Com uso de recursos tecnológicos, indígenas auxiliam PF e MPF com dados sobre invasões
Criada em 2021, a Equipe de Vigilância do Vale do Javari colhe os resultados de um upgrade tecnológico
Formada por indígenas, a Equipe de Vigilância do Vale do Javari colhe os resultados de um upgrade tecnológico. Na Terra Indígena que fica no extremo oeste do Amazonas, o grupo atua pela qualificação de informações sobre a presença de invasores. Agora, passa a subsidiar investigações da Polícia Federal e Ministério Público Federal.
Um dos coordenadores, Beto Marubo explica que já não bastava apenas denunciar a presença dos invasores. “A gente precisava de provas”. Então, foram a campo desenvolver uma tarefa que seria da Fundação Nacional do Índio (Funai), que possui quatro bases no território e ainda conta com apoio da Força Nacional, porém não atuam efetivamente.
“Junto a parceiros como a WWF e NIA TERO conseguimos capacitar a equipe para manusear softwares de mapas e pilotar drones civis. Os manejando dentro das normas e limitações, o grupo captura imagens. Usa GPS e aplicativo para elaborar mapas que utilizam para marcar os pontos de invasão”.
Segundo Beto, vários registros foram apresentados recentemente ao Ministério Público Federal de Tabatinga (AM). “Dados que foram inclusive, novidade para as próprias instituições acostumadas com isso, que é o MPF e a PF. Foi algo inédito”, orgulha-se Marubo, que também é membro da Organização Indígena Univaja, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari.
“O território é o com a maior presença de isolados. Então, estamos pautando o trabalho da Funai, de delegados da PF e de representantes do MPF e compartilhando informações para otimizar os trabalhos de vigilância no vale. Por consequência, dos parentes isolados, que é o objetivo maior”.
Beto narra que com o aumento das invasões, os parentes notaram a falta de animais e peixes, produtos dos mais roubados no território. “Ora, os parentes dependem desses recursos naturais para sobreviver. Sem eles, vai faltar comida. Apesar do nossa TI ser a segunda maior do país, os pontos chaves de invasão em seu interior, atingem níveis da pré-demarcação”. A frente de proteção foi criada em 2021, mas os resultados mais efetivos estão sendo conquistados agora. Em seis meses de existência a a equipe de vigilância já realizou sete missões.
Com a chegada de Bolsonaro à presidência, que faz constantes ameaças aos povos originários do Brasil em defesa do agronegócio, madeireiros e garimpeiros, a luta foi desencadeada dentro mesmo do poder público. Entre os anos de 1998 e 2017, Beto trabalhou na proteção de indígenas isolados na Funai. “É muito triste e de certa forma, uma perda política para o nosso país. Outrora, o Brasil foi referência mundial na proteção dos direitos que esses povos têm ao isolamento”.
Beto ressalta que o país, que consequentemente mantinha liderança na América Latina foi ultrapassado pela Colômbia, Peru e Equador. “Países que recentemente efetivaram legislações muito mais modernas que a brasileira. E o Brasil, agora é afetado por esse retrocesso avassalador”.
Parente protege parente
E então, é que a resistência indígena insurge, com parente protegendo parente. “Muitos destes você não vai ver aqui no Acampamento (Terra Livre), porque eles precisam permanecer no território”. Eles atuam com mateiros, rastreadores, pessoas que ajudam a Funai, “que fazem o trabalho fino. Um trabalho lento, de muitos dias na selva. É só para quem tem experiência mesmo”.
Mas Beto ressalta que não se pode atacar a instituição. É preciso destacar que ela está sucateada. “Loteada por pessoas que sempre quiseram diminuir ou extinguir os direitos dos povos indígenas, que é o caso do agronegócio retrógrado, do missionarismo fundamentalista, madeireiros, garimpeiros. Esse pessoal tomou a Funai. Diante dessas questões, os indígenas estão usando estratégias para proteger os parentes isolados”.
Como mais uma frente de enfrentamento ao retrocesso aos direitos constitucionalmente conquistados é que surge o Observatório dos Direitos Humanos (OPI). Há uma pressão muito forte da instituição à qual Beto ajudou a criar, no contexto de que Bolsonaro assumia o poder e algo precisava ser feito para proteger a política do não-contato.
Havia um temor muito grande de que informações sigilosas, protegidas por tanto tempo por setor da Funai, caíssem em mãos erradas. “Era como se fosse uma Funai dentro da Funai, que guardava informações que poderiam facilitar o contato com os indígenas isolados. Era confidencial. Imagina quando Bolsonaro foi eleito. Quanta gente que não presta teria acesso a esses dados!”.
Ele conta que os profissionais que atuavam nessa seara, se uniram.
“Gente que trabalhou no mato, claro, não os indigenistas de sofá. E então, fundamos o observatório. Começamos a trabalhar com a Coiab, Apib e cujos esforços resultaram até na ADPF 709”. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental foi articulada pela Apib, em conjunto com outros seis partidos políticos (PSB, REDE, PSOL, PT, PDT e PC do B), que determinou ao governo federal a adoção de medidas para conter o avanço da pandemia nos territórios indígenas.
“E a gente junto com o movimento indígena conseguiu emplacar e tem funcionado até agora, acho q isso foi o diferencial, o inédito no governo Bolsonaro, a criação dessa instância organizada de controle social”.
E então, testemunha Beto, o grupo conseguiu duas coisas. Primeiro, uma “encrenca” com a Funai. “Que passou a denunciar o movimento indígena para a Polícia Federal, criminalizar os indígenas por eles estarem tentando proteger seus territórios”.
De outro lado, o que foi muito positivo, foi a qualificação de informações técnicas. “De alto nível, vale ressaltar, pois convenceram as instâncias que são muito técnicas, que são a PF e o MPF. Informações fundamentais para investigar casos de invasões que ocorrem no entorno da TI. Então, somando esforços, podemos colaborar para que essas instituições desenvolvam um bom trabalho”.
Ele reforça que são níveis alarmantes, de período de pré-demarcação, porque as terras eram devolutas e entravam ali, quem quisesse. “Mesmo com a Força Nacional e as bases da Funai, elas estão aumentando. Queremos contribuir. Infelizmente a Funai vive uma situação degradante, pois foram colocadas lá, pessoas empenhadas em fechar os olhos para as anomalias que estamos vendo”.
Presente no Acampamento Terra Livre, que seguiu com programação até dia 14 de abril, Beto participou da plenária #IsoladosOuDizimados – Pelas vidas dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, realizada na quinta-feira (7). O debate contou com a mediação da Coordenadora executiva da Coiab, Angela Kaxuyana, e a participação de Tambura Amondawa, Adriano Karipuna, Junior Hekurari Yanomami, de Roraima, Ronilson Guajajara, do Maranhão, Lindomar Terena, Paulo Tupiniquim, Alfredo Marubo, Gilson Mayoruna e Luis Ventura, representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).