Comissão de Anistia revisa mais de 4 mil pedidos de vítimas da ditadura negados no governo Bolsonaro
Com integrantes nomeados no governo Lula, comissão irá transmitir sessões pelas redes sociais
A Comissão de Anistia, nomeada durante o governo Lula (PT) para investigar perseguições durante a ditadura militar no Brasil, terá sua primeira sessão de julgamento às vésperas dos 59 anos do início do regime militar, que se iniciou em 1º de abril de 1964 e durou por 21 anos, até 1985. Os participantes da comissão não recebem remuneração pela atividade exercida.
O colegiado vai decidir sobre temas que foram negados nos governos anteriores, principalmente na gestão do ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro (PL). De 2019 a 2022, segundo o governo Lula, 95% dos pedidos de reparação analisados pela Comissão de Anistia foram negados.
“Quantos brasileiros poderiam ter sidos salvos do abandono se não fosse a ditadura com política excludente. Desigualdade, violência de estado, racismo, machismo, transfobia, são indissociáveis com a forma que o Brasil foi construído. Essa história precisa ser recontada, para que não se repita. Por isso bradamos ao lado dos movimentos, ditadura nunca mais, nunca mais”, disse o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida.
O ministro fez um discurso sobre o impacto da ditadura na manutenção das desigualdades no país durante a abertura da sessão. Com novo regimento, as sessões passam a ser abertas e com transmissão pela internet.
Ainda pela primeira vez, a comissão tem entre os seus integrantes pessoas negras e indígenas. Outra inovação é que o representante do Ministério da Defesa não é militar.
A possibilidade de julgamento coletivo permite anistia para movimentos sociais, povos quilombolas, indígenas, coletivos LGBTQIA+ e outros grupos, mas não prevê reparação econômica. A comissão, no entanto, pode determinar a tomada de providências por outros órgãos, como destacou o G1.
De acordo com presidente da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, o colegiado pretende rever, nos próximos anos, milhares de processos que foram julgados e negados indevidamente pela gestão anterior. “Temos uma estimativa de que pode ser de 4 mil até 8 a 9 mil processos”, revelou em entrevista à Agência Brasil. Citando especificamente os últimos quatro anos (2019 a 2022), Almeida conta que houve uma estratégia deliberada e sistemática para negar requerimentos em massa e tentar encerrar os trabalhos da comissão.
“Nesse período, a Comissão de Anistia que existiu era negacionista. Ela negava o golpe, negava a ditadura, negava a perseguição política e, claro, o resultado tinha que ser negar a anistia política”, diz. “Todos [os integrantes do colegiado] eram contra o deferimento da anistia e todos diziam que não houve golpe de Estado em 1964”, acrescenta a presidente da comissão.
Veja os pedidos que devem ser reanalisados pela Comissão de Anistia nesta quinta:
Cláudia Arruda Campos
Integrante do grupo Ação Popular, foi perseguida e presa pela ditadura militar. No julgamento realizado durante o governo Bolsonaro, foi considerado que “apesar de existirem provas de monitoramento do requerente, não foi possível identificar nos autos qualquer ação do Estado em desfavor do Requerente que pudesse ensejar os direitos atinentes à anistia política”.
Na época, o voto do conselheiro General Rocha Paiva foi acompanhado por outros integrantes da comissão.
Ivan Valente
Militante contra a ditadura, foi perseguido, preso e torturado pela ditadura militar. No período, perdeu o emprego e enfrentou dificuldades para acessar o diploma de engenharia. Em 2022, a comissão avaliou que o atual deputado federal integrava uma organização criminosa e indeferiu o pedido de reparação.
José Pedro da Silva
Hoje com 80 anos, foi militante e integrou a Frente Nacional de Trabalho e o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, na década de 1970. Foi preso no local de trabalho e, por isso, acabou demitido e teve dificuldades para conseguir um novo emprego.
Em 2018, durante o governo Temer, a comissão de anistia concedeu indenização de R$ 2 mil por mês. Porém, a decisão foi cancelada pelo Ministério da Justiça, por meio de uma portaria, com a alegação de que não houve relação entre a militância política e a demissão no trabalho.
Romario Cezar Schettino
Teve a anistia concedida em 2018, contudo, nunca recebeu a indenização. O valor da reparação será revisto.
A Comissão de Anistia foi criada em 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com o objetivo de oferecer reparação a vítimas ou familiares de vítimas de perseguição durante a ditadura militar (1964-1985).