Coordenadora técnico/operacional do MapBiomas Fogo diz que qualquer pessoa com acesso à internet pode visualizar queimadas

Especialista em monitoramento, Vera Arruda descomplica universo da ciência de dados sobre o fogo (Arquivo pessoal)

“Focos de incêndio disparam na Amazônia e o bioma tem o pior mês de setembro desde 2010”: nos últimos anos, manchetes amargas como esta, se multiplicam nos noticiários. Mas como os jornais têm acesso a essas informações? As redações são municiadas por cientistas que realizam constante monitoramento de dados via satélite.

Para entender como funciona esse trabalho, convocamos uma especialista no assunto, a jovem cientista Vera Arruda. Além de compor a equipe de pesquisadores do Instituto de Pesquisa da Amazônia (Ipam), ela é coordenadora técnico/operacional do MapBiomas Fogo, que gera dados sobre áreas queimadas para todo território brasileiro.

Ela explica que o tempo para disponibilização de dados depende da fonte. No Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por exemplo, dados de foco de calor têm atualização diária em tempo real, “pois detectam só a fonte de calor na imagem”, como explica Vera.

“Já os dados de área queimada do MapBiomas Monitor do Fogo têm atualização mensal pois são usadas todas as imagens de satélite do mês para posterior processamento dos algoritmos que fazem o mapeamento das cicatrizes de fogo”.

Ou seja, em breve você terá notícias precisas sobre os prejuízos ambientais causados pelos tristes recordes de queimadas e incêndios na Amazônia. E a propósito, nesta entrevista, ela também explica a diferença entre um e outro.

Perguntamos também se a cidadã ou cidadão comum pode acessar esses dados. Ela explicou que qualquer pessoa com acesso à internet pode realizar monitoramento, sem que haja necessidade de especialização. E que a partir dessas informações, pode até fazer denúncias aos órgãos responsáveis.

A cientista comenta também sobre a representação feminina na área de monitoramento de fogo, que engloba áreas da ciência, pesquisa, sensoriamento remoto e geotecnologias. Vera é formada em Engenharia Florestal e mestre em Ciências Florestais pela Universidade de Brasília (Unb). Atualmente cursa doutorado em Geografia/Geoprocessamento.

1 – Para se especializar no monitoramento e leitura de dados sobre desmatamento e fogo, o que a gente precisa fazer?

Para acesso à informação e consulta de dados de fogo e desmatamento não é necessário uma formação específica, porém seria mais um interesse e certo conhecimento na área ambiental e de geoinformação.

2 – Há diferença entre incêndios e queimadas? E focos de calor? O que caracteriza um e outro?

Foco de calor é uma medida usada para estimar atividades de fogo, representa a captura de informação de temperatura da superfície da terra, captada por satélites. Instituições como o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e a NASA, a Agência Espacial dos Estados Unidos, são instituições que geram dados de focos de calor.

Os focos de calor então indicam evidências de uma atividade de fogo, que podem ser queimadas ou incêndios florestais.

As queimadas são técnicas agropastoris usadas em todo o Brasil e na Amazônia, historicamente, representam a última etapa do processo de desmatamento. Relacionadas então ao desmatamento e ao manejo de pastagens e limpeza de áreas que já estão desmatadas.

Há também o fogo acidental que pode escapar para áreas florestais ou áreas agrícolas gerando grandes incêndios florestais, que são um fogo descontrolado e indesejado, podendo danificar recursos naturais, propriedades e ameaça à vida.

3 – Para que serve o monitoramento de dados?

Em muitos casos o fogo pode ser uma grande ameaça à economia, biodiversidade e saúde pública, sendo de extrema importância o monitoramento de fogo para o planejamento e controle de combate a incêndios florestais.

Além disso, as queimadas estão relacionadas às emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, que precisam ser contabilizadas para serem mitigadas.

4 – Como é feito esse monitoramento? São satélites brasileiros?

As imagens de satélite são especialmente úteis pois permitem o monitoramento para grandes áreas e regiões remotas onde não se tem fácil acesso, fornecendo informações sobre duração, localização, tamanho e impactos do fogo, que de outra forma não seriam possíveis.

Para os dados dos focos de calor do INPE são usado imagens dos satélites NOAA-18 e 19, METOP-B e C, TERRA e AQUA, NPP-Suomi e NOAA-20, bem como as imagens dos satélites geoestacionários GOES-16 e Meteosat-11.

Para a série histórica de cicatrizes anuais de fogo a partir de 1985 – MapBiomas Fogo, são usadas imagens do satélite Landsat (satélite norte americano). E para o Monitor do Fogo, também do MapBiomas, que faz o monitoramento mensal de área queimada do Brasil, são usadas imagens do satélite Sentinel 2 (projeto da Agência Espacial Europeia-ESA), com atualização mensal. Ambos os satélites tem disponível imagens gratuitas online.

5 – Quais as ferramentas usadas pelos cientistas?

Nos últimos anos, ferramentas geoespaciais e de sensoriamento remoto têm permitido o monitoramento de fogo por dados de satélite, que são essenciais em grandes escalas como no Brasil, permitindo análises temporais e espaciais dos eventos de fogo.

6 – Os dados são em tempo real? Qual o tempo de atualização? Varia de fonte para fonte?

A atualização de dados de fogo depende de cada fonte. Os dados de focos de calor do INPE têm atualização diária em tempo real, pois detectam só a fonte de calor na imagem. Já os dados de área queimada do MapBiomas Monitor do Fogo tem atualização mensal pois são usadas todas as imagens de mês para posterior processamento dos algoritmos que fazem o mapeamento das cicatrizes de fogo.

7 – Cidadãos comuns podem ter acesso a dados como estes?

Todos os dados citados são de fácil acesso a qualquer cidadão apenas com acesso à internet, sem necessidade de nenhuma especialização.

A partir das informações de fogo e área queimada é possível fazer denúncias de áreas queimadas que não tem prévia autorização pelo órgão gestor, podendo ser feita para os Bombeiros, Secretaria Estadual do Meio Ambiente, IBAMA, Prefeitura, e Instituto Florestal.

8 – Como é a área de sua atuação para mulheres?

A área de monitoramento de fogo engloba áreas da ciência, pesquisa, sensoriamento remoto e geotecnologias – todas essas que muitas vezes são dominadas por homens, porém a representação feminina vem crescendo cada vez mais, um exemplo são instituições como o IPAM, onde a maior parte da equipe de pesquisa são composta por mulheres e o MapBiomas que cada vez mais tem integrado mulheres não só na área de ciência mas também na área tecnológica.

Essas diferenças vêm de forma histórica, com a luta das mulheres pelo acesso à educação e às Universidades, tendo ainda um caminho a ser percorrido pela igualdade de gênero nas áreas da ciência e tecnologia.