Na semana em que se lembra o Dia da Abolição da Escravatura no país, partidos políticos protocolam ação motivada pelo movimento negro brasileiro

.

Na semana que marca os 134 anos da Abolição Inconclusa, o movimento negro brasileiro em Coalizão Negra por Direitos realiza uma série de ações para chamar a atenção da sociedade para os impactos da falsa abolição. Em parceria com os movimentos Mães de Maio, Mães de Manguinhos e Mães da Maré, organizações que reúnem mães e familiares das vítimas da violência do Estado, a articulação nacional de mais de 250 organizações mobilizou partidos políticos para protocolar nesta quinta (12 de maio) uma ação ao Supremo Tribunal Federal, véspera do Dia da Abolição Inconclusa.

“Buscamos o reconhecimento por parte do STF de que existe no Brasil uma política de morte à população negra estruturada no racismo. A denúncia do movimento negro é secular, mas segue sem o devido amparo das instituições. Necessitamos que haja comprometimento público em reverter esse cenário, por isso, a ação centraliza em demandar políticas que possam responsabilizar e reparar as comunidades negras impactadas por essa política de morte”, afirma Sheila de Carvalho, advogada e diretora do Instituto de Referência Negra Peregum e integrante da Coalizão Negra por Direitos.

A ação ainda registra diversos dados que comprovam impactos desproporcionais para a população negra, 56% do país, como: aumento de 1,6% dos homicídios entre negros de 2009 a 2019 e redução de 33% no número absoluto de vítimas; mulheres negras terem mais chances de sofrerem violência obstétrica e receberem menos anestesia durante o corte no períneo (10,7%); e que, em 2018, 58,1% dos lares com insegurança alimentar grave eram chefiados por pessoas autodeclaradas pretas ou pardas. “Os dados apresentados na ação comprovam o que já alardeamos há tanto tempo, é hora de dar um basta nesse genocídio”, diz Douglas Belchior, cofundador da Uneafro Brasil e integrante da Coalizão.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que será protocolada pede que sejam reconhecidas e sanadas as graves lesões à população negra praticadas pelo Estado brasileiro, seja por ações ou omissões reiteradas que culminam na violação sistêmica dos direitos constitucionais à vida, à saúde e à alimentação digna. “Estamos cansadas de chorar nossos mortos, de ver mães morrendo de tristeza por essas mortes, quantos mais morrerão nessa guerra que nunca acaba?”, diz Débora Silva, do movimento Mães de Maio.

O pedido na íntegra será disponibilizado no site www.adpfvidasnegras.org, no dia do protocolo no STF. O portal foi criado para pedir o apoio da sociedade a pressionar o STF a reconhecer a ação, além de mostrar como o Brasil foi fundado no racismo estrutural e no racismo institucional que sustentam uma política de morte financiada e aplicada pelo Poder Público à população negra brasileira.

Os coletivos e entidades do movimento negro e antirracista que atuam coletivamente na promoção de ações de incidência política à população negra brasileira ainda realizarão na quinta (12), às 9h, um ato em frente ao STF para chamar a atenção dos ministros da Corte sobre como, na prática, a inconclusão da abolição no Brasil gera inúmeros impactos na vida da população negra.

Entre eles, o crescente aumento da letalidade de pessoas negras em decorrência da violência institucional (sobretudo, fruto da atuação policial), no desmonte de políticas públicas voltadas à atenção da saúde da população negra e nas políticas de redistribuição de renda que dificultam e impossibilitam o acesso às condições de vida digna, inclusive o acesso à alimentação saudável.

Após o ato simbólico, haverá uma audiência pública na Câmara dos Deputados Federal, das 11h às 13h, no Anexo 2 – Plenário 4 das Comissões. A ação foi convocada por lideranças da bancada negra no Congresso e tem como objetivo debater o genocídio negro e os crimes de maio de 2006, a maior chacina das Américas ocorrida em São Paulo e que segue até hoje sem respostas do Poder Público. Na audiência, ainda serão ressaltados os recentes casos da Chacina do Jacarezinho (Rio de Janeiro), em 2021, e a Chacina de Gamboa (Salvador), em 2022.

Entre as pessoas confirmadas, estão Taliria Petrone, deputada federal; Douglas Belchior, cofundador da Uneafro Brasil; Vilma Reis, do coletivo Luiza Mahin; Debora Silva, do movimento Mães de Maio; Anielle Franco, diretora do Instituto Marielle Franco; Carmem Ferreira, do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC); Bianca Santana, diretora da Casa Sueli Carneiro; Ana Paula Oliveira, do movimento Mães de Manguinhos; Camila Fiuza, Mães de Salvador; Bruna Silva, Mães da Maré; Elaine Mineiro, vereadora Quilombo Periférico, entre outras.

Ações práticas contra o racismo

Além do reconhecimento ao estado inconstitucional, as organizações requerem medidas de reparação voltadas para sanar o cenário atual, além da elaboração e implementação de um Plano Nacional de Enfrentamento ao Racismo Institucional e à Política de Morte à População Negra, em um prazo de um ano.

Entre as ações neste plano, estariam a implementação de protocolos relativos à abordagem policial e ao uso da força alinhados aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e nos tratados internacionais de direitos humanos, segurança e paz dos quais o Brasil é signatário; construção de um Fundo Nacional para o Enfrentamento ao Racismo; entre outros pontos.

Coalizão Negra Por Direitos

A Coalizão Negra Por Direitos reúne mais de 200 organizações, grupos e coletivos do movimento negro brasileiro para promover ações conjuntas de incidência política nacional e internacional. As entidades definem estratégias para intensificar o diálogo com o Congresso Nacional e com instituições, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), sobre a pauta racial, além de fortalecer ações nos estados e municípios brasileiros nesse sentido.