produção presentes nas respectivas indústrias, como os comitês de produção no Japão, que diversificam os riscos entre investidores ao mesmo tempo que traz uma variedade não-prática de stakeholders e cobranças.

Realização das filmagens e da produção com uma equipe já conhecida e de alta qualificação técnica em um ambiente de trabalho acolhedor e que promova a criatividade artística de cada departamento. 

  • Ambientes acolhedores de trabalho, com respeito a uma jornada de trabalho razoável, por exemplo.
  • Liberdade criativa para cada departamento sugerir contribuições para a criação do universo único de cada filme.
  • Equipe above the line e below the line já acostumadas a trabalhar juntas em outros projetos.

Distribuição por empresas recém-formadas, cujas estratégias dão atenção especial ao seu filme, principalmente na campanha para a América do Norte.

  • Distribuidoras novas e ousadas (Neon para “Parasita” e Mubi e Sideshow para “Drive My Car”) que buscaram inspiração em estudos de caso clássicos, como as campanhas dos filmes do diretor Alfred Hitchcock, aliadas ao trabalho com talentos nas novas plataformas, tecnologias e agentes.
  • Netflix, “Nada de Novo no Front” e seu interesse em obras voltadas ao Oscar, que não precisa nem de algoritmos para entregar o quanto aprecia um filme de guerra.

 

Concluindo, os três foram filmes que de alguma forma, seja pela relevância do roteiro e do tema; pelas suas parcerias duradouras e investimentos acertados; pela qualidade técnica e inventividade permitida à cada equipe; ou pelas campanhas de distribuição e marketing diferenciadas e ousadas, conquistaram crítica e profissionais da indústria majoritariamente concentrados em Hollywood.

A questão que o Brasil deve se fazer é se há, de fato, uma necessidade de se buscar incansavelmente esse lugar de destaque tão distante da realidade em que o filme foi concebido e realizado. Vale a pena para um filme estrangeiro chegar ao Oscar de Melhor Filme?

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2023